Cada vez mais invento. Invento para me retirar do vácuo das incertezas. Não quero trair a mim quanto à solidez de minha crença na corrente da vida que mata para viver, até que morra para que outra haja. Nem por minha profunda dúvida quanto à salvação do eu pelo atravessar dos confins, que me parece tola, sem consistência e desnecessária.
Rezar todas as noites, professar uma fé, render-se a cultos sem, no fundo, crer de verdade, porque os deuses apresentados contêm a incongruência de serem muito parecidos conosco, em imagem e semelhança de desejos de poder e domínio. Sou reticente a quem me é apresentado como ser personalista e habitando um céu que espelha as monarquias das idades antiga e medieval. Um céu que tem o arranjo político dos humanos e que foi forjado nos intestinos de impérios e absolutismos.
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Quanto ao discurso atribuído a Jesus, apesar de ele se utilizar dessas figuras de linguagem, tinha um conteúdo extremamente oposto: foi absolutamente comunista e prescindia de governos centralizados em palácios e domínios de territórios. Arrisco dizer que ele se referia à casa do seu Pai como um Reino porque não havia outra palavra ou conceito que fosse compreensível à massa pobre, expropriada e sem perspectiva, para quem ele pregava.
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Quanto ao caráter “comunista” de Jesus, um grande exemplo é o chamado “milagre” da multiplicação dos pães e peixes. Se prestarmos atenção, aquele milagre nada mais foi do que somar para dividir. Foi um dos gestos políticos mais eficazes. Ele perguntou quem tinha alguma coisa e pediu para que todos levassem até ele e, com seu carisma, foi atendido. Então, ele só fez redistribuir equanimemente. O princípio comunista.
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Não acredito na existência de Jesus como é posta nos textos bíblicos, mas acredito, sim, na existência de um ser humano, como milhares que já existiram ao longo da história, que tiveram empatia e uma espiritualidade extremamente elevada, que lutaram e defenderam os excluídos e injustiçados, que lutaram pelo bem coletivo, e não só da espécie humana, mas da vida que habita o planeta e da vida do planeta. A maioria deles perdeu a vida por suas ideias e por suas lutas, que contrariavam os interesses de pessoas que só percebem o poder, a riqueza e os seus pares.
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Alguém pode me perguntar sobre os outros milagres que Jesus teria protagonizado. Acho todos menores e penso que aparecem nos textos do Novo Testamento mais para reforçar sua aura de santidade e autoridade espiritual. Então, vejamos: o mais jocoso foi o de transformar água em vinho. A ideia de não interromper a festa e garantir a alegria dos comensais é louvável, mas parece mais atuação de um mágico. A cura de cegos, leprosos, a expulsão de endemoniados também nos parecem demonstrações com intuito de garantir seguidores e, finalmente, a ressurreição de Lázaro: um mimo a amigos pessoais, com uma demonstração de poder, cujo efeito prático era apenas uma questão de tempo, porque ele morreria de todo jeito, como determina a condição humana.
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Abstraindo o fato de que os textos que relatam a suposta passagem de Jesus sobre a Terra foram escritos em contextos e circunstâncias diferentes do mundo de hoje, além das inumeráveis traduções, adulterações, acréscimos e interpretações, a figura magnífica de Jesus, o Cristo, e os discursos atribuídos a ele são fundamentos basilares para construir a sociedade sonhada por todos que amam e respeitam a vida.
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Seremos memória e afeto e, aí sim, vivos ainda. E, se houver a conservação de nossa identidade, não haverá céu, porque manteremos nossa mazela maior: a condição de humano, ainda que, em tese, nesse plano, já imortal.