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É assim mesmo, para certas situações não há explicação. Por mais que tenhamos razão, de nada adiantará nossas justificativas, pois as evi...

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É assim mesmo, para certas situações não há explicação. Por mais que tenhamos razão, de nada adiantará nossas justificativas, pois as evidências estão contra nós, muito embora a verdade possa estar do nosso lado. Como no ‘causo’ que vou contar. Antes devo esclarecer que o enredo não é da minha lavra. Ouvi a trama nessas conversas com meus amigos de mesa e de copo. Aqui só dei, ao meu modo, uma temperada no mexerico que escutei dessa gente que anda encangada comigo pelos botequins da vida. Vou contar.

Самoвар и балалайка A leitura dos clássicos russos da segunda metade século XIX e os mais recentes do século passado, como Boris Pastern...

Самoвар и балалайка

A leitura dos clássicos russos da segunda metade século XIX e os mais recentes do século passado, como Boris Pasternak e Alexander Soljenítsin, aproximaram-me muito da cultura russa, de seus modos e costumes. Um povo ímpar, com um jeito muito particular de ser. Percebo-os como gente que tem a sensibilidade à flor da pele, com a arte no sangue e dessas e outras manifestações, a música, a dança e a literatura são fáceis de serem notadas. Citaria para início de conversa os compositores Prokofiev, Tchaikovsky, os balirinos Rudolf Nureyev, Mikhail Baryshnikov, a bailarina Natalia Makarova e o Ballet Bolshoi. Estão aí para dizerem que não minto. Isso sem falar nos escritores, que qualquer brasileiro que goste de literatura; ou leu, ou deles já ouviu dizer algures.

Está aí um dito popular com o qual devemos tomar cuidado: o tal de “dessa água eu não bebo”. Podemos acabar bebendo sim. Explico. Anos a...

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Está aí um dito popular com o qual devemos tomar cuidado: o tal de “dessa água eu não bebo”. Podemos acabar bebendo sim. Explico.

Anos atrás, década de 90, eu e um amigo tomávamos a imprescindível cervejinha do final de expediente. Praia de Tambaú, pés na areia e mãos no copo, quando comentávamos nossas trajetórias de professores, época em que morávamos no interior de São Paulo,

Tem gente achando que eu sou avesso ao progresso, às modernidades. Nada disso, mas há coisas que nasceram e vão ficar do jeito que foram...

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Tem gente achando que eu sou avesso ao progresso, às modernidades. Nada disso, mas há coisas que nasceram e vão ficar do jeito que foram inventadas. Para sempre! Querem um exemplo? O limpador de para-brisas. Ou não é? O tempo passa, os modelos de carros evoluem, mas aquelas duas varetas desajeitadas são daquele jeito desde o tempo do “Ford Bigode”. Não vislumbro alguma possibilidade de mudança a curto prazo.

Definitivamente não estou preparado para esses novos tempos. Meus passos não conseguem acompanhar a velocidade das transformações. Diz um ...

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Definitivamente não estou preparado para esses novos tempos. Meus passos não conseguem acompanhar a velocidade das transformações. Diz um dos mais conhecidos preceitos relativos aos progressos da humanidade: as invenções aconteceram para facilitar nossas vidas. Sempre foi assim. Está aí o controle remoto que não me deixa mentir. Podíamos falar de muita coisa, da roda ao avião, do estribo que dá firmeza e equilíbrio à montaria à injeção eletrônica, e por aí vai. Mas agora...Pelo menos comigo não está valendo essa máxima que acabei de citar. Estive dias atrás no maior sufoco, sofri que só o diabo.

Acho que é isso. Só pode ser. O coração está com dificuldades para suportar algumas destemperanças da vida. Qual coração? O meu, é claro. ...

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Acho que é isso. Só pode ser. O coração está com dificuldades para suportar algumas destemperanças da vida. Qual coração? O meu, é claro. Essa engenhoca que me bombeia sangue para as artérias e que, segundo alguns poetas, é o órgão que manobra nossos sentimentos, sejam eles as paixões e as saudades, anda me maltratando. Pois, meus amigos, minhas amigas, ando padecendo com as fadigas de minhas coronárias. Esses dias entre o Natal e o Ano Novo, não foram fáceis.

