Eventualmente nos deparamos com uma ponte em nosso caminho, mas não uma dessas imponentes, de concreto e aço, mas sim uma ponte simples, de madeira, que liga alguma margem conhecida à outra, envolta em névoa matinal.
Richard Hilder, S.XIX ▪ Col. particular.
A primeira ponte que cruzei sozinho foi a do riacho atrás de casa. Era apenas uma tábua podre, balançando sobre um filete de água suja. Para os adultos, era nada. Para mim, aos sete anos, era o abismo. Lembro do coração batendo no peito, um tambor de guerra anunciando uma batalha particular. O medo era físico, gelava as pontas dos dedos, travava os joelhos. Mas do outro lado estava o meu amigo, acenando, e a promessa de uma tarde de aventuras. Respirei fundo, senti o cheiro úmido do musgo e da madeira molhada, e dei o primeiro passo. A tábua gemeu, o mundo balançou, mas eu continuei. Não foi um ato heróico, foi um ato necessário. A coragem, daquele dia, tinha gosto de terra molhada e cheiro de infância.
Paramos todos os dias diante dessa ponte e conhecemos cada detalhe da margem onde está: a curva do rio, a árvore inclinada, o banco de pedra onde podemos sentar para pensar. Porém, do outro lado, está a incerteza que nos paralisa, que nos impede de atravessar. Não é falta de coragem, sempre temos de sobra. Não é falta de força, pois já carregamos pesos maiores na vida. Não é falta de desejo, pois sonhamos acordados com o que pode existir além da névoa.
Richard Hilder, S.XIX ▪ Col. particular.
O que nos falta é um estímulo. Aquele empurrão suave que faz a moeda cair na fenda, que faz a primeira nota sair da garganta, que faz o pé direito se mover antes do esquerdo. Esperamos por um sinal dos céus, por uma revelação, por alguém que chegue e diga "é por aqui". Esperamos que a motivação venha como um raio, iluminando tudo de uma vez. Mas os dias passam e a ponte permanece intocada.
Richard Hilder, S.XIX ▪ Col. particular.
Até que uma terça-feira comum traz uma pequena revolução. Não vem com estrondo, mas com um cansaço silencioso. O cansaço do esperar. O cansaço de olhar para a mesma paisagem, dia após dia. O cansaço em si. E então percebemos: o estímulo não é algo que vem de fora. Não é aplauso, nem aprovação, nem garantias. O estímulo é o silêncio que se torna insuportável. É o desconforto que cresce até ficar maior do que o medo. É a voz que sussurra; "qualquer coisa é melhor que isto". Levantamos do banco de pedra. Damos um passo... e outro. A madeira range sob nossos pés. Um som que antes er assustador agora é maravilhoso. Cada passo nos afasta da segurança conhecida, e se aproxima de si mesmo.
Não há fogos de artifício do outro lado. A paisagem é semelhante, na verdade. Mas algo fundamental muda: você está em movimento. E no movimento, descobre que mora o único estímulo verdadeiro. A ponte não foi o desafio. O desafio foi dar o primeiro passo. E todos os outros vieram naturalmente, como a respiração que se reinicia depois de muito tempo presa. A vida espera do outro lado de nossas pontes. Não com promessas de felicidade eterna, mas com a simples possibilidade de que amanhã pode ser diferente de hoje, se estivermos dispostos a cruzar para o desconhecido.