Há um café na esquina onde costumo parar não pelos croissants, porque são apenas razoáveis, nem pelo café que é muito forte. Vou para observar as pessoas. Sim, aquelas que se sentam sozinhas com olhos vidrados no celular, as que riem alto com seus grupos digitais atraentes e desordenados, as que trocam palavras breves com o garçom de crachá manchado, afável, de barba branca, avental no braço e olhos servís.
A. Macke, S.XX
Aquela gente me leva a pensar que vivemos a grande ironia do século: nunca estivemos tão conectados, porém tão sós. Criamos impérios de opinião nas redes, colecionamos likes como selos raros, mas hesitamos em tocar o ombro do vizinho no elevador. Como se o outro fosse um obstáculo no caminho de nossa própria sombra.
Mas foi naquele café de azulejos partidos, que vi Clara. Ela vinha toda terça-feira, sempre às 15h, com um livro antigo nas mãos. Um dia, o vento soprou seu lenço até minha mesa. Pedi licença, estendi o braço,
A. Macke, S.XX
nossas pontas dos dedos se encontraram no brim desgastado. Sorrimos. Não trocamos números, não combinamos nada. Mas na semana seguinte, quando ela chegou, já havia um guardanapo dobrado por mim em seu lugar: "O vento hoje está do seu lado?
Não era romance. Era humanidade. O simples ato de reconhecer: você existe, e sua existência altera meu ar.
Porque o outro não é apenas espelho, é argamassa. É quem segura nossa escada quando consertamos a lâmpada, quem devolve o sorriso quando perdemos o emprego, quem lembra nosso nome quando a memória fraqueja. O isolamento pode ser confortável como um casulo, mas é no emaranhado dos fios alheios que descobrimos o desenho do próprio rosto.
Há quem tema a dor do vínculo. Sim, relacionar-se é arriscar-se a rachaduras. Mas e o frio de uma vida estanque? O vazio de conversas que nunca passam do "tudo bem"?
A. Macke, 1913
Hoje, quando saí do café, o garçom que sempre trocava meu açúcar por adoçante me alcançou na calçada: "Seu guarda-chuva moço, vai chover". Naquele instante, percebi que somos feitos desses pequenos fios cruzados. Do café que esquecemos de pagar, e alguém paga. Da porta que seguramos para um estranho. Do silêncio que oferecemos quando as palavras do outro caem como pedras.
A. Macke, 1910
O contrário do amor não é o ódio, é a indiferença. O contrário da vida não é a morte, é a solidão não compartilhada. Porque, no fim das contas, "não há eu onde não há tu".
Somos barcos frágeis, e é no mar dos outros que aprendemos a navegar.
As vezes me pergunto se a vida é uma causa perdida? Acho que sim, porque vamos morrer. Porém, no espaço de tempo entre o útero e o túmulo, ela é um desafio que nos tira do sério, faz rir, chorar, sangrar e seguir em frente rumo ao próximo encontro, inesperado, e este é o fascínio que nos guia e atrai nossos interesses.
Muitos de nós prefere inventar uma desculpa de que está indo trabalhar, ou escolheu aquele encontro porque precisava conversar com alguém especial. Mas, na verdade, nossos sonhos e desejos é que são o estopim dessas escolhas, por vezes más, outras mais doces e sutis, mas todas de nossa inteira responsabilidade e livre arbítrio, vindas do âmago de nossa natureza, essa mesma que me acorda cedo para trabalhar, e me leva à noite para dormir, pouco depois de escrever esse texto com muito prazer.