Afrodite, Ártemis, Hera, Atena, Deméter, Héstia... O que elas têm em comum? Além de serem deusas, imortais, elas têm em comum a sua singularidade, signo de subjetivações distintas, específicas, concernentes ao domínio de cada uma, ao seu âmbito de atuação.
Diferentemente dos deuses, cujas funções específicas circunscrevem-se mais a uma topografia e a uma atuação mais concreta — Zeus, ao mundo superior, morada dos deuses; Hades, ao mundo ctônico, subterrâneo, morada das almas dos mortos; Poseidon, aos rochedos e mares; Hefestos, deus ferreiro, ligado a sua oficina no Olimpo;
Afrodite, em escultura de calcário do século V a.C ▪ Museu Novo, Berlim.
Afrodite, vinda das águas do mar, nascida do esperma ejaculado do pênis de Urano após ser decepado pelo filho Cronos, traz, em sua essência, a pulsão de vida. Ela se faz presente em cada ser desejante.
Hera, soberana, traz em si a força da realeza. E é nesse âmbito que ela atua, seu ser desejante, como força motriz e mantenedora da instituição do casamento, pilar da sociedade em que é senhora.
Atena, guerreira e artesã, é a deusa do estratagema. Seu desejo de guerra expressa a sua inteligência. Filha de Métis, personificação da Astúcia, a deusa exprime força e criatividade.
Deméter, deusa dos grãos, traz em si a fecundidade como expressão do seu ser desejante. Ela é quem alimenta os homens, fazendo brotar a terra. Deméter é nutrição, vida para os mortais.
Héstia, deusa da lareira, do lar, é a expressão do fogo que alimenta a vida e que possibilitou nada menos do que a civilização. Ela preserva a religiosidade, a família e a continuação das gerações.
Pensar a subjetivação de cada um desses femininos, é pensar em singularidade. O ser desejante que pulsa em cada uma das referidas deusas define suas características particulares, sendo elas fundamentais como forças mantenedoras do cosmo.
Ártemis, em mármore (altura: 2m) ▪ Museu do Louvre, Paris.
Ártemis, caracterizada portando o arco e a flecha, é a deusa da caça e dos bosques. O animal a ela consagrado é o cervo, denotando a sua natureza selvagem e indomável. Filha de Zeus e de Leto, opta pela castidade após presenciar o sofrimento da sua mãe ao dar à luz seu irmão gêmeo Apolo, ajudando, inclusive, no parto. Deusa virgem, decide não passar pela mesma dor que a mãe, dispensando os trabalhos de Eros e prescindindo do enlace amoroso. O séquito que a acompanha é formado por jovens virgens como ela. Se alguma delas quebrar esse princípio, é punida e expulsa do grupo.
A despeito de ser virgem, é interessante observar que as armas que a deusa carrega consigo, o arco e a flecha, denotam a sua ação ativa, fálica. Seu feminino é ativo, pois ela mira para atingir a natureza selvagem que são os animais por ela caçados. Quando ultrajada, é com elas que fere o adversário ou aquele que tentou, de alguma forma, violá-la. A sua escolha em se manter casta exime-a da vulnerabilidade do sofrimento, tanto por não haver a possibilidade de parir uma criança, quanto por não ser tomada pelo gozo do sexo ou pela inquietação do desejo erótico. Com sua ação, é ela que está no comando, é ela que detém o poder.