Aluno não é gente, é uma criatura irritantemente feliz.
José Maria Soares de Oliveira, professor de Biologia
José Maria Soares de Oliveira, professor de Biologia
Há alguns anos resolvi escrever acerca do que presenciei de cômico e inusitado em uma sala de aula e no seu entorno. À época em que comecei a registrar essas memórias já eram mais de 40 anos lecionando, principalmente em cursos pré-vestibulares. Aqueles auditórios lotados eram também terras férteis para colher essas histórias, ou se preferirem, esses causos.
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Mas resolvi entregar aos meus leitores e leitoras algumas dessas pérolas que ainda resistem entre esses meus combalidos neurônios. Vamos lá; então, a três delas:
I
Sala de cursinho pré-vestibular em Campinas, numa fileira junto à parede, a última carteira estava desocupada e na penúltima estava o engraçadinho da turma, aquele aluno que não perde a oportunidade para um chiste, uma piada. Então, resolvi fazer uma pergunta à criatura.
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⏤ Por gentileza, o último dessa fileira.
O rapaz com a maior calma do mundo, olhou para trás, depois virou-se para mim e me veio com essa:
⏤ Professor, o último não compareceu hoje.
Não perdi o controle, mesmo diante da gargalhada geral e dei prosseguimento à minha empreitada.
⏤ Então, quero perguntar ao penúltimo da fileira.
Ele simplesmemte deu um tapinha no ombro do rapaz à frente e foi logo dizendo ao colega.
⏤ O penúltimo da fileira é você.
II
Turma e terceiro ano, Ensino Médio em Bauru. Fui fazer uma pergunta a um aluno, mas antes achei providencial saber o nome do indivíduo.
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⏤ Porpeta.
Achei estranho que ele me dissesse o apelido e não o nome verdadeiro. Então, insisti.
⏤ Eu perguntei o seu nome e não seu apelido.
⏤ Ah, meu nome.
⏤ Isso.
⏤ Meu nome mesmo é Almôndega.
Para quem não é íntimo da culinária italiana há de se esclarecer que almôndega e porpeta são a mesma coisa.
III
Agora o cenário é João Pessoa. Eu coordenador de um colégio, e RS meu assistente mais direto. Não sabemos como um aluno rabiscou seu “nome” em quase todas as salas de aula, em muitas carteiras, nos banheiros. Onde chegávamos lá estava a marca do infeliz: Brieba.
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Comecei minha catilinária alegando ao rapaz que o pai dele não merecia aquilo. Ele, o tal de Brieba, iria ter que reparar os danos, e continuei dizendo que aquilo não era coisa de gente civilizada... Todo um elenco das broncas tradicionais. O rapaz de cabeça baixa mas sem demonstrar nenhuma reação,
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Chegou a vez de RS. Tudo já havia sido dito, a culpa era evidente, não havia desculpa para aquilo que nosso interrogado fizera. Antes de anunciarmos a punição, RS deu uma chance à defesa e perguntou:
⏤ O senhor tem alguma coisa a declarar? Tem alguma coisa a dizer em sua defesa?
E o garoto, na maior cara de pau do mundo:
⏤ Só falo na presença do meu advogado.
Se, mais à frente, eu for me lembrando de outras, chego por aqui para contar. Mas vasculhando 30 anos de magistério, concordo com Zé Maria: aluno não é gente, mas é quase isso. Enquanto nessa fase da vida, é apenas uma criatura irritantemente feliz.