Ah, meus amigos, minhas amigas, há certos acontecimentos ou ocasiões que servem para nos despertar do marasmo que a mesmice do cotidiano t...

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Ah, meus amigos, minhas amigas, há certos acontecimentos ou ocasiões que servem para nos despertar do marasmo que a mesmice do cotidiano teima em nos fazer vítimas, desse e de outros padecimentos. Querem que explique melhor? Vamos lá.

Algumas vezes precisamos de um balde d’água gelada sobre nossa alma preguiçosa. É como que se aquele frio desconforto nos dissesse: “Acorda, criatura! Veja o que está acontecendo no seu entorno.” Explico.

Costumam visitar meu quintal nos finais dessas tardes estivais. Estimo a chegada desses passarinhos, talvez pelo som que emitem, pois me ...

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Costumam visitar meu quintal nos finais dessas tardes estivais. Estimo a chegada desses passarinhos, talvez pelo som que emitem, pois me parecem propostas de benquerença: Bem-te-vi! Não é bonito ouvir isso dessas avezinhas canoras?

Debaixo daquela copa exuberante do jambeiro-rosa que fica ao fundo de meu quintal, costumamos, eu mulher e filha, gastar alguns dedos de prosa nos finais de tarde. Coisas sem importância, banais, outras vezes até arriscamos em searas mais complexas, conversas que exigem um pouco mais de nossos neurônios. mas tudo é apenas um pretexto para estarmos juntos. Para mim há um toque de magia nesses momentos.

Dona Clotilde até que gostava de após as duas refeições maiores, o almoço e o jantar, de dar uma bicadinha num golezinho de cachaça. Coisa...

Dona Clotilde até que gostava de após as duas refeições maiores, o almoço e o jantar, de dar uma bicadinha num golezinho de cachaça. Coisa pouca, menos que um dedinho. Segundo ela, era bom para a digestão, fazia bem ao quilo. Já Epaminondas, o marido, não encarava nada que fosse alcoólico, nem um tiquinho, mesmo que fosse daquele licor de jenipapo que guardavam na geladeira para fazer sala às visitas.

Ele não reclamava do hábito da esposa e nem ela insistia para que o consorte experimentasse uma cervejinha que fosse. Epaminondas era (eu disse, era) o homem com o qual muita mulher gostaria de ter juntado os panos. Um maridão! - diziam. Trabalhador, não fumava, não jogava e...E? Não bebia. Mas sabem os meus leitores como é essa tal de vida.
Sempre tem alguém para desencaminhar um homem de bem. Tanagildo Garrafa era um desses elementos que gostava de tirar um vivente do bom caminho.

A criatura em questão era irmão de Dona Clotilde, o que nos permite sem exigir muito dos neurônios, concluir que era cunhado de Epaminondas. Dizem uns, que cunhado não é parente, é castigo. O caso aqui confirma o postulado. Pois foi esse biltre que desencaminhou o pobre.

Tudo começou quando foram chorar um defunto. No avançado da noite, pouca gente velando o falecido, um frio de rachar e os dois ali prestando solidariedade à viúva. Lá pelas tantas Tanagildo chamou Epaminondas para um particular.

– Cunhado, sei que você não bebe, mas vamos dar uma saída e tomar um golinho pra rebater a friagem?

– Não bebo, você sabe disso. Um café bem quente até que eu encarava.

– Umazinha só, pra espantar o capeta. Defunto como Tiãozinho merece nossa consideração. Era um homem de bem e olha só como é o destino Tá aí, vai virar refeição de minhoca.

Epaminondas começou a matutar. De que valia a vida? Olha só o Tião, ontem bonzinho da silva e hoje aí, todo esticado. Que Deus dê um bom lugar a ele e conforto à família. – Quer saber de uma coisa, Tanagildo? Vou aceitar um golinho pra espantar os maus pensamentos – e tudo começou com aquele golinho. Dias depois vieram outros, outros…

Para encurtar a história, Epaminondas se tornou um cachaceiro e dos mais aplicados nesse, digamos, atributo. Tomava todas. Aquele homem dedicado ao trabalho e à família, escafedera-se. Tornou-se irresponsável e não raros eram os dias em que passava completamente embriagado. E começou a ser figurinha fácil em botecos e velórios. Isso mesmo, começou a frequentar velórios. E todo mundo sabe, em velório que se preza rola uma “água-benta”, discretamente, mas rola. Nessas centrais especializadas em cerimônias fúnebres, não. Mas se as exéquias são na casa do defunto, sempre a “marvada” aparece.

