Nos idos dos anos 50, e avançando um pouco nos 60, a Lambreta foi um veículo de duas rodas muito comum de ...

A lambreta

noitada lambreta conto cronica
Nos idos dos anos 50, e avançando um pouco nos 60, a Lambreta foi um veículo de duas rodas muito comum de se ver sendo pilotado pelos exibidos mocetões daquelas gerações. Havia uma versão mais compacta, a Vespa, pouco menor de comprimento, mais gordinha, bojudinha e ao que me consta, menos dispendiosa para se adquirir.

As motocicletas não estavam ainda no mercado. Era muito difícil de ver uma por aqui, só se fosse um modelo importado, como a “Harley Davidson” que só era permitida aos bolsos mais recheados, uma lindeza, mas cara que só. Era numa dessas motocicletas que Carlos, o vigilante rodoviário, se apresentava num seriado muito popular de nossa TV naqueles anos distantes.

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Camilo Pink
O causo de hoje envolve uma Lambreta, daí os esclarecimentos nas linhas que antecedem esta daqui. Também abarca duas cidades, ambas que desenvolveram um sentimento que só essas duas localidades têm em todo planeta: “o patriotismo municipal”. Podem procurar mundo afora, mas igual a Campina Grande e Recife não há outras. Para quem não as conhece, a primeira é onde ocorre o maior São João do Mundo e a segunda trata-se daquele ponto no mapa onde rio Beberibe encontra o Capibaribe e juntos formam o Oceano Atlântico. Poderosas, ou não são? Deixemos provisoriamente essas duas metrópoles de lado. Mais à frente entram no causo.

O protagonista mesmo dessa história é o Afonso, conhecido como Lambretinha pela turma que frequentava o botequim do Alcides lá no Zé Pinheiro, bairro nas proximidades do Açude Velho em Campina Grande, pois nosso amigo possuía uma dessas motonetas, daí o apodo. Era um tal de Lambretinha para cá, Lambretinha para lá. Já que Afonso, era um contador de lorotas da maior qualidade e como todo campinense, um apaixonado por aquele chão que o viu nascer, crescer e – como ele mesmo dizia – virar gente.

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Camilo Pink
Numa tarde de sábado estava Lambretinha tomando umas e outras lá no Alcides. Ele mais Chico Manivela, Paulinho Barrica, Cebolinha, e uns e outros que não vem ao caso. Juntavam-se ali numa mesa posta na calçada para esticar uma prosa entre uma talagada de cachaça e a mordida em naco de bode servido com cuscuz. Conversa vai, conversa vem, Chico Manivela quis saber por onde andava Toninho, irmão de Lambretinha.

— Meu irmão é um danado, formou-se em computação aqui na Federal e hoje está lá em Nova Iorque. Bem de vida que só vendo. Mas…

Mas, o quê? – quis saber Cebolinha.

— Sair de Campina Grande pra um lugar sem futuro como aquele, sei não?!

— Nova Iorque, lugar sem futuro, Lambretinha? – contestou Manivela. E continuou – Pode não ser uma Campina Grande, mas ruim não é.

— Pra mim, lugar a mais de 6 000 quilômetros de Campina, não pode ser boa coisa. Mês inteiro de festa como aqui, onde tem uma coisa desta?

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@caruaru.pe.gov.br
Mas Manivela quis contestar.

— E o São João de Caruaru? Não é como o da gente?

— É o segundo maior do mundo, mas perde longe pro nosso.

A discussão entrou pela madrugada e ficaram naquele moído até que Lambretinha, já muito cheio dos gorós na cabeça, disse que ia até sua casa pegar um jornal onde aparecia uma reportagem de página inteira afirmando que a quadrilha junina vencedora daquele ano no Parque do Povo ia se apresentar no Teatro Bolshói em Moscou. Ninguém quis acreditar. Mas Lambretinha era homem de atitudes. E deu partida na Lambreta, dizendo em alto e bom tom:

— Eu mato a cobra e mostro pau – e saiu equilibrando-se naquele veículo, que nem Deus sabia como nosso amigo ia matar a cobre e muito menos mostrar o pau. Mas foi-se embora.

Entrou em uma rua, saiu em outra, pegou um beco aqui e outro ali, só que depois de um tempo a cabeça começou a girar e tome acelerar a “bichona”, mas começou achar que Avenida Almirante Barroso estava comprida demais.

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Camilo Pink
— Oxente! Avenida que não acaba mais.

Mas absorto em suas conjecturas, foi em frente, rodando, rodando, até que depois de um bom tempo chegou numa praça que lhe parecia familiar. Parou diante de uns “cabas” que estavam ali fumando um cigarrinho do capeta e perguntou:

— Ei moçada, essa não é Praça da Bandeira?

— Não tio, aqui é a Praça Agamenon Magalhães.

Lambretinha tinha ido parar em Recife. Pensem numa cachaçada das boas. Ficou ainda um tempinho ali com rapaziada. Deu uns tapas também e ainda garantiu uns trocados para encher o tanque e voltar. Mas o jornal que foi buscar, nada.

Quem me contou o causo foi o poeta Irani Medeiros, lá no bar do Lulinha. Dizem que ele não mente. É o que dizem.

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  1. Fazia um bom tempo que não tínhamos uma estória, tão saborosa.

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