Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgi...

Tudo imaginação

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Os corredores eram compridos. Diziam que aquela casa abandonada era um abrigo de idosos, no início do século passado. Antes de ser o refúgio dos que lá se exilavam, fora uma pensão, digamos classe “A”, onde se hospedava a nata pura da sociedade da época.

Dizem que a dona do albergue se esmerava em bem servi-los e, por isso, eram retribuídas com benfeitorias ou até monetariamente pelas benesses. O que chamava a atenção de todos era um objeto que ficava exposto próximo à luxuosa sala de refeições: uma perna de cera usada pelo finado marido da proprietária da pensão.


Por que motivo a insistência da mulher em conservar aquele irritante e inconveniente “souvenir”? Ela explicava com os olhos marejados não ter coragem, nem disposição em dar-lhe fim, pois pertencera a seu extinto marido, um general de brigada. Perdera o membro inferior numa batalha, durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente no Monte Castelo, na Itália.

Contavam-se coisas escabrosas sobre a referida “herança” deixada. Muitos fugiam de se hospedar naquela pensão por conta das estórias inventadas (e muitos diziam serem verdadeiras) referentes ao aludido troféu. O exemplo mais clássico era o de que, nas noites de lua nova, os hóspedes já recolhidos a seus leitos escutavam um pausado toc toc pelos corredores. Às vezes, a caminhada sofrida parava diante das portas, o que vinha a aumentar o medo e a angústia de quem se agasalhava sob os lençóis. E, não se sabe se por exagero, o portador da deficiência batia, insistentemente, como querendo entrar nos aposentos. Quem teria coragem de abrir?

Havia os descrentes que nada escutavam, nem acreditavam em tal fenômeno. Era um caso (se é que estivesse ocorrendo) a ser elucidado por alguém expert no assunto, um parapsicólogo, digamos. Mas as coisas sobrenaturais sempre exercem um estranho fascínio patológico nas pessoas vivas e ainda no tempo. A própria dona da pensão, jamais deixaria investigar nada.
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Mesmo por que, pessoalmente, nunca houvesse se apercebido, muito menos acreditado em tais ocorrências. Invenções para fechar a pensão. Marketing nocivo da concorrência entendia dona Josefina, mulher baixinha, de terço à mão, devota de todos os santos achados e perdidos ou por ainda canonizar. Afirmava, com toda a categoria e experiência, de que almas do outro mundo ficavam lá até o Julgamento Final e não vinham perturbar ninguém.

O fato é que, anos adiante, quando houve a completa decadência e a pensão fora obrigada a fechar. O prédio foi adquirido por um empreendor interessado em inaugurar um abrigo de idoso. Mesmo assim, um dos albergados dizia escutar passadas incomuns e ritmadas corredor afora. Ninguém acreditou. Tudo imaginação, diziam.

D. Josefina levou consigo a prótese. Não havia perigo de continuarem as faladas assombrações. Tudo imaginação...


José Leite Guerra é bacharel em direito, poeta e cronista

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  1. BRRRR! Que medo!
    Boa história para se ler à noite!

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  2. Me fez evocar meus tempos de “medo de almas”! Hoje as almas que me assustam são mesmo as deste mundo.

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