Há alguns anos que Zé não me ligava. Pensei até que ele e sua consorte, a Dê, estivessem intrigados comigo. Nada disso. Nestes últimos anos, este meu amigo passou poucas e boas no quesito saúde. Andou se hospedando em UTIs, submeteu-se a cirurgias e ficou quase dois anos nessa luta. Na verdade, Deus estava querendo ter um particular, uma conversa mais chegada com o Zé.
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Mas o amigo que está dando as caras neste meu texto é duro na queda e disse ao Poderoso: “Não vou, não vou e não vou!” E Zé não foi.
A vida, que gosta de nos pegar em suas armadilhas, vez ou outra nos dá um presente. E não é que, dias atrás, adivinhem quem me ligou lá de terras pantaneiras? Isso mesmo: o Zé — e depois a Dê, esta confirmando dia e hora da chegada.
Vieram de Campo Grande e estamos, como se diz, encangados. Temos matado nossas saudades, molhado a palavra, colocado a prosa em dia — e haja prosa! Isso eu, Zé, Ana e Dê. Mas preciso contar a vocês quem é o Zé e, por natural que seja, depois também dizer algo da Dê. Vamos lá.
Fui conhecê-lo em 1976: eu com 25, e Zé com 31, no máximo 32 — é o que sugere uma aritmética bem básica, se levarmos em conta nossas idades atuais. Meu amigo, um professor já de vasta clínica, e eu, um molecote atrevido que resolvera ensinar matemática onde Zé Renato reinava como “o cara” no ensino de gramática. Isso no Curso Objetivo, que era, naqueles anos, referência em aprovação nos vestibulares do estado de São Paulo, principalmente nos cursos de Medicina das universidades públicas, onde os índices de aprovação ultrapassavam a casa dos 90%.
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Pois ali, Zé Renato era o rei do pedaço. Auditórios com 200 até 300 alunos; aula do Zé, ouvia-se uma mosca voar. Ele me lembrava um encantador de serpentes. Nunca mais, em 50 anos de profissão, vi algo parecido.
Naqueles dias, eu ainda nas turmas de colégio e algumas de cursinho, as de Humanas, que não tinham o status das de Medicina.
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Havia algo mais que nos diferenciava: eu, magrelo como um canudo de refrigerante, feio como dois cegos numa briga de facas. Já com Zé, Deus fora mais generoso: era o bonitão do corpo docente. Imaginem o sucesso dele — e todas as dificuldades do meu.
Mas meu amigo resolveu deixar a capital paulista e buscar a paz do interior. Também fui morar por aquelas bandas: eu em Ribeirão Preto, e Zé — já casado com Dê — montou seu acampamento em São José do Rio Preto. Professores do mesmo sistema de ensino, engolimos juntos pó de giz em algumas cidades da redondeza. Tive esse privilégio de dividir o tablado com esse meu parceiro.
Então, Moara, Cauê, Iara e Iuri: alguns de vocês não eram nem nascidos, e jamais conseguirão avaliar que professor fora o pai de vocês, o Zé Renato, antes de se tornar esse bem-sucedido empresário no ramo da educação. Foi por esse tempo que nasceu entre mim e Zé essa amizade que teima em perdurar.
Certa vez, eu e um outro Zé — o Luiz — fomos à casa de vocês (agora falo diretamente com aquelas quatro criaturas lá de trás), quando Denise, muito gentil, nos serviu um café e nos apresentou três crias: uma cabritinha loirinha, loirinha,
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mas com nome de índia, Moara; um rapazinho um pouco menor, com nome de astronauta, o Iuri; e um terceiro, que também tinha nome de índio, o Cauê. Com o indiozinho, não teve conversa: a bichinha chorava que não parava mais. “Por que tanto choro?”, perguntei. “Por nada, ele gosta de chorar”, respondeu um dos Zés — o pai.
Agora, voltando aos meus leitores: por essas artimanhas do destino e da profissão, vim para a Paraíba, e Zé para Campo Grande. Mas eis que um dia, lá em 1996, toca o telefone. Atendo, e do outro lado da linha: “É o Paiva? Aqui é o Zé Renato.” E eu, de pronto: “O Bueno?” Estivemos lado a lado em muitas coisas. A distância — provavelmente ela — tenha nos afastado. Até pensei que tivéssemos deixado alguma rusga, mas não: Zé esteve doente, lutando pela vida.
Vão estar aqui por uns dias — ele e Dê. Sim, com Denise espalhando a doçura de seu otimismo. Aos leitores, que me desculpem o tempo tomado, mas eu precisava contar um pedacinho dessa história com meu parceiro Zé Renato