Eu estava numa loja de departamentos de um dos nossos shoppings, quando uma mulher se dirigiu a mim e fez a pergunta:
– O senhor é de Jatobá?
– Como?
– De Jatobá?...
– Não senhora.
– O senhor é de Jatobá?
– Como?
– De Jatobá?...
– Não senhora.
Ela riu sem graça:
Celyn Kang
Deu um suspiro e repetiu para si, perplexa:
– Se parece mesmo!
Ainda pensei em lhe perguntar: “Em que sentido?” – pois há semelhanças e semelhanças. Umas são da fisionomia, outras da compleição, outras dizem respeito ao comportamento.
Notei que ficou me olhando, desconfiada. Parecia não acreditar que eu não era quem ela queria que eu fosse. Antes de se afastar, ainda exclamou:
– Puxa!
Vendo o seu desapontamento, tive um pouco de pena e até pensei em confirmar suas suspeitas. Não custava mentir para que ela se desse por satisfeita e me deixasse em paz. Há pessoas que não aceitam ser contrariadas nem nos seus enganos.
Celyn Kang
Chegada a minha vez, dirigi-me ao atendente sem olhar de lado. Ele me reteve mais tempo do que o necessário, propondo me passar o cartão da loja, que me daria cashback e outras pequenas vantagens. Até estimei essa conversa, que em outro momento me chatearia, pois enquanto me concentrava em recusar o assédio comercial eu me alheava dos olhares da mulher.
Paguei e me preparei para deixar a loja. Vi que para chegar à porta passaria bem perto dela, que continuava me olhando. Tive receio de que mais uma vez me abordasse e, caso eu continuasse a negar o que me atribuía, me chamasse de mentiroso. Eu não estava com a Certidão de Nascimento nem com outro papel que revelasse o local onde nasci. Quanto à Identidade, ela poderia dizer que era falsa.
Celyn Kang
– Edmundo!
Virei-me, assustado, e o sujeito que falara isso pediu desculpas; confundira-me com alguém.
– Tudo bem – eu disse.
Curiosamente, isso reforçou em mim a desagradável sensação de que um sujeito chamado Edmundo, e residente em Jatobá, se parecia muito comigo. Torço para que seja um homem correto e confeccione bem as suas capotas; que não dê calote nos clientes, não bata na mulher, não agrida os motoristas no trânsito, enfim, não faça nada que o leve a ser procurado pela polícia. A semelhança entre nós representaria para mim um risco.
Antes de seguir em frente, olhei meio sem querer para a mulher. Parece que ela não ouvira o pedido de desculpas, pois me fitava com um ar entre aliviado e triunfante. O ser humano procura em tudo um parceiro, um cúmplice, e ela parecia satisfeita por demonstrar que não fora a única a me confundir com outra pessoa.