Na primeira parte do livro “O Homem que viu o disco voador”, de Rubens Teixeira Scavone, uma frase do novelista norte-americano Carl Sandburg é
citada como epígrafe:
“O homem branco riscou na areia um círculo pequeno e falou ao pele vermelha: isto é o que os índios sabem. Depois, riscando um círculo maior em torno do pequeno, acrescentou: e isto é o que o branco sabe. O selvagem tomou o bastão e traçou um círculo ainda maior, abrangendo
ambos os círculos, e disse: isto é o que branco e vermelho não sabem”.
O que é o conhecimento? De onde ele vem? Como emerge no ser humano? Como a humanidade o acumula?
Acho salutar começar um texto sobre esse tema com perguntas, como também concluí-lo.
A humildade diante do conhecimento ilumina o caminho para a sabedoria. Conforme disse Albert Einstein, "mais sabe aquele que se apercebe de que pouco sabe".
CC0
Ao aprender com os outros, como ensina Confúcio, abrimos as portas para uma sabedoria coletiva. "Aquele que aprendeu muito, ama muito", disse o sábio chinês.
A humildade perante o conhecimento enriquece o caráter, moldando-nos em seres mais completos e compreensivos. Ser humilde diante da vastidão do que se ignora não se traduz apenas em reconhecer lacunas, mas também em partilhar ideias. O aprendizado é um ato coletivo, onde o bom senso nos impele a reconhecer a influência dos que vieram antes de nós.
Diante do vasto universo do saber, cultivar a humildade é regar a semente de um entendimento mais amplo. Como disse Mahatma Gandhi, "a verdadeira educação consiste em pôr a descoberto ou fazer atualizar o melhor de uma pessoa".
Mahatma Gandhi (1931) James A. Mills
A ciência atual aponta para a interação entre fatores neurobiológicos e ambientais. Estudos recentes, como os de Herculano-Houzel e Kandel, enfocam a importância da conectividade neuronal e da formação de sinapses na consolidação do aprendizado, numa abordagem neurocientífica que investiga os mecanismos cerebrais subjacentes à memória e à retenção de conhecimento.
Teorias contemporâneas em psicologia educacional, como as de Bransford e Schwartz, sublinham a relevância do contexto e da aplicação prática no processo de aprendizagem. A ideia de "aprendizagem situada" destaca a importância de incorporar o conhecimento em situações do mundo real para uma compreensão mais profunda e duradoura.
Essa convergência de evidências e descobertas científicas revela que a apreensão de conhecimento é um fenômeno multidimensional, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e tecnológicos, numa integração que impulsiona a evolução das práticas educacionais e da compreensão sobre como otimizar o aprendizado humano.
Mas o conhecimento humano seria apenas a combinação de informações, experiências e reflexões, tanto internas quanto ambientais, que servem para moldar a nossa percepção do mundo, a partir de interações bioquímicas intra cerebrais?
Numa perspectiva onde a alma e o espírito se reduzem à "mente", a abordagem dominante sobre o tema ainda não está tão distante assim da "tábula rasa" de Locke, segundo o qual a mente humana é, inicialmente, como uma folha em branco, sem ideias inatas, pois todo conhecimento adviria da experiência sensorial, que se dividiria
John Locke CC0
Fato é que há uma curiosidade inata que nos impulsiona a explorar, questionar e descobrir. Conhecer não é apenas acumular fatos, experiências, conceitos; é a capacidade de aplicar, contextualizar e compreender, num esforço que transcende as telas digitais e as páginas dos livros e se manifesta na prática cotidiana, na resolução de problemas e na tomada de decisões embasadas.
Além dos teóricos contemporâneos e de Locke, diversos outros pensadores e autores, de épocas distintas, contribuíram com diferentes perspectivas sobre a natureza e os limites do conhecimento.
Platão, na antiguidade, delineou a Teoria das Ideias, argumentando que o conhecimento verdadeiro é inato e reside no mundo das formas eternas. Aristóteles, por sua vez, enfatizou a experiência sensorial como a base do entendimento, promovendo a observação empírica como via para o conhecimento.
AristótelesNetmundi.org
Immanuel Kant, no século XVIII, propôs uma síntese entre empirismo e racionalismo, introduzindo a ideia de que o conhecimento é moldado pela interação entre a experiência e as estruturas a priori da mente.
Ludwig WittgensteinBritannica
Ivan Pavlov explorou o condicionamento clássico, mostrando como as associações entre estímulos podem levar à aquisição de conhecimento. A teoria de Pavlov está centrada na aprendizagem associativa e no condicionamento clássico. Ele desenvolveu a ideia de que os organismos, incluindo os humanos, aprendem por meio da associação entre estímulos. Em suas experiências com cães, observou que era possível condicionar uma resposta automática a um estímulo previamente neutro após associá-lo repetidamente com um estímulo incondicionado. Segundo Pavlov, o conhecimento é adquirido por meio da formação de conexões entre estímulos e respostas, sugerindo que a experiência e a associação são fundamentais para a aprendizagem e, por extensão, para a aquisição de conhecimento.
Thomas KuhnPrabook
O físico Thomas Kuhn, em seu livro "A Estrutura das Revoluções Científicas", discutiu como o conhecimento científico progride através das revoluções científicas. Segundo Kuhn, a ciência não avança de maneira contínua, mas sim por meio de fases distintas que ele chamou de "paradigmas". Um paradigma é um conjunto de conceitos, teorias, métodos e padrões de pensamento que prevalece em uma determinada comunidade científica durante um período.
Kuhn argumenta que a ciência normal ocorre dentro dos limites de um paradigma, onde os cientistas trabalham para resolver quebra-cabeças e anomalias dentro desse sistema de crenças compartilhadas. No entanto, eventualmente, surgem anomalias que desafiam a capacidade do paradigma de explicar certos fenômenos.
Essas anomalias podem levar a uma crise, e é nesse ponto que Kuhn introduz o conceito de "revolução científica". Durante uma revolução, ocorre uma mudança radical nos fundamentos da ciência, com a substituição de um paradigma por outro. Esse novo paradigma não é uma simples extensão do antigo, mas representa uma visão de mundo completamente diferente.
"A soberba precede a ruína" é uma citação bíblica que pode ser encontrada em Provérbios 16:18. Essa passagem alerta sobre os perigos da arrogância e da presunção.
De soberba em soberba, a ciência produz crises que a arruinam e a fazem renascer sobre novas