Punido por Thêmis, a Justiça divina, por haver, entre outros delitos, aprisionado Thânatos, a Morte, Sísifo é castigado a rolar uma roc...

Augusto entre Sísifo e as Danaides

augusto anjos
Punido por Thêmis, a Justiça divina, por haver, entre outros delitos, aprisionado Thânatos, a Morte, Sísifo é castigado a rolar uma rocha, montanha acima, na tentativa de encaixá-la ao cume. Conseguido o intento, ele estaria livre. No entanto, a pedra sempre escapa da sua mão e ele tem de retornar ao sopé, para tentar, mais uma vez, realizar a façanha.

Albert Camus, no ensaio filosófico Le mythe décisif, cuja percepção oral nos concede a ambiguidade de entender O mito decisivo, tradução do que está escrito no título, e também O mito de Sísifo, chama a atenção para o
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espaço da possibilidade que existe entre a realidade de Sísifo e o seu desejo. A realidade é o rolar a pedra; o desejo é encaixá-la ao cume e, assim, libertar-se da punição; a possibilidade, que alimenta o desejo, diante do fato incontornável, é que, no espaço da descida, Sísifo imagina novas maneiras de conseguir levar a pedra ao cume. E o trabalho continua, aparentemente, sem fim.

Refiro-me a Sísifo, como uma alegoria ao trabalho da edição crítica, a Edótica ou Ecdótica, ciência da edição de textos que trata dos métodos utilizados para o estabelecimento crítico do texto, tendo como ciência auxiliar a Filologia. A edição crítica, portanto, é aquela que procura estabelecer qual o texto mais fiel de um determinado autor, tendo em vista as muitas falhas tipográficas, as chamadas gralhas, e as falhas mais graves das transmissões orais de um texto, que terminam chegando à sua forma escrita, produzindo um texto estropiado. Cabe ao filólogo, pois, trabalhar em cima das muitas edições e versões de um mesmo texto, no sentido de escoimá-lo das mutilações e deturpações seja da transmissão oral, seja da composição tipográfica, principalmente, quando nos referimos ao preparo gráfico de um texto para a impressão à moda antiga, em que o tipo de chumbo representando um “p”, se mal colocado, poderia se transformar num “q”, num “d” ou num “b”. O mesmo acontecia com o “n” e o “u”.

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A edição crítica, portanto, não é a que traz textos críticos sobre o autor em pauta, mas aquela que, estabelecendo qual o melhor texto daquele autor, produz um texto mais próximo do anĭmus auctōris ou vontade autoral. A edição publicada pode até se acompanhar ou não do chamado “aparato crítico”, mostrando as variantes existentes, nas várias edições consultadas. O importante, no entanto, é que o leitor receba nas suas mãos um texto confiável, seja um leitor diletante, seja um leitor que deseja, mais do que o prazer da leitura, estudar o texto.

A introdução acima é necessária, diante da nova edição do Eu e outras poesias, publicada recentemente pela Editora Tamarindo (João Pessoa, 2025). Vimos com grande alegria o surgimento de mais uma edição dos poemas de Augusto dos Anjos, pois consideramos importante a reedição contínua do poeta. Importa também que seja entregue ao público uma edição
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digna da sua grandeza, sem os erros frequentes que, teimosamente, continuam a aparecer, embora toda uma história da edição dos textos de Augusto dos Anjos já exista, culminando, até esta data, com a edição crítica de Alexei Bueno (Rio de Janeiro, Aguilar, 1994), em vias de reedição pela Editora Global. Apesar de todo um trabalho sério, os erros persistem. É a rocha escapando das mãos de Sísifo...

Reafirmamos, para que não haja dúvidas e para que, sobretudo, o meu texto não dê margens a maledicências: é sempre louvável que um poeta da magnitude de Augusto dos Anjos seja reeditado e que a sua obra esteja disponível, em todas as livrarias do país. Obra impressa, em papel, que é a que vai ficar. Vamos, portanto, ao que me moveu para a construção deste texto crítico, isento de qualquer picuinha ou de sentimentos menores, como costuma acontecer na província.

O sentido deste texto é o de contribuir, para uma nova edição, que venha a ser publicada pela Editora Tamarindo. Comecemos pelo básico. A ficha catalográfica desdiz o selo da editora. Ali se encontra que a edição é da Gráfica JB, numa confusão entre quem imprime e quem edita. Quem quer que tenha feito a impressão do texto não ganha destaque na ficha catalográfica, que se destina a dizer quem é o editor, no caso, a Editora Tamarindo.

