As redes sociais praticamente foram transformadas em expositores, para observar a vida do outro e ser observado. Para alguns, existe a...

Solidão na contemporaneidade

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As redes sociais praticamente foram transformadas em expositores, para observar a vida do outro e ser observado. Para alguns, existe a necessidade de se tornarem visíveis, apesar de permanecerem sozinhos e com a dificuldade de cuidarem de si mesmos. O mau uso das mídias tecnológicas pode gerar uma dependência obsessiva compulsiva, que tem como consequências, entre outros males: aumento da ansiedade e depressão; problemas de sono; falta de concentração; deficiências de aprendizagem; incentivo ao consumo exagerado; intensa necessidade de aprovação e acolhimento; insatisfação com a própria vida; perda do senso crítico e criativo. Esses danos causam o sentimento de culpa por não atender uma respeitosa interação, originando a dor da solidão.

As velozes transformações socioculturais, políticas, morais, científicas e econômicas na sociedade atual estão destruindo a saúde mental de muitos indivíduos, por não terem mais o tempo para cultivar os afetos diante das próprias errâncias nem para cuidar um dos outros.

Os sintomas desse mal-estar, bem como o que fazer com a solidão, foram estudados pelo pediatra e psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1896 – 1971). No ensaio A capacidade para estar só, ele analisa essa experiência humana, desde o momento em que o bebê tem que ficar, inicialmente, apenas na presença da mãe.
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O estudo foi apresentado à Sociedade Britânica de Psicanálise em 24 de julho de 1957.

Outra pesquisa, influenciada pelo inglês, foi apresentada pela psicanalista austríaca Melanie Klein (1882 – 1960) no Congresso de Copenhague, em 27 de julho de 1959. Seu artigo, intitulado Sobre o sentimento de solidão, explica o funcionamento dinâmico entre as posições esquizoparanóide e depressiva, iniciando com o nascimento e terminando com a morte. Em sua tese principal, Klein afirma que todos os problemas emocionais — como neuroses, esquizofrenias e depressão — são analisados a partir dessas duas posições. Na análise kleiniana, não basta trabalhar os conteúdos reprimidos. É preciso equacionar as ansiedades depressivas e as manias de perseguição. Também é necessário que o paciente perceba que é possível amar e odiar o mesmo objeto, sem medo de destruí-lo.

Melanie Klein inicia o artigo afirmando que o sentimento de solidão independe das circunstâncias externas e surge como uma semente silenciosa que cria raízes, não pode ser arrancada e tende a dominar o indivíduo por completo, gerando ansiedades e angústias patológicas; ou pode ser cultivado, ao ponto de possibilitar situações saudáveis, ativando o estado criativo.
D. Glass ▪ Wikimedia CC4
No livro Sobre o sentimento de solidão: Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946 - 1963), ela afirma:

“Estou me referindo ao sentimento de solidão interior - o sentimento de estar sozinho independentemente das circunstâncias externas; de se sentir só mesmo quando entre amigos ou recebendo amor” (KLEIN, 1996, p.341).

Nesta contemporaneidade, o mercado de consumo e as redes sociais determinam a vida social da maioria dos indivíduos. Há o doentio desejo compulsivo de ostentar. Os valores excludentes da vida privada sobrepõem-se aos que organizam o espaço público. Outro conflito surge quando ser bom pai ou ser boa mãe é dar somente bens materiais aos filhos, porque isso se tornou um falso direito de consumo. Abandonou-se a prioridade de ensiná-los a cultivar, de forma digna, a voracidade das conquistas pelos próprios méritos. Isso é observado no Facebook e, principalmente, no Instagram, onde os indivíduos mantêm o status de falsa realização, que se tornam sintomas de solidão e depressão num vazio que danifica a saúde psíquica.

Percebe-se a procura por uma identificação construída pela imagem que precisa do olhar do outro para existir. Consequentemente, sempre haverá a necessidade desse outro para ser acolhido na insuportável dor da solidão.
Surge, então, uma doentia personalidade edificada na expectativa da empatia criada na ilusão do outro, que pode apresentar uma reação agressiva no mundo virtual, com o risco de ser transferida — de forma simbólica — para o mundo real. Os feitos destrutivos do olhar do outro, assim como a perda da voracidade dos desejos, direcionam a fragmentação da identidade e conduzem à fuga para o vazio. O resultado é a voz da solidão, que vem dizer: "toda a vez que estou sem alguém, tento me preencher de algo". Melanie Klein (1996, p. 354) diz: “Embora a solidão possa ser minorada ou aumentada por influências externas, nunca poderá ser completamente eliminada”. Portanto, é inevitável vivenciar o sentimento de solidão durante muitos momentos da vida.

O que impede o indivíduo de adoecer de solidão é a habilidade de lidar com esse sentimento, utilizando-o para a própria evolução pessoal, que lhe dá liberdade e desperta o que há de mais criativo no próprio “eu”. Não se trata de descaso com o próximo ou de isolamento proposital como defesa maníaca, mas a procura de uma identidade constituída, pois aprende-se a cuidar de si mesmo, a cuidar dos outros. Klein (1996, p. 352) também afirma:

“A negação da solidão, que com frequência é usada como uma defesa, provavelmente atrapalhará boas relações de objeto, em contraste com uma atitude na qual a solidão é realmente vivenciada”.

Dedicar-se às artes, viajar, escrever, compor, ler algo interessante ou até mesmo ficar no quarto ouvindo músicas por horas são alguns exemplos em que contribuem para o indivíduo se encontrar consigo mesmo e aproveitar os benefícios de estar sozinho.

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