A relação do médico neurologista e psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) com a arte fundamenta as bases para a crítica de arte e a estética psicanalítica. O seu trabalho oferece a compreensão da criação e da experiência artística, vendo a arte não apenas como um fenômeno cultural, mas como uma manifestação da vida psíquica inconsciente. Para Freud, em seu livro A Interpretação dos Sonhos, publicado em 1900, “A arte é como os sonhos e os sintomas neuróticos: ela permite o acesso aos conteúdos reprimidos e aos desejos não realizados do ser humano”.
Egon Schiele (1917)
Além disso, a ênfase expressionista na subjetividade e no mundo interno reforça essa correspondência. Para Freud, a fantasia e a vida imaginária constituem dimensões vitais da existência psíquica, pois nelas o sujeito realiza, de forma simbólica, seus desejos e conflitos. Em O Escritor e o Fantasiar, ele afirma que “O artista se aproxima do sonhador diurno, que cria mundos imaginários para satisfazer desejos reprimidos” (1908, p. 135). Nessa obra, há um paralelo entre o brincar da criança, o devaneio do adulto e a criação literária. O pai da psicanálise argumenta que “O brincar é uma atividade de criatividade, na qual a criança cria um mundo próprio e o organiza de maneira que lhe agrada.
GD'Art
Ernst Ludwig Kirchner (1913)
De modo análogo, a deformação das formas, a fragmentação das figuras e a intensidade cromática do expressionismo atuam como estratégias visuais de condensar e deslocar afetos, ocultando e revelando simultaneamente o conteúdo latente. Ernst Kris (1900-1957), psicanalista austríaco, ao analisar a criação artística, destacou que esses mecanismos estão presentes na obra de arte, funcionando como mediações entre o inconsciente e a consciência estética.
A sublimação ocupa uma função determinante na articulação entre arte e psicanálise. Freud define a sublimação como o processo pelo qual a energia pulsional — em especial de natureza sexual ou agressiva — é desviada para fins socialmente valorizados. Em Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade, ele observa que “As forças pulsionais podem encontrar substitutos culturais, como a arte, a ciência e a religião” (1911, p. 97). Nesse sentido, a arte expressionista, ao transformar emoções intensas e perturbadoras em linguagem estética,
Egon Schiele (1911)
Em seu livro O Mal-Estar na Civilização, publicado em 1930, Freud defende que a arte permite ao artista canalizar energias libidinais e destrutivas para a criação de algo belo e culturalmente significativo. A obra de arte, portanto, opera em dois níveis de prazer. O primeiro é o prazer formal, que desarma a resistência do público. O segundo é o prazer libidinal, que advém do conteúdo da obra, permitindo ao espectador identificar-se com os desejos realizados na fantasia do artista. Ao desfrutar da obra, o público partilha, de forma socialmente aceitável, a satisfação dos seus próprios desejos reprimidos. A arte é, assim, um mecanismo de compensação coletiva, um narcótico que alivia a tensão da renúncia instintiva exigida pela cultura.
Sigmund Freud também se dedicou à análise de obras de arte específicas e de artistas, como em Uma Lembrança de Infância de Leonardo da Vinci (1910) e Moisés de Michelangelo (1914). Nesses estudos, seu propósito não foi o de formular uma crítica estética, e sim o de utilizar o método psicanalítico para compreender as motivações inconscientes da criação. Em Leonardo, por exemplo, ele procurou traços da curiosidade investigativa do artista, ligando-os a uma lembrança de infância (Freud, 1910).
Moisés (detalhe) Michelangelo Buonarroti (1515)
A estética freudiana da arte é psicológica e cultural. A arte é o espaço onde o desejo reprimido encontra a sua expressão simbólica, na qual a fantasia individual se transforma em prazer coletivo através do mecanismo da sublimação. A psicanálise, ao desvendar esse processo, enriquece a compreensão humana da arte, transformando-a de um objeto de contemplação estética em uma pulsão do inconsciente humano.





