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No texto em que se apresenta a edição, lê-se que a ortografia dos poemas foi atualizada. É nesse ponto que entra o trabalho do filólogo. A atualização ortográfica de um texto literário vai até o limite da vontade do escritor, respeitando as subversões textuais, que obedecem ao estilo e à criatividade, não à gramática, necessariamente. Principalmente, quando se trata de poesia, muito suscetível às acomodações fonéticas e às chamadas licenças poéticas. Estabeleça-se uma diferença entre esses dois fenômenos, quase sempre vistos como um só, recebendo o nome genérico de licenças poéticas. A acomodação fonética é do sistema da língua, realizando-se, pois, espontaneamente, na linguagem. A título de exemplo, vejamos a estrofe 21 de Gemidos de Arte (parte II, versos 81-84. Seguiremos o texto da edição crítica de 1994, realizando o confronto com o texto da Tamarindo, sempre que necessário):

Um pássaro, alvo artífice da teia De um ninho, salta, no árdego trabalho, De árvore em árvore e de galho em galho, Com a rapidez duma semicolcheia.
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Os dois últimos versos são um excelente exemplo da acomodação fonética, que impera, espontaneamente, na fala, e que Augusto dos Anjos recupera na construção do seu verso. O poeta usa o metro decassílabo, como nos demais poemas, à exceção de Barcarola. Gramaticalmente falando, o terceiro verso tem 15 sílabas; o quarto apresenta 12. Poeticamente, obedecendo à natureza da prolação, ambos têm 10 sílabas. Talvez seja mais compreensível, nesse aspecto, o terceiro verso do que o quarto. Escandido, de acordo com os fenômenos fonéticos usuais (na ordem, sinalefa, crase, crase e elisão), o terceiro verso fica como vemos abaixo, identificado como um decassílabo sáfico, com pausas na 4ª, 8ª e 10ª sílabas (aqui representadas com letras maiúsculas em negrito sublinhado):

De ár/vo/re em/ ÁR/vo/re e/ de/ GA/lho em/ GA/lho, (Diár/vo/rem/ár/vo/ri/de/ga/lhem/ga/lho)

Já o quarto verso, embora seja mais difícil visualizar – por isso sempre insistimos que a poesia é para os ouvidos e não para os olhos –, também obedece a uma acomodação fonética chamada ectlipse, logo no início do verso (com a > coa > cũa). Em seguida, o poeta poupa o leitor de realizar mentalmente a sinalefa ou a elisão, já representando este último fenômeno, graficamente, em “duma”. Assim, temos um outro tipo de decassílabo pouco usual, o decassílabo galego-português, com pausa na 4ª, 7ª e 10ª sílaba, como registra Celso Cunha em Língua e verso (1984, p. 152), ao estudar o decassílabo em Camilo Pessanha:

Com a/ ra/pi/DEZ/ du/ma/ SE/mi/col/CHEI/a. (cũa/ra/pi/dez/du/ma/se/mi/col/cheia)

Algum leitor poderia pensar que o poeta errou o ritmo de seu verso, quando, na realidade, ele utilizou-se de uma possibilidade menos usual de decassílabo, entre os poetas brasileiros, mas que ele o utiliza aqui e acolá, como podemos ver, por exemplo, no poema As Cismas do Destino (estrofe 22, parte I, verso 85):

E/ra an/tes/ u/ma/ tos/SE Ú/bi/qua, es/tra/nha

O caso das licenças poéticas é diferente, tendo em vista que haverá uma transgressão às normas gramaticais, ainda que haja uma explicação lógica para o fato, que se enquadra, o mais das vezes, na evolução fonética da língua e na passagem do termo latino ou grego para a Língua Portuguesa. É assim que Augusto dos Anjos usa, em Monólogo de uma Sombra (estrofe 19, verso 113), “ariete”, como paroxítona, em lugar da proparoxítona “aríete”, por dois motivos. O primeiro é para compor a rima com “acomete” (verso 112); o segundo, a nosso ver mais importante, para realizar o decassílabo, metro exigido no poema.
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O uso de hiperbibasmo, como sístole ou diástole, é um procedimento comum na sua poesia, como vemos em “polipo”, “elégia” e “úbiqua”, formas que se encontram nesse mesmo poema. Analisemos como essas formas aparecem na presente edição.

