Se é o que a gramática me faz supor, parça vem a ser uma corruptela de parceiro ; só que, no meu entender, essa derivação ganha força...

Os três parças

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Se é o que a gramática me faz supor, parça vem a ser uma corruptela de parceiro; só que, no meu entender, essa derivação ganha força e um significado mais contundente. Ou seja, aquele parceiro (parceiro para valer) é que se torna o parça. Assim, diríamos que parça é um parceiro mais qualificado. E é exatamente por ter esse entendimento que resolvi eleger três criaturas a essa singular condição: Zé Luiz, Zezão e Celsinho.

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Esses "cabas", além de figuras da mais alta qualidade, tinham outras duas características que eu elevo à condição de virtude: tinham inteligência bem acima da média e eram professores. Lecionavam a mesma disciplina com a qual pelejei por mais de 50 anos, a Matemática. Vem daí a minha aproximação com essas criaturas. É toda uma história que rolou quase meio século atrás, nos idos de 1978/79. Dois anos de convivência muito próxima. Um tempo que está aqui grudado em minha memória com a força de uma tatuagem. Viajar naqueles dias faz-me lembrar uma citação de Charles Dickens em Um Conto de Duas Cidades: “Aquele foi o melhor dos tempos, foi o pior dos tempos; aquela foi a idade da sabedoria, foi a idade da insensatez...” Dito isso, então, vamos ao que interessa.

À época, morava em Ribeirão Preto, casado com Dona Sônia e pai de duas maricotas, Janaína e Ariadne que mal haviam saído das fraldas. Sem me esquecer de Argos, o cão da família. Eu era professor de curso pré-vestibular de uma conhecida marca, o Objetivo, que expandira pelo interior paulista com unidades em diversas cidades do estado. Montaram uma equipe de professores para dar cabo àquela expansão. No time da Matemática estávamos nós quatro.

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Para que entendam melhor um pouco da minha rotina semanal naqueles anos: Segunda-feira eu alternava minhas aulas entre Franca e Araraquara. Terça em Ribeirão. Saía na quarta de madrugada rumo a São José do Rio Preto. À noite uma Variant nos levava até o Salto de Avanhandava no Rio Tietê onde trocávamos de condução. Esta outra nos deixava em Araçatuba, pois na quinta a rotina era brava. Depois de aulas pela manhã e à tarde eu ministrava a primeira aula da noite em Andradina e voltava para as duas últimas em Araçatuba. Finda essa maratona uma Caravan (perua Chevrolet)
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Salto do Avanhandava, no rio Tietê: ponto de passagem histórica que obrigava a interrupção da navegação e consolidou a região como rota terrestre estratégica no interior paulista. ▪ Fonte: Museu de Penápolis
nos deixava na estação rodoviária de Penápolis para pegarmos o ônibus que vinha de Ribeirão Preto, rumo a Presidente Prudente. Só chegava de volta sábado de madrugada em Ribeirão Preto.

Hoje não me atreveria a essas aventuras com uma carga semanal de algo em torno de 45 aulas. Diriam até que não eram tantas, mas e as viagens? De uma feita, um colega me perguntou: Sabe para quantos alunos lecionamos todas as semanas? Não, foi o que respondi. Para 5 857 alunos! Ele havia feito esse levantamento estatístico nas secretarias dos cursínhos onde lecionávamos.

Mas era nessa rotina que eu cruzava com esses meus parças. Zé Luiz, uma figura cartesiana, matemático da melhor cepa, rigoroso na linguagem. Tinha um humor sagaz e aquelas tiradas inteligentes. Para ele o mundo era um bosque verdejante junto a uma campina florida. Um otimista juramentado. Jamais pude vê-lo de cenho fechado e às turras com a vida.

Zezão, engenheiro formado na UFSCar, viajava sempre no seu Maverick de 8 cilindros. Aquele trator bebia uma gasolina danada e Zezão sempre chegava chegando. Era um mestre em passar trotes.
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Brilhante professor. Quando me visitava atacava os danoninhos das minhas cabritinhas. Hoje é empresário no ramo hoteleiro lá em São Carlos.

Celsinho! Ah, quantas gentilezas devo a esse que era o menorzinho de nós. Um gigante no magistério. Pelo que soube, ainda leciona, não com a frequência de antes, mas vez ou outra ainda pega no giz.

Queridos parças. Ainda me refiro a vocês como exemplo de responsabilidade. Cumpríamos as metas pedagógicas e não me lembro de que algum de nós algum dia tenha faltado a uma aula sequer. Tudo isso guardo aqui no baú de minhas recordações. Só prometo não revelar os pós-aulas, durante e depois do chope gelado. Mataria quem está lendo de inveja, porque aquele foi o melhor dos tempos, do melhor que tínhamos em nós: um pouco de sabedoria e uma maravilhosa insensatez.

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