Como eu gostaria que as teclas deste computador fossem as de um piano e me fosse dada a faculdade de compor música. Só assim poderia tran...

O bailado

cronica carlos romero beleza natureza

Como eu gostaria que as teclas deste computador fossem as de um piano e me fosse dada a faculdade de compor música. Só assim poderia transpor para a partitura, ao invés do blog, esse doce e silencioso bailado das borboletas que, desde a madrugada, acontece aqui no jardim.

Dá gosto vê-las no seu vôo manso, sutil, saltitante, diferente do vôo do besouro que inspirou Korsakow. A revoada das borboletas está pedindo um minueto de Mozart ou Haydn, ou um prelúdio de Debussy, tal é a delicadeza de seus gestos. Delicio-me a contemplá-las soltas, lembrando acenos de despedida, coisas assim... não sei. Só sei que elas me distraem e me encantam. Como diferem das formigas, das disciplinadas formigas, das prosaicas e pragmáticas formigas.

Digo isto sem saber se você, leitor, também aprecia o bailado das borboletas. Talvez, não. Talvez esteja ocupado e preocupado com outras coisas. Coisas sérias, que são tantas. E se você for executivo, por exemplo, dirá, censurado: “Que tolice é esta de andar contemplando borboletas?"

Decididamente, este cronista está fora da moda, fora de órbita, quem sabe? Ficar assistindo ao bailado das borboletas quando há tantas coisas para ver, tantos problemas para resolver, tantos espetáculos para aplaudir. Basta ligar a TV e uma cascata de maravilhas sairá de lá: as corridas de Fórmula 1, os programas de auditório, o Pânico, as piadas do Zorra Total, os enlatados da violência que importamos... Quantas coisas fantásticas, hein?!

É preciso estar possuído do encantamento lírico para sentir a beleza do espetáculo aqui no jardim. E o curioso é que, neste momento, os passarinhos emudeceram. O quintal está mergulhado no silêncio e lembra um imenso auditório verde. Parece que todos os elementos deste pequeno universo estão com atenção voltada para esse festival gratuito que a Natureza oferece. Um festival mudo. E para que música, se o silêncio, às vezes, é a própria melodia? Quem sabe lá se essas dançarinas de asas não estão executando uma canção imperceptível aos nossos ouvidos. Ah, como somos grosseiros e opacos!

Como elas se vestem bem! Que riqueza de cores em suas asas! Nenhuma dama da sociedade, por mais rica que seja, desfila com tal elegância e simplicidade... Arrepia imaginar que há caçadores de borboletas, que as prendem, que as espetam numa tela, que as colecionam.

Mas já começa a chuviscar, e elas vão aos poucos sumindo, deixando o palco florido e vazio. Também já é tempo de deixar este teclado, que não é de piano, nem o cronista é compositor.


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