“Porém, se a pátria amada for um dia ultrajada...” O título acima faz referência aos sobrenomes — ou, se preferirem, como éramos cha...

Barleto, Ferri, Mata e Mineo

cronica exercito servico militar causo
“Porém, se a pátria amada for um dia ultrajada...”

O título acima faz referência aos sobrenomes — ou, se preferirem, como éramos chamados lá no glorioso Exército Brasileiro quando servimos à Pátria. Mata era este escrevinhador aqui. Barleto, Ferri e Mineo, meus camaradas nos tempos em que galhardamente vestimos a farda verde-oliva.

Isso aconteceu no distante 1970, ano do tri de nossa seleção canarinho, quando a Pátria me convocou para servi-la no Tiro de Guerra 02-037, em São José dos Campos.

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Fui um soldado-atirador disciplinado, muito orgulhoso da minha condição de militar. Um “caxias”, como se diz no jargão da tropa. Mais caxias do que eu era o nosso sargento-instrutor, o Paranaguá. Aquela pequena guarnição era comandada por outro sargento, o Tozeto, uma graduação à frente do citado um pouco atrás.

Para ser convocado exigia-se saúde, boa condição física, alguma escolaridade e idade adequada: 18 anos completos. Ali, condição social não era critério. Naquele espaço democrático, com muita gente de pouca intimidade com as letras, estávamos nós. Eu, que acabara o Científico; Ferri, também da cidade, ainda cursava o terceiro ano; e Mineo e Barleto, vindos de Ourinhos, concluíam seus estudos na ETEP (Escola Técnica Everardo Passos), uma referência em ensino técnico em todo o estado. No mais, em nosso pelotão, a coisa era complicada no quesito “entender as instruções”. Explico.

Foi-nos dito que o Exército era “uma instituição nacional permanente com base na disciplina e na hierarquia”. Mas quando nosso sargento perguntou ao atirador Oliveira o que era o Exército, o valente soldado respondeu tropeçando nas palavras:

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— É uma hierarquia disciplina nacional na permanente.
— Tem certeza que é isso, soldado? — perguntou o carrancudo Paranaguá.
— Desculpa, sargento, faltou o “com base” — desculpou-se o atirador.

Oliveira decorara a definição, mas não na exata ordem das palavras. A maioria era assim, “mocorongos”, como os definia nosso autoritário sargento.

Nós quatro fizemos um curso que nos elevou à patente de cabo. Já devem saber que todo general de quatro estrelas — o de Exército — gostaria de ter a autoridade que um cabo acha que tem. Eu, o cabo Mata, aprendi a atirar com o fuzil Mauser modelo 1908, como perceberam, arma “supermoderna” usada na 1ª Grande Guerra. Destaquei-me nas instruções de tiro, mas nunca quis me tornar um franco-atirador. Aprendi algumas coisas num alfarrábio, o GIM (Guia de Instrução Militar), que guardei comigo até há pouco tempo.

Nas instruções de ordem unida, marchando pelas redondezas, nos acompanhava a doida da cidade, a Maria Regimento. Essa criatura acompanhava a marcha da tropa repetindo as ordens do sargento e chamando a atenção de qualquer soldado que errasse o passo ou cometesse outra falha. Além disso, nosso sargento fantasiava um filho dele de
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soldado, um guri que devia ter não mais que 7 anos. Quando a instrução era no pátio, o menino ficava ali dedurando algum recruta que não estivesse seguindo corretamente as instruções. O pirralho era um cricri. Eu e aqueles meus três parceiros chegamos a combinar que, quando déssemos baixa, iríamos aparecer por lá só para encher aquela criaturinha de porrada. Claro que isso não aconteceu.

Anos mais tarde, eu já lecionando, fui professor dessa criatura quando, por esses acasos da vida, pude reencontrar em outras circunstâncias o sargento Paranaguá.

Nosso então militar aposentado lembrou-se das vezes em que me entregou o comando da guarda. Um castigo, porque sempre me era confiado nos fins de semana.

— Era para enquadrar você. Se achava muito sabido.

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O abuso foi porque ele dizia projetil com a sílaba tônica na última, e eu o corrigi diante da tropa, explicando que a palavra era paroxítona e a pronúncia certa era projétil. Por quê? Daí para frente não largou do meu pé.

Assim fomos, até que, no dia da baixa, nosso sargento chamou seus quatro cabos e disse que estava muito orgulhoso de nós. Éramos reservistas e, se a Pátria de nós precisasse, estaríamos prontos para defendê-la.

Ainda bem que a Pátria amada não precisou. Ainda bem.

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