Vínhamos da casa de Ronaldo, o então prefeito municipal com quem eu havia conversado e de quem o moço recebera a missão de me guiar a endereços que eu, então, desconhecia. Cheguei à cidade, naqueles idos de 1988, com pauta
O Globo, 16.06.1988
À noite, saí do hotel na hora combinada e voltei a entrar no carro do meu guia rumo, dessa vez, ao Parque do Povo, à época, do povo mesmo. Faço o reparo, em razão das críticas justas e necessárias à privatização crescente, ano após ano, desta e de tantas outras manifestações da alma nordestina, para ficarmos no caso.
Isso, anotem, ainda porá fim aos festejos de junho, do modo como nós os conhecemos. Exatamente, como já matou, Brasil afora, o carnaval hoje reduzido a prévias feitas de trios elétricos, cordões de isolamento, camarotes e abadás caríssimos.
Já debaixo daquela Pirâmide, percebi que o assunto atraía, não apenas o jornal impresso, mas, ainda, a TV Globo. O colega Chico José e a câmara sob seu comando colhiam vozes e imagens para o programa “Fantástico”, do domingo seguinte.
Bem-humorado, afável, acolhedor, Ronaldo sempre propiciava boas entrevistas. Certa vez, indaguei-o para a Revista “A Carta” sobre o motivo da sua cassação pelo governo dos generais e a resposta me surpreendeu. “Acho que foi por causa de um discurso que fiz contra um rega-bofe no Grupamento de Engenharia. Mataram uns duzentos perus e eu comentei que na Paraíba, pelo menos, ninguém poderia dizer que a revolução fora feita sem sangue”.
Mas foi para falar daquele São João que vim ao teclado. Ainda, de como eu e uns poucos amigos terminamos na cozinha do nosso anfitrião quando o resto da casa ainda dormia. No início da madrugada, havíamos saído do Parque do Povo em direção ao Spazzio (a casa de shows então na moda), onde Ray Conniff e sua Orquestra se apresentavam. Diga-se do velho maestro que era algo tão impróprio à temporada quanto a pamonha que fizemos de tira-gosto, dia já amanhecido, para a última garrafa de uísque.
1988: Ray Conniff e Orquestra no Spazzio ▪ Fonte: Retalhos Históricos de Campina Grande
Acesa neste São Pedro, a última fogueira de 2023 é o que me faz, certamente, recordar isso tudo. Ela e os meus temores quanto à má sorte das nossas mais legítimas tradições.
Pesaroso, vejo que aos pobres de Jó, aos sem corda de isolamento e sem grana, está reservada a eterna condição de “pipoca”, assim tida a plateia de segunda classe da festança em geral, seja em louvor a Momo, seja aos santos de junho. Uma pena.