No momento em que a ONU, com base em estudos científicos recentes, faz alertas incisivos sobre altas temperaturas que o mundo enfrentar...

Meio ambiente e áreas verdes na trajetória da cidade

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No momento em que a ONU, com base em estudos científicos recentes, faz alertas incisivos sobre altas temperaturas que o mundo enfrentará no período 2023-2027, devido ao impacto dos gases do efeito estufa e do fenômeno meteorológico El Niño, a nós urbanos cabem reflexões e questionamentos sobre o ambiente em que vivemos; sobre a região e a cidade em que habitamos.

Assentada há mais de quatro séculos em zona costeira de solos férteis, recobertos por vegetação primária de Mata Atlântica e da qual ainda restam testemunhos, com pluviosidade média anual um pouco acima de 1.000 mm, conforme dados do IBGE, João Pessoa, desde sua fundação, em razão
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Thiago Japiassu
de elementos naturais e físico-ecológicos, sempre se inclinou, com relevo, para intervenções ambientais direcionadas à proteção e preservação de áreas verdes, enquanto componentes de valorização da paisagem urbana e da qualidade de vida.

As últimas décadas do século passado representaram marco importante para as questões ambientais nacionais. Depois da instalação da Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), em 1973, a política nacional de meio ambiente passa por reestruturações, até ser criado o Ministério do Meio Ambiente, em 1992. A partir daí se intensificam políticas nacionais estruturantes do setor, possibilitando um contínuo às ações regionais e locais.

Em João Pessoa, mesmo referências rápidas podem nos dar dimensão do que representam do ponto de vista ecológico, os diversos parques, jardins, reservas florestais, praças, pequenos ecótopos e logradouros arborizados, presentes nos quatro cantos do território do município. Por imagens de satélite ou plantas urbanas, antigas ou recentes, os identificamos prontamente, pois estão geograficamente distribuídos por diferentes zonas da cidade. E não exageram os que afirmam que tais meios acenam para indicadores de uma civitas que apresenta urbanismo arejado, padrão civilizatório e valorização de questões ambientais indicativas de atenção ao bem-estar e à melhoria da qualidade da vida urbana ao curso de sua história quadricentenária.

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Neste contexto, a cidade se posiciona, com vantagem, em relação a outras no país. Os elementos da natureza como que se combinaram para premiar seu vasto território metropolitano com áreas de matas fechadas, mangues, restingas e matas ciliares e uma densa rede de rios perenes, formando exuberantes paisagens ribeirinhas entre João Pessoa e Cabedelo, João Pessoa e Bayeux e João Pessoa e Conde, a cuja biodiversidade se devem cuidados especiais.

Embora linhas territoriais se imponham, separando João Pessoa de Cabedelo, Bayeux, Santa Rita e Conde, suas áreas, de maneira macro, por formação
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geológica e geomorfológica, características climáticas, composição da cobertura vegetal e outros aspectos físicos importantes, comporiam um só conjunto, que poderiam se denominar ecossistemas do litoral da Grande João Pessoa.

Em rápido panorama sobre medidas que a cidade implantou ao longo de sua história e que, neste texto, são enxergadas como feitos que produzem repercussão positiva sobre a questão da preservação e da proteção ambiental local, em vista das preocupações atuais com a questão climática, vamos abordá-las sucintamente, a seguir, independentemente da ordem cronológica em que foram implantadas e do seu grau de importância.

Assim, cabem olhares para a Floresta Nacional da Restinga de Cabedelo (a Mata da AMEM), uma unidade de conservação vinculada ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio, 2004), com 103 hectares, localizada na região metropolitana, em áreas de João Pessoa e Cabedelo e se caracterizando como um dos últimos fragmentos de Mata Atlântica em restinga na Paraíba, e para a Ilha da Restinga, com 540 hectares, situada no estuário do rio Paraíba, exibindo distintos ecossistemas, às proximidades dos já citados municípios.

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Ainda no âmbito metropolitano, deve-se atenção também às matas ciliares às bordas dos rios Sanhauá e Paraíba, Mandacaru e Paroeira, Gramame e Mamuaba, Cuiá e Mangabeira, Aratu e Jacarapé, bem como a fragmentos de floresta que ocorrem por toda a área do município, compondo ecossistemas de mangues, matas fechadas, restingas, matas ciliares, formando exuberantes paisagens ribeirinhas entre João Pessoa e Cabedelo, João Pessoa e Bayeux e João Pessoa e Conde.

Com superfície territorial de cerca de 210.000 km2, apesar das perdas anuais de cobertura vegetal, o município de João Pessoa apresenta invejáveis parcelas de sua área comprometidas com estas modalidades de “equipamentos”, o que lhe confere precondições para proteção ambiental, recuperação do meio ambiente, uso dos recursos naturais, valorização dos serviços ambientais e inserção do desenvolvimento sustentável na formulação de suas ações.
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Por sua distribuição geográfica neste extenso espaço, tais equipamentos trazem reflexos à umidade e a temperaturas nessa “ilha de calor” em que a cidade se converte e à formação de microclimas singulares, como os da Mata do Buraquinho, Bica e Parque das Trilhas dos Cinco Rios, dentre outros.

O Parque Estadual Mata do Aratu, (341 hectares, criado pelo Decreto Estadual n° 23.838, de 2002), o Parque Estadual Mata do Jacarapé, com 380 hectares, uma unidade de conservação criada pelo Decreto Estadual nº. 23.836, de 2002; o Parque Estadual das Trilhas dos Cinco Rios, criado pelo Decreto Estadual n° 35.325, de 2014, e que por seus 515 hectares, se constitui em um dos maiores redutos de Mata Atlântica na cidade de João Pessoa. Este parque é estratégico por estabelecer-se como corredor ecológico a uni-lo ao Parque Estadual Mata do Aratu e ao Parque Estadual Mata de Jacarapé, ao sul do município.

De relevante importância, em razão da sua localização do adensamento de construções à sua proximidade são o Parque Zoobotânico Arruda Câmara ou Parque da Bica (criado pelo decreto nº 37, de 1921), os remanescentes de floresta da Cidade Universitária, o Parque Linear Urbano (Parahyba I e II (2017), como Zona de Preservação Ambiental e de Proteção Paisagística;  os remanescentes de mata da Fábrica de Cimento Matarazzo; o agradável Bosque do Cabo Branco, ao lado da Estação Ciências; a Praça da Independência (1922), a Praça Venâncio Neiva ou Pavilhão do Chá (1931), a Praça Presidente João Pessoa que após várias reformas e outros nomes recebeu este em 1931, em homenagem ex-presidente da província morto em 1930; a Praça Pedro Américo (1981); as avenidas João Machado (1910) Maximiano de Figueiredo (1920); Rua do Tambiá; Epitácio Pessoa (1929), como pioneiras na arborização da cidade, dentre outras.

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carlosromero.com.br
Com os parques atualmente em implantação - Parque da Cidade Governador José Maranhão, com 25 hectares (lei Nº 14.783, de 2023), no bairro do Aeroclube; o Parque Natural Municipal do Rio Cuiá (2011), uma unidade de conservação com 42 hectares, localizado entre os bairros do Geisel e Valentina Figueiredo; e o Parque das Três Ruas, com 09 hectares, localizado na confluência de Altiplano, Bancários e Cidade Universitária - o quesito meio ambiente / áreas verdes, nestes respectivos espaços, passa a responder, de forma mais eficaz, aos desafios da circulação urbana, do embelezamento e lazer, do refúgio de espécies nativas em espaços mais afastadas do centro de João Pessoa. Por décadas, pela quantidade de verde existente, a cidade de João Pessoa foi muito divulgada por sua população e pela imprensa, através do epíteto cidade verde, terminologia hoje em desuso. Mas, se percebe que embora a propaganda e as entidades de defesa, de momento, não estejam em evidência, restou junto à população e às instâncias próprias, a conscientização de que cuidar do meio ambiente é uma obrigação.

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Thiago Japiassu
Ao lado do Rio de Janeiro, Recife, São Paulo e Santos, Vitória e outras, João Pessoa compõe o bloco das primeiras cidades a ingressar no chamado higienismo sanitarista que marcou a urbanização no Brasil, do final do século XIX e início do século XX, focando a defesa da saúde, da educação pública e do ensino de novos hábitos higiênicos, pela medicina social e pelo saneamento de áreas insalubres, dentro da concepção de que saúde e educação são portas para o desenvolvimento. Podemos dizer que, neste momento, o urbanismo se aliava ao sanitarismo no intuito de melhorar e promover a qualidade de vida urbana. A propósito do que se passou a conhecer como a grande Reforma Urbanística de Paris, de 1852-1870, empreendida por Haussmann, e que como ideia se irradiou pelo mundo, as intervenções de Saturnino de Brito em inúmeras cidades brasileiras, y compris João Pessoa, inspiradas no que se fez em Paris,
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Ray Fernandes
incluíam, em escala brasileira, melhorias como a instalação de esgotos, extensão do sistema de distribuição de água, promoção da iluminação pública, remoção de sub-habitações.

Depois de relutâncias de alguns anos perdidos, a cidade de João Pessoa acolheu os projetos de Saturnino de Brito (1926) visando ao saneamento e à melhoria das condições ambientais de áreas insalubres e lamacentas, restritivas à ocupação do solo urbano e à expansão da cidade, por prejuízos à qualidade de vida da população, a exemplo do que ocorria em arredores da Lagoa dos Irerês e de áreas do Varadouro, notadamente.

Aos excessos ou omissões do passado, com o suporte que o conhecimento técnico e científico vem acumulando em relação à atual situação climática e ambiental mundial, as gerações atuais, em favor do seu próprio bem-estar e do bem-estar das próximas gerações, têm o dever de proteger o planeta, a começar pelo que está ao seu redor, conhecendo, habitando, empreendendo, operando suas atividades econômicas ou produzindo com base nos princípios da racionalidade e da sustentabilidade.

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Henrique Ruzzon
Vale constatar que a zona de interação de meios terrestres, marinhos e atmosféricos, onde se situa a cidade de João Pessoa, classificada pelos geógrafos como zona litorânea, por sua diversidade, constrói-se por base natural que é um convite à boa prática da sustentabilidade ambiental, com o objetivo de reduzir riscos ambientais e escassez ecológica, e ampliar o bem estar humano pela busca da igualdade social.

Mas, apesar de certa exuberância, João Pessoa nunca foi “a segunda cidade mais verde do mundo, depois de Paris”, como por anos se apregoou. Isto tão pouco representa demérito. Quem se informa, observa, estuda ou viaja, não tem dúvidas sobre a inverdade deste score.

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Thiago Japiassu
A cidade real, a cidade que sua população tem, vê, mora, percorre, constrói e usufrui é que importa. Neste caso específico, de valor mesmo é o quanto ela tem, mantém e onde se situam estas áreas verdes. Que papéis desempenham quanto ao clima urbano, à biodiversidade e à vida em geral. A quantidade delas em João Pessoa, de certa forma, é invejável, já mostravam a cartografia urbana estruturada pelos estudos mais antigos, os pares aerofotogramétricos dos meus tempos de escola ou as imagens de satélite que à velocidade de relâmpago vivemos a acessar.

Os ecos da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (ECO 92), realizada no Rio de Janeiro, teriam feito nosso marketing sem nos cobrar nada. Ou cobraram?
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Thiago Japiassu
De qualquer forma, apesar da informação errônea, a cidade ganhou em publicidade e visibilidade. Houve avanços no sentido de se ver que questão ambiental e atividades produtivas, pelos princípios da preservação e da sustentabilidade, podem coexistir com mais ganhos do que prejuízos ao meio ambiente e aos negócios.

Daí em diante, olhares mais atentos o ambiental e o verde passaram a existir. O país foi aprendendo que poderia lidar com estas questões de modo mais racional. Criam-se a Secretaria do Meio Ambiente, as Pós-Graduações específicas, as instituições civis de defesa do meio ambiente. Problemas climáticos, áreas verdes e questões ambientais tornam-se temas frequentes nas pautas escolares. Melhorou a percepção da importância que o trato sustentável destas questões estava a reclamar.

O mote foi reproduzido por décadas, com certo orgulho. Porém, é inverídico que a cidade tenha sido a segunda no ranking das mais verdes do mundo. - E que posições ocupariam conhecidas cidades da Noruega, Dinamarca, Finlândia, Suécia, Alemanha, Áustria? Mas, João Pessoa não fica no banco de reservas. A soma do que se vem construindo, desde dois séculos atrás, confirma-a no time principal das Cidades Verdes no país, como titular. E embora que isto não represente mais do que 1µm grão de poeira, o que cada lugar do mundo faz por esta causa, está fazendo pelo planeta inteiro e pela vida.

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  1. Anônimo4/6/23 18:19

    Modesto, parabéns pelo texto geográfico/histórico, através dele vislumbro a grandeza natural de João Pessoa, passo a conhecer sem nunca ter pisado no solo paraibano. Não importando o lugar de destaque se é a segunda ou terceira cidade mais verde, é linda... impactante é olhar pra a foto de Thiago Japiassu...a natureza tomando posse do seu espaço.

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