Apesar de a forma “polipo” ter sido preservada, houve uma gralha tipográfica de importância menor (“POlipo”, estrofe 1, verso 3), embora se possam observar outras semelhante, na presente edição, que não traremos à tona, devido à existência de coisas mais relevantes para tratar. A utilização de “polipo”, em lugar de “pólipo”, é uma licença poética, pela mudança da acentuação do termo, proparoxítono, oriundo da forma latina polЎpus, com isso o poeta atinge o objetivo do verso decassílabo tradicional, que não permite acentuação ou pausa, na primeira sílaba. Com “úbiqua” (estrofe 11, verso 61), o adjetivo foi “corrigido”, na presente edição, para “ubíqua”. O metro desejado por Augusto era o decassílabo heroico, com acentuação na 4ª, 6ª e 10ª sílaba, por isso mesmo, teria de ser “úbiqua” e não “ubíqua” (temos situação semelhante, em As Cismas do Destino, em que “úbiqua” é corrigido para “ubíqua”. Veja-se a explicação acima):

Se/rá/ ca/LOR,/ cau/SA Ú/bi/qua/ de/ GO/zo,

O caso de “elégia”, em lugar de “elegia”, é semelhante para se atingir a métrica e o ritmo desejados. A correção operada, de “elégia”, para “elegia”, na presente edição, torna o verso capenga (estrofe 30, verso 175). Vejamos como fica o verso nas duas formas:

E/ra a e//gia/ pan/TEÍS/ta/ do U/ni/VER/so (verso original de Augusto, dez sílabas) E/ra a e/le/gi/a/ pan/teís/ta/ do U/ni/ver/so (verso corrigido, 11 sílabas)

Trata-se de um dos versos mais difíceis do poeta, tendo em vista que as concessões ao ritmo e à métrica são muitas, o que nos dá a medida de até onde pode ir a licença poética. Para atingir a métrica desejada, além do hiperbibasmo (“elégia” por “elegia”), no caso uma sístole, o poeta teve de forçar uma crase e uma elisão (era a elégia > era elégia > erelégia), além de, mesmo acentuado graficamente, ignorar o hiato de “panteísta” (pan/te/ís/ta > pan/teís/ta). Pode-se dizer que é um verso exemplar, do ponto de vista da sua construção rítmica e métrica? Não, mas é a vontade do poeta, o chamado ânimo autoral, não a nossa. Não se pode corrigir a vontade do poeta, estando ele gramaticalmente certo ou não. O máximo que se pode fazer é escrever uma nota sobre o fato. Tanto não se pode que o poeta, antes desse verso, utiliza-se do mesmo recurso no verso 117, estrofe 20 desse mesmo poema:

Dos/ fi/la/men/tos/ FLUÍ/di/cos/ de um/ ha/lo.

Quando é do interesse fazer a separação do hiato, Augusto o faz, como se pode ver em Noite de um Visionário (estrofe 3, verso 12):

Do/ DRA/ma/ pan/te/ÍS/ti/co/ da/ TRE/va!

Voltando ao termo “elegia”. Verifica-se, também, em Noite de um Visionário (estrofe 15, verso 59), a correção feita de “elégia”, para “elegia”, que compromete o verso decassílabo:

Mais/ tris/tes/ que as/ e/lé/gias/de/ Pro/pér/cio (verso original, com dez sílabas) Mais/ tris/tes/ que as/ e/le/gi/as/de/ Pro/pér/cio (verso corrigido, com 11 sílabas)

Verifique-se que, em Os Doentes (Estrofe 104, parte IX, versos 411 e 414), a licença poética “periféria” foi mantida, em lugar de “periferia”, porque fica nítida a rima com “deletéria”. O mesmo acontece, no poema Noite de um Visionário (estrofe 15), com “báfio” (verso 57), em lugar de “bafio”, rimando com “epitáfio” (verso 60). Já em Mater, o termo “flórido”, ao ser corrigido para “florido” (estrofe 1, verso 2), resulta na quebra do ritmo do decassílabo heroico, com pausas na 4ª, 6ª e 10ª sílaba:

Pa/ra/ que o/ CAM/po/ FLÓ/ri/do a/ con/CEN/tre (verso original, decassílabo heroico) Pa/ra/ que o/ CAM/po/ flo/RI/do a/ con/CEN/tre (verso corrigido)

A correção de “flórido” para “florido” acarreta, sobretudo, uma mudança no sentido do verso. “Campo florido” é um campo cheio de flores; “Campo flórido” é um campo florescente, o sentido metafórico do verso, que trata do que floresce na mãe, no caso o seu filho.

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Ainda no poema Mater, na segunda estrofe (verso 8), o termo original “éfebos” foi corrigido para “efebos”. Ora, se o português utiliza o termo latino ephēbus, paroxítono, no grego o termo é proparoxítono, éfebos (ἔφηβος). Augusto apenas utilizou o termo grego com consciência de quem sabe o que está fazendo, realizando a pausa do heroico no meio do verso, o hemistíquio, a 6ª sílaba, no caso:

Que a/ma/men/tou/ os/ É/fe/bos/ de Es/par/ta (verso original) Que a/ma/men/tou/ os/ e/FE/bos/ deS/par/ta (verso corrigido)

Em Insônia (estrofe 14, verso 53), o termo “periféria”, como ocorre no grego (περιφέρεια), foi corrigido para “periferia” (peripherīa), a forma latina que nos chegou, alterando, mais uma vez a métrica imaginada pelo poeta:

Com o o/lhar/ a/ VER/de/ pe/ri//ria a/BAR/co (verso original, decassílabo sáfico) Com o o/lhar/ a/ ver/de/ pe/ri/fe/ri/a a/bar/co (verso corrigido, com 11 sílabas)

A situação é semelhante em Agonia de um Filósofo (verso 9), em que “areopago” foi corrigido para “areópago”, a forma corrente na nossa língua, derivada do latim areopăgus, que juntou duas palavras separadas no grego, áreios e págos (Ἄρειος πάγος), com o significado de colina de Ares. Mais uma vez, Augusto dos Anjos utiliza-se de forma grega, não da latina. A correção feita modifica o ritmo e o metro do verso:

No hie/rá/ti/co a/reo/PA/go he/te/ro/gê/neo (verso no original, com 10 sílabas) No hie/rá/ti/co a/re/ó/pa/go he/te/ro/gê/neo (verso corrigido, com 11 sílabas)

Outra situação é a de palavras utilizadas em latim ou grego pelo poeta, que não podem ser modificadas, tendo em vista que alteram a rima imaginada. É o caso de “hemoptísis”, em As Cismas do Destino (estrofe 23, parte I, verso 92), corrigida para a forma aportuguesada “hemoptise”. A palavra é de origem grega (αἷμα, sangue; πτύσις, escarrar = ação de escarrar sangue), chegando para nós através do latim. O poeta grafou, então, “hemoptísis”, para dar a rima de “infelizes” (verso 89). A “correção” inutiliza, portanto, a rima do poeta. Não escapam dessa correção “epigênesis” (Psicologia de um Vencido, verso 3) e “elefantíasis” (O Lázaro da Pátria, verso 10)...

Há mais. A presente edição da Editora Tamarindo continua a propagar dois erros seculares, já corrigidos por Alexei Bueno, na edição de 1994. Um deles encontra-se no soneto O Lamento das Coisas, cujo verso 12 traz o controvertido “ai”, tantas vezes grafado, como agora, “aí”:

E é, em suma, o subconsciente AI formidando (verso original) E é, em suma, o subconsciente formidando (verso corrigido)

O outro erro está no soneto O Último Número, em cujo verso 12 se deve ler “autogênica Grandeza”. Na presente edição, o verso recuou um século, para “ontogênica Grandeza”, repetindo o erro que se lê na edição de Orris Soares.

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Além desses erros repetidos, a edição, por falta de uma leitura atenta dos versos de Augusto dos Anjos, compromete seriamente o poema Monólogo de uma Sombra, com a estropiação de duas estrofes, a 12 e a 13. O último verso da estrofe 12 – “Dos apodrecimentos musculares!” – foi subtraído e colocado como o primeiro verso da estrofe 13, sem que se notasse que a estrofe 12 ficou com apenas 5 versos, quebrando a regularidade estrófica do poema, cuja base de construção é a sextilha. Com relação à estrofe 13, aconteceu ainda pior. O penúltimo verso (verso 177) – “Como as cadelas que as dentuças trincam” – foi suprimido, e o último verso (verso 178) – “No espaço fisiológico da fome.” – tornou-se “Como espaço fisiológico da fome.”

Vamos ao final. A maioria dos itálicos grafados por Augusto dos Anjos foram deixados de lado, sem qualquer explicação. Itálicos importantes que se referem a descobertas novas no campo das Ciências Médico-Biológicas e da Evolução,
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como substância universal (Agonia de um Filósofo, verso 14), morfogênese (Soneto “Agregado infeliz de sangue e cal”, versos 7 e 8), centrossomas (grafado “centrosomas”) e vitellus (ambos em As Cismas do Destino, estrofe 8, parte I, versos 31 e 32), microzima (idem, estrofe 50, verso 197) protilo (Sonho de um Monista, verso 5), entre outros. O mais grave, porém, é a retirada do itálico no “s” do poema Monólogo de uma Sombra (estrofe 14, verso 84), porque destrói a construção estética desejada por Augusto dos Anjos. Além da inovação da rima inusitada de uma palavra com uma letra, naturalmente sinuosa, por seu desenho gráfico, o poeta ainda a colocou, no original, em itálico, o que a faz ainda mais sinuosa, dando o destaque visual, portanto, plástico da estrofe, de o leitor poder ver o verme em movimento, sobre o corpo putrefato.

O que podemos concluir é que a atualização pretendida no texto teve o intuito de corrigir Augusto dos Anjos, naquilo de que o poeta se desvia conscienciosamente, com relação à norma gramatical. Trata-se, portanto, não de uma atualização, mas de um fenômeno conhecido como hipercorreção, que revela um desconhecimento da técnica do verso, com relação ao ritmo, à métrica e à rima.

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Brasiliana (adapt.)
O nosso texto, a partir de uma leitura rápida da presente edição (paramos nos poemas do Eu, o que significa a possibilidade de muitos outros erros), tem o intuito de colaborar para a preservação de uma melhor edição do poeta, realizada com o concurso dos critérios filológicos da Edótica. Não podemos continuar a descuidar dos versos do poeta. O fato de existir uma lição filológica, que tornou o texto mais compreensível, do ponto de vista de sua exatidão, obriga-nos a continuar esse trabalho. Recuar para textos descurados não é exatamente homenagear o poeta. Estes recuos, no entanto, são típicos de um país que desconhece o básico da Edótica, haja vista a edição de Os sertões, publicada pela Penguin & Companhia das Letras (São Paulo, 2019), com erros inconcebíveis, apesar do esforço ingente de Walnice Nogueira Galvão, na preparação da edição crítica dessa obra (São Paulo, Brasiliense, 1985).

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Para não me acusarem de má vontade, finalizo questionando o que justifica as correções de “bêbedas”, no magnífico verso “Brancas bacantes bêbedas o beijam”, de Monólogo de uma Sombra (estrofe 17, verso 97), para “bêbadas”; de “bêbedo” (idem, estrofe 24, verso 141), para “bêbado”, e, “bêbedos” para “bêbados” em Os Doentes (estrofe 47, parte V, verso 186)? Pode, na presente edição, “Comi meus olhos crus no cemitério” transformar-se em “Como meus olhos crus no cemitério” (Solilóquio de uma Visionário, verso 3), “Acompanhava, com um prazer secreto” fazer-se “Acompanhava, com um prazo secreto” (Os Doentes, estrofe 110, parte IX, verso 437) e “Para sacrificar-me pelos homens” virar “Para sacrificar-se pelos homens” (Gemidos de Arte, estrofe 12, verso 48)? A continuar assim, mais do que um trabalho de Sísifo, os recuos intermináveis ficam parecendo com o inútil trabalho das Danaides, as irmãs condenadas a encher um barril sem fundo, buscando água no mar com uma peneira.

Para continuar na alegoria do mito, valeu a pena o poeta sacrificar-se “por amor do Verso”, no seu “eterno leito de Procusto” (Insônia, estrofe 16, verso 63-64), para ter, ao fim e ao cabo, seus versos mutilados?

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  1. Eis o mestre, com sua autorizada palavra, sempre contribuindo. Francisco Gil Messias.

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  2. Obrigado, Gil. Somos carentes de edições críticas, e quando as temos, as desprezamos.

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