Alguém já disse que a cama é um móvel metafísico, pois nela o indivíduo nasce, ama e morre. Vejo-a mais como um móvel físico, em que a gente dorme para aliviar os incômodos do corpo.
A cama é o lugar do repouso, da meditação, e também da preguiça. A preguiça, como se sabe, é um dos pecados capitais. Deve ser por isso que, nos claustros e conventos, tendia-se a evitar as camas confortáveis. Os religiosos dormiam num estrado duro para que o corpo não se acostumasse ao conforto e viesse a amolecer. Imagino que, em sonho, supunham estar sobre um colchão fofo, desses a que o corpo lascivamente se amolda.
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Com o hábito de ficar na cama, ele começou a dedicar boa parte do tempo à reflexão e ao devaneio, o que levou ao desenvolvimento da filosofia e da arte (da filosofia até Aristóteles, para quem a caminhada estimulava o pensamento). Passou também a pensar mais nas mulheres – a delicadeza dos traços, a melodia da voz, a graça do andar. A partir dessa percepção, a mulher foi se transformando de simples objeto sexual em musa erótica. Mas levou tempo até que deixasse de ser puxada pelos cabelos e levada para o fundo da caverna para fazer amor. Essa prática só teria mesmo fim com o aparecimento dos primeiros cabeleireiros.
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Esse perigo é menor para os velhos, pois o pior da velhice é ver minguar, não o desejo, mas a vontade de dormir. O jovem tem no sono, em que a identidade se dilui, a graça de suspender por algumas horas o peso da existência. Já o velho, condenado à vigília, percebe que a noite não é penumbra, mas uma claridade na qual cada lembrança se ilumina com uma nitidez tão irrefutável quanto dolorosa. Sem o sono a noite se transforma numa vigília ininterrupta, onde a memória desfila seus fantasmas com uma nitidez punitiva.
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Agora me deem licença, pois tenho que me levantar.






















