No ensaio A origem da obra de arte (1950), do filósofo, escritor e professor alemão Martin Heidegger (1888 — 1976), que surgiu como ...

Origem da obra de arte, segundo Heidegger

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No ensaio A origem da obra de arte (1950), do filósofo, escritor e professor alemão Martin Heidegger (1888 — 1976), que surgiu como resultado de três conferências realizadas em 1936, a poesia é considerada como a origem da arte, e sua essência poética é a verdade. O pensador alemão não considera a poesia um gênero literário. Para ele, a arte poética é um evento histórico, a partir do qual o fenômeno humano ou a realidade de um povo revela um significado de veracidade.

Heidegger afirma que existe relação de unicidade entre a identidade do artista e sua obra. Por exemplo, o pintor só se torna pintor na medida em que, com a habilidade de suas mãos, traduz a realidade em cores.
W. Pragher / Wikimedia
Nessa fusão — artista e obra —, há a figura do observador, que contempla ambos simultaneamente e a verdade quando o poético é revelado pela arte. O real é o conjunto de significados construídos por meio da relação de uso com as coisas e com outras pessoas. Assim, para o filósofo, a obra de arte é a realidade que se torna a verdade visível. Isso é observado porque, da mesma forma que ocorre no processo de criação artística, existe uma relação de correspondência com a construção do imaginário na obra de arte. É possível perceber coisas na arte que não são encontradas no mundo real, assim como também é possível imaginar coisas do mundo real como obra de arte. Trata-se da criação e da recriação da realidade, nas quais as coisas são o que são e são usadas de acordo com o sentido que lhes é dado.

A obra de arte está presente na arquitetura, nas estátuas erguidas nas praças, nas imagens pictóricas das igrejas e em outros espaços. As obras geram novos significados e reinterpretam verdades diante das coisas com as quais se convivem no mundo. Por exemplo: a coisa/pedra é transformada em coisa/arte pela habilidade do artista, cuja sensibilidade dele ultrapassa os limites do seu corpo e dá vida à pedra, transformando-a em arte.

O artista atribui à pedra uma existência ao torná-la parte dela. Para ilustrar essa proposição, Heidegger usa os sapatos de um camponês e os sapatos representados por Van Gogh. Nesse caso, não há diferença entre eles. Um é simplesmente uma representação pictórica do outro.
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Van Gogh, 1886
Apenas se apreende os sapatos se são usados, isto é, se forem calçados e souber caminhar com eles. Ao olhar para a pintura, pode-se imaginar seu uso, mesmo que nunca se tenha usado os sapatos, pois a pintura que representa os calçados captura o sentimento real que Van Gogh tinha por eles, indo além da própria imagem ao sensibilizar o observador, que reconhece simultaneamente a obra de arte e o artista. O ato de olhar para a pintura cria ou recria o sentido que se guarda dos sapatos, permitindo distinguir das outras coisas e compreender o real e o irreal. É preciso diferenciar o real da representação e assumir, nesse processo, a necessidade de transpor para o imaginário a função real do calçado.

A passagem do tempo heideggeriano auxilia na reinterpretação de obras de arte ao longo da história. Porém, também lhes retira o seu original valor sentimental. É impossível sentir o impacto que uma obra de arte teve no momento histórico em que nasceu, mas é possível apreciar e perpetuar a obra noutras significações. O tempo se apresenta como um fenômeno, permitindo — na obra — novas interpretações da realidade. Essa natureza da arte a torna privilegiada para a manifestação da verdade, e a poesia é a forma pela qual o ser humano a apreende, revelando-se como um acontecimento histórico e temporal.

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