Dona Clotilde já andava até desanimada com a metamorfose daquele com quem dividia os travesseiros e passara a ter que suportar um bafo de bode daqueles. Estava difícil, mas como não há mal que não se acabe e bem que sempre dure, assim, meio de surpresa, Deus chamou Epaminondas para uma conversa. Ele foi.

Então agora, o “homenageado”, ia ser ele, o nosso pinguço. Os homens da funerária levaram o corpo para o “Caminho do Céu”, uma casa especializada em despachar gente para a chamada última viagem. Velório concorrido. Compareceram os familiares, amigos da repartição em que trabalhara, os vizinhos e como não poderia faltar, a turma da manguaça, dentre eles o cunhado Tanagildo.

Aos presentes, a casa oferecia água e um cafezinho servido em copinho de plástico e olhe lá. Foi então que o cunhado tomou a iniciativa de organizar aquele encontro.

– Epaminondas merece nossa consideração. Onde já se viu despedir de um amigo dessa qualidade sem tomar uma coisinha. E vai ser whisky e dos bons. Vamos fazer uma vaquinha.

E passou a recolher os donativos. Trocados de um, de outro, e foi juntando o que podia. A turma do alambique não deixou de dar sua contribuição. Até que a viúva viu o alvoroço e chegou junto.

– Juntando dinheiro pra quê, Tanagildo?

– Irmã, você me desculpe, mas é a última vez que vemos esse homem que era só bondade; então resolvemos tomar uma coisinha pra gente se despedir.

Dona Clotilde até se comoveu com a singela homenagem:

– Então me digam quanto é a minha parte. Com quanto eu entro?

– Não precisa, não. Você já entrou com sua parte.

– Como assim?

– Minha irmã, você entrou com o defunto.

Gostaria muito de saber quem inventou essa história de melhor idade. Foi garimpar na imensidão de sua insensatez um eufemismo ridículo pa...

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Gostaria muito de saber quem inventou essa história de melhor idade. Foi garimpar na imensidão de sua insensatez um eufemismo ridículo para tentar dar algum colorido à palavra velhice. Não conseguiu.

Como pode alguém em sã consciência apelidar o outono de nossas vidas de “melhor idade”? Ao que me consta, melhor idade é a da adolescência quando nossa saúde está em sua plenitude e nossos sonhos só aguardando a vez de serem realizados. Estou dizendo dos possíveis e dos que não são. Mas nessa fase da vida, tudo para nós é factível: para a rapaziada,

Quem não conhece a tal de babosa? Cientificamente chama-se Aloe vera, uma espécie de folhagem pontiaguda e altamente suculenta. Cresce se...

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Quem não conhece a tal de babosa? Cientificamente chama-se Aloe vera, uma espécie de folhagem pontiaguda e altamente suculenta. Cresce selvagem ou em jardins em terras tropicais e é muito cultivada para usos agrícolas, medicinais e para fins decorativos. Cresce também com sucesso dentro de casa em vasos, se houver boa luminosidade, mesmo indireta.

Consta-me que a babosa tem muitas aplicações junto ao público feminino: trata queda de cabelos, hidrata as madeixas de nossas beldades, elimina aquela incômoda farinha chamada caspa,

Quando aqui neste texto eu empregar a palavra “milagre”, não a entendam com alguma conotação mística ou religiosa, estou apenas fazendo al...

Quando aqui neste texto eu empregar a palavra “milagre”, não a entendam com alguma conotação mística ou religiosa, estou apenas fazendo alusão às impossibilidades probabilísticas, ou a quase isso. Explico melhor: refiro-me a algo que dificilmente ocorreria ou se ocorresse desafiaria as estatística e as probabilidades.

Vamos lá.

Pense quão difícil é você acertar a sena num concurso de nossa loteria. Marcando seis dezenas sua chance seria 1 em 50.063.860. Já se você marcar 10 dezenas suas chances pulariam para 210 nos mesmos 50 milhões e mais alguma coisa. Mas isso, vemos que toda semana acontece. Então, não podemos ver o concurso de nossa Loteria Federal como algo quase impossível de acontecer.

Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, — a inspiração, — a pátria. O porvir do teu pai. Fagunde...

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Eras a messe de um dourado estio. Eras o idílio de um amor sublime. Eras a glória, — a inspiração, — a pátria. O porvir do teu pai.
Fagundes Varela

Se meu dileto leitor e a minha cara leitora fizerem uma pesquisa apurada, verão que o 9 de setembro é um dia absolutamente sem importância em nosso calendário. Por aqui nada relevante. Consta-me que lá na Turquia, na localidade de Esmirna, celebra-se a reconquista da cidade que estava sob o domínio dos gregos e que marca o fim da guerra Grego-Turca que matou muita gente entre 1919 e 1922.

Neste ultimo fim de semana, andei retomando algumas leituras, no caso, Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), um autor capaz de traze...

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Neste ultimo fim de semana, andei retomando algumas leituras, no caso, Malba Tahan (Júlio César de Mello e Souza), um autor capaz de trazer ao texto matemático conotações poéticas da melhor qualidade. É o autor, dentre outras obras primas, de “O homem que calculava”, um livro com algumas dezenas de edições no Brasil e pelo mundo afora. Compete em grandeza com “Brincando de Matemática”, do soviético Y.I. Perelman. As duas melhores obras publicadas nesse gênero de literatura em todo mundo.

Tempos atrás escrevi nesta coluna uma manifestação de protesto em desagravo a uns vizinhos que tinham vindo morar aqui ao lado. Entre eles...

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Tempos atrás escrevi nesta coluna uma manifestação de protesto em desagravo a uns vizinhos que tinham vindo morar aqui ao lado. Entre eles e os aqui de casa apenas um muro fazendo fronteira. Do outro lado, uma menina que chorava dez horas por dia e um galo que começava cantar as três da matina. Nem duraram seis meses e Deus deve ter ouvido minhas fervorosas preces e ajeitou para que eles se mudassem. Desapareceram. Bernadete, a menininha, deve estar arrastando suas manhas noutras vizinhanças; já o galo... Se não virou um guisado deve estar atormentando outras gentes, em outras freguesias. Ufa!

Quem mora por aqui já o viu. Uma figura envelhecida, alquebrada, maltrapilha, suja, caminhando a passos lentos levando invariavelmente um o...

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Quem mora por aqui já o viu. Uma figura envelhecida, alquebrada, maltrapilha, suja, caminhando a passos lentos levando invariavelmente um ou mais sacos repletos não sei do quê às costas. Não lhe importa ser dia de sol escaldante, nada parece impedir sua trajetória incerta, sempre vindo não se sabe de onde e indo, ao que parece, para lugar nenhum.

Quem é? Aqui referem-se a ele como “o velho do saco”, numa alusão à estranha bagagem que leva à “cacunda”. Dizem até que fora um homem de posses e aqui e acolá elencam uma série de motivos que teriam levado essa criatura aos abismos da dignidade humana. Hipóteses, é claro.

Vez outra desaparece por uns tempos e aí surgem boatos de que o “velho do saco” teria, como se diz, batido com as dez. Nada disso. Logo ele reaparece arrastando sua lentidão pelas ruas da cidade. Outro dia o vi pela Epitácio Pessoa, no sentido inverso àquele do bloco Muriçocas que desce a avenida na quarta-feira de fogo antecedendo ao carnaval. Subia aquela ladeira e parecia levar às costas todo o peso da humanidade. Pobre velho. Atravessou aquela linha tênue que limita a lucidez da insanidade. Seria isso? Ou seria essa figura exótica uma metáfora de nós, os supostamente equilibrados e lúcidos? Há sim meus amigos, minhas amigas, um pouco daquele velhote em cada um de nós. Ainda que metaforicamente, mas há.

Quem não carrega alguns desses pesos impensáveis às costas? Pode haver peso maior do que a perda de entes queridos? De um filho, por exemplo. Não estamos livres dessas tragédias, e como pesam.

O que não dizer daqueles amores mal sucedidos...as paixões que não se resolveram e ficaram pelas estradas da vida. Muitas vezes se perderam por uma palavra que deixou de ser dita, por um pedido de desculpas que nosso orgulho não permitiu.

Não podemos deixar de colocar nessa incômoda bagagem os sonhos que não se concretizaram. É uma estatística dolorosa contabilizar os projetos que as mais diversas circunstâncias da vida nos obrigam a ir adiando, adiando... até que essas quimeras fossem definitivamente sepultadas.

Quando os anos vão pesando em nosso calendário, descobrimos que devíamos, como diz a canção, ter trabalhado um pouco menos, ter visto o sol nascer. Podíamos ter ficado mais com nossos filhos quando pequenos e mais exigiam nossa presença. Quantos sorvetes ficamos devendo? Por que não lhes permitíamos repetir o algodão doce que lambuzava suas carinhas de açúcar colorido?

Não sabemos fazer o tempo voltar e então o que nos resta é suportar o peso dessas recordações, de alguns arrependimentos e de muitas saudades.

Assim, quando me deparei com o “velho do saco”, subindo pela Epitácio dias atrás, enxerguei aquela excêntrica figura de forma diversa das anteriores. Pude vê-lo com respeito e até com alguma ternura, quando pensei se o que levamos sobre os ombros não seria tão enfadonho e torturante quanto aquilo que ele leva sobre os dele. Talvez.

Dias atrás, ao encontrar um dileto amigo que não via há anos, tasquei a mais tradicional pergunta dessas ocasiões, o famoso “Como vai?” Re...

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Dias atrás, ao encontrar um dileto amigo que não via há anos, tasquei a mais tradicional pergunta dessas ocasiões, o famoso “Como vai?” Recebi resposta não costumeira, digamos, surpreendente até.

— Escapando! — disse ele.

E não é assim? Vamos escapando. Escapando de doenças, assaltantes, balas perdidas e das não perdidas, crises econômicas, paixões mal resolvidas, acidentes. Enfim, listar aqui do que andamos escapando não caberia nesta coluna.

Filhos, ora os filhos. Levei muito a sério aquela premissa do “crescei-vos e multiplicai-vos”. Sete! Pelo menos pela contabilidade oficial...

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Filhos, ora os filhos. Levei muito a sério aquela premissa do “crescei-vos e multiplicai-vos”. Sete! Pelo menos pela contabilidade oficial e não creio ter ocorrido por conta do acaso alguma adição a esta estatística. Doloroso é que eles crescem e quando percebemos não estão mais conosco. Algumas vezes bem longe. Filhos são desse jeito mesmo, vão emplumado as asas e quando menos esperamos alçam vôos de fazer inveja a aves migratórias. Tive uma avezinha que foi parar em Pequim. Isso ali mesmo na terra dos olhos puxados.
Outros andaram perambulando pelos sete mares. Restou-me a caçula às voltas com um curso de engenharia e já ameaçando decolar quando puser a mão no diploma. Fui assim, os meus são assim. Tivesse menos filhos, teria eu menos saudade? Será? Saudade não se divide, pode no máximo se espalhar em compartimentos e modalidades: a saudade desse, daquele outro e por aí vai. Mas quando se juntam...

Virou Carlinhos, porque nas redondezas de seu sítio havia outros dois Carlos. Dois homenzarrões brutos e grossos como papel para embrul...

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Virou Carlinhos, porque nas redondezas de seu sítio havia outros dois Carlos. Dois homenzarrões brutos e grossos como papel para embrulhar prego. Esses nem eram parentes e a semelhança parava por aí. Já o nosso Carlos, o Carlinhos, não era um tiquinho de gente como possa parecer, apenas era menor que os outros dois Carlos. Natural então, que o diminutivo fosse acoplado ao nome.

Meus estimados leitores e queridas leitoras, sempre, desde que me conheço por gente, gerações mais novas têm desprezo por hábitos e ati...

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Meus estimados leitores e queridas leitoras, sempre, desde que me conheço por gente, gerações mais novas têm desprezo por hábitos e atitudes da geração anterior.

Mais modernamente acharam um outro jeito de nos aporrinhar o juízo. É o seguinte: passou dos quarenta ou está chegando perto, parece que o cidadão perdeu o selo de garantia diante dessa geração-digital nascida sob a égide da internet. É a geraçãozinha Z, para qual o mundo se apequenou às dimensões de um computador ou de um celular. Não conseguem viver sem essas engenhocas. Fora daí, para eles o mundo perdeu seus encantos e a relação entre as pessoas agora se restringe aos teclados, é por ali que eles conversam, se relacionam, se fazem presentes.

Abraço é coisa fora de moda. Mais que isso; abraço ou quaisquer manifestações de apreço podem virar cringe!

Fiquei inicialmente meio sem saber o que era essa história de cringe. Soube através de minha filha que mora lá nas latitudes de cima a origem do termo. “Cringy”, é o vocábulo cuja origem veio lá da parte de cima do mapa. Professora numa high school, na Pensilvânia, interpelou um aluno para saber o significado.

- What is cringy? – ao que ele respondeu:

- It is like when you see a person over forty-years-old dancing.

Traduzindo ao pé da letra, seria : “é como quando você vê uma pessoa com mais de quarenta anos dançando”. Difícil chegar ao exato significado, mas é bem próximo do nosso: “sem noção”. Também algo como “sentir vergonha alheia”, cafona.

Na verdade é um embate de uma geração chamada de “Millennials” (os nascidos entre 1980 a 1995 nos EUA e de 1980 em diante aqui) contra uma outra geração mais novinha, a que veio depois desta, a chamada de “geração Z”. Esta última já nasceu conectada na internet.

A derradeira geração desanca xingação na anterior por esta, a Millennials, ter hábitos e atitudes que envergonham quem é da geração Z. Essas atitudes é o que chamam de cringe. Vamos tentar relacionar alguma delas para entendermos o vazio que se instalou na cabecinha dessa gente.

Dizer que é mãe ou pai do seu pet é muito cringe. Ir a Disney também é. Tomar café da manhã, usar facebook, ser fã de Harry Potter, assistir a série Friends são outras atitudes muito cringes.

Agora entendo porque nas aulas virtuais, nesses tempos de pandemia, alguns dos meus alunos nem sob tortura abrem as câmeras, Sabem por quê? Porque é cringe assitir aula online com a câmera do notebook aberta. Pode uma coisa dessa?

Outras atitudes consideradas cringes:

Usar pontuação na internet, ficar dizendo que tem boletos para pagar, usar hashtag na legenda do Instagram. Tem mais: rir com o emoji “chorrindo”, usar sapatilha com bico redondo, ler jornal impresso, beber cerveja litrão, usar calça skinny, alugar DVD e VHS na locadora, dizer que somos jovens adultos quando já passamos dos trinta.

Imaginem se daqui a alguns anos se essa geração Z viesse a comandar o planeta. O que seria de nós? Ou dos que ficarem. Ainda bem que muita gente nessa faixa etária não se identifica com essas idiotices. Ainda bem.

Minha geração também achava brega coisas da geração anterior: chamar uma mocinha de broto, dizer “é uma brasa, mora!”, usar lenço, chamar carro de carango, usar calça jeans apertada, gostar de assistir o programa Jovem Guarda, tomar banho em Praia Grande no litoral paulista e outras coisas do mesmo tipo. Tinha mais: comprar camiseta com as inscrições “estive em tal lugar e me lembrei de você”, colocar na varanda uma placa dizendo “seja bem vindo, mas limpe os pés”; pingüim de louça em cima da geladeira e por aí vai.

Acho normal que esses conflitos existam, mas o difícil é entender de como algumas pessoas levam isso tão a sério, como uma espécie de filosofia de vida. A internet se apresentou como uma poderosa ferramenta a serviço da informação, mas se tornou também chão fértil para semear uma variedade insondável de idiotices, como esta que estamos relatando.

Que essa geração Z acorde, pois está ficando para trás. Há gente na idade deles ocupando espaço onde vai ser importante estar e esses patrulheiros perderão a vez por incapacidade intelectual. Tanta coisa importante para pensar e discutir e uns e outros preocupados em ser ou não ser cringe.

Talvez, algum dia essa geração Z, que sofre de bibliofobia; isto é, sente febre, tem urticária, sudorese quando chega perto de um livro, descubra que não há nada mais cringe do que achar alguém cringe.

Será que eles entenderiam isso?