Em A depressão é a perda de uma ilusão, J.-D Nasio (Editora Zahar, 2022) transforma o sofrimento em matéria de reflexão, deslocando a depressão do terreno puramente médico para o território humano, simbólico e afetivo. Com a clareza que marca sua escrita, o psicanalista argentino-francês propõe uma leitura da depressão não como simples distúrbio do humor,
mas como o desmoronamento de uma crença íntima — a ilusão narcísica de onipotência que sustenta o sujeito desde a infância. “O deprimido está triste não só por ter perdido o que tinha, mas por ter perdido o que era”, escreve Nasio, sintetizando sua tese com a força de um aforismo clínico e existencial.
A obra, dividida em cinco lições originalmente apresentadas a um público amplo em Paris, busca tornar acessível a complexidade do pensamento psicanalítico. Nasio convida o leitor a adentrar o “mundo interno do paciente” com curiosidade e inocência, porque “não é o saber que cura, mas a capacidade de suspender o saber para acolher o outro”. Essa atitude, mais ética que técnica, revela o coração da psicanálise como experiência de encontro e de escuta.
Ao descrever a depressão como “uma tristeza anormal provocada pela perda de uma ilusão”, o autor reformula o conceito clássico freudiano do luto e da melancolia. A depressão nasce da queda do eu idealizado
Cottonbro Std
— da perda de uma imagem de si sustentada pela fantasia de ser amado incondicionalmente, protegido do desamparo e do tempo. Por isso, “quanto mais alta tiver sido a ilusão narcísica, mais dura será a queda na desilusão”. O sofrimento depressivo é, assim, o preço que o sujeito paga ao se ver desalojado de sua onipotência imaginária.
Nasio descreve com precisão a ambiguidade do deprimido: alguém que se encolhe no silêncio, mas cuja dor é carregada de raiva e ressentimento. “Por trás da tristeza há ódio”, diz ele — ódio ao outro que decepcionou, mas também ódio a si mesmo por ter acreditado. Essa mistura de dor e rancor, que o autor chama de despeito, revela a força pulsional e amorosa que subsiste mesmo no abatimento. A depressão, afinal, é também uma forma de amar o próprio infortúnio, “de tanto amar sua desgraça”, como observa em outro trecho.
Ao lado das análises teóricas, Nasio apresenta casos clínicos — como os de Alexandre, que descobre nos “benefícios da depressão” um caminho de amadurecimento, e o de Michiko, cuja melancolia culmina no horror do infanticídio.
T. Weber
Esses relatos intensificam o caráter humano da obra: a depressão é mostrada não como falha, mas como tentativa de sobrevivência psíquica, uma defesa extrema diante da perda de sentido.
Longe de um tom pessimista, o livro aposta na potência transformadora da escuta. A cura, para Nasio, não está em eliminar a tristeza, mas em reconhecê-la como expressão de um amor ferido e de uma ilusão que precisa ser reelaborada. A psicanálise, nesse contexto, é um convite à lucidez: fazer do colapso um ponto de partida. “Superar uma depressão nos faz crescer”, escreve, “porque aprendemos a moderar nossas ilusões infantis sem jamais renunciar a elas.”
J.-D Nasio (Juan-David Nasio), psiquiatra, psicanalista e escritor argentino.
Lido em tempos em que a depressão se multiplica como mal-estar contemporâneo, o texto de Nasio devolve profundidade ao que a linguagem médica tende a reduzir. Sua escrita é clara, mas nunca simplificadora; empática, mas rigorosa. Ele não oferece consolo rápido, e sim uma via de compreensão: a de que cada tristeza contém uma verdade sobre o modo como amamos e nos enganamos. A depressão é a perda de uma ilusão é, assim, menos um tratado clínico que uma meditação sobre a fragilidade do humano — e sobre a possibilidade de reconstruir-se após o desabamento de si.