“No princípio era o verbo”. Esta é uma das mais controvertidas frases do Evangelho, menos pela doutrina do que pelo o que ela significa. Mu...

Jesus, o Verbo da Vida

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana milton marques junior evangelho traducao novo testamento mensagem crista no principio era o verbo
“No princípio era o verbo”. Esta é uma das mais controvertidas frases do Evangelho, menos pela doutrina do que pelo o que ela significa. Muitos têm se debruçado sobre o significado de lógos, em grego. Como traduzi-lo? Verbo ou razão? As discussões quase sempre se encaminham para argumentos isolados do contexto. Não há como negar a dificuldade da tradução, mas ela não pode ser feita considerando-se apenas a palavra. O contexto em que ela se apresenta, diga-se que é um contexto único no Evangelho de Cristo, deve ser considerado. Essa frase que inicia o Evangelho de João e que só aparece nele está dentro de um texto que se quer assertivo e predicativo.

ambiente de leitura carlos romero cronica conto poesia narrativa pauta cultural literatura paraibana milton marques junior evangelho traducao novo testamento mensagem crista no principio era o verbo
Original do Evangelho / Original em grego
Frederico Lourenço, tradutor do Novo Testamento, direto do grego, nos comentários ao Evangelho de João, diz que a tradução de lógos por “verbo” não é satisfatória, tendo em vista que as duas acepções básicas – verbo, como discurso, e razão, como formulação de um pensamento racional – são cabíveis e como não podemos colocar as duas, devemos optar por uma delas. Verbo se tornou a opção mais viável na língua portuguesa, continua o tradutor, desde a opção de São Jerônimo para a Vulgata. Claro, que o tradutor sempre está diante de um dilema, devendo fazer escolhas, que Umberto Eco chama de “negociação”. No entanto, as negociações na tradução devem partir do contexto e da estrutura do texto a ser traduzido. Não basta apenas ter o conhecimento da língua de partida – o grego – e da língua de chegada, no caso, a portuguesa.

No Evangelho de João, há uma nítida intenção de conceituação de Cristo como o Ser que É. Não só apresentando os seus atributos - Messias, Pão da vida, Pão que desceu do céu, Pão Vivo, Luz do mundo, água viva, Porta das ovelhas, Bom Pastor, a Ressurreição e a Vida, Mestre e Senhor, o Caminho, a Verdade e a Vida, Vinha Verdadeira, - mas principalmente o ser absoluto: Eu Sou.

Tais atributos têm o sentido de construir a crença no verbo que se fez carne, na palavra de Deus encarnada para a salvação, conforme o que se vê em 13,19:


"Digo-vos desde agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, acrediteis que Eu Sou.” (p. 14).

Tais atributivos, no entanto, não se resumem a declarações vazias de significado. Jesus demonstra um envolvimento do verbo com a ação, seja operando no individual. Seja no coletivo, não encontramos um distanciamento entre o que ele diz e o que ele faz.

Jesua e a Samaritana, 2016 Célio Furtado
Se Ele é a água viva, que se torna fonte gorgolejante para a vida eterna, Ele mata a sede da Samaritana (Capítulo IV); se Ele diz que as obras que faz testemunham por Ele e pelo Pai, Ele cura o paralítico (Capítulo V); se Ele é o Pão da Vida, Ele realiza a multiplicação dos pães (Capítulo VI); se Deus não julga ninguém e lhe concedeu o poder de julgar justamente, Ele faz com se julguem a si mesmos os que querem julgar injustamente a adúltera (Capítulo VIII); se Ele é a Luz do mundo, devolve a visão ao cego de Siloé (Capítulo IX); se Ele veio para nos salvar, Ele se faz o Belo Pastor, cuidando com esmero de suas ovelhas, para que todas tenham vida em abundância (Capítulo X); se Ele é a ressurreição e vida, ressuscita Lázaro (Capítulo XI); se Ele é o caminho, a verdade e vida; Ele anuncia a vinda do Consolador, para nos ensinar e nos lembrar de todas as coisas, que Ele nos disse, e que testemunhará a seu respeito (Capítulos XIV, XV e XVI); se Ele diz ter vencido o mundo, é porque deixou entre nós a semente frutífera do Amor, que deverá nos redimir (Capítulo XVII).

Assim, podemos dizer que, em não havendo separação entre o que Jesus prega e o que realiza, o lógos não pode ser outra coisa que não o verbo, cuja razão se fez carne, para nos revelar a vida plena, só possível com a nossa doação ao outro, por essa caridade maior que se chama Amor. Jesus é o Verbo da Vida.


Milton Marques Júnior é doutor em letras, professor, escritor e membro da APL

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE
  1. Salve Milton!!!... está muito bem desenvolvida a sua análise , no transcurso de seu texto ...e apensado o aditivo de seu comentário!
    Parabéns👏👏👏
    Paulo Roberto Rocha

    ResponderExcluir

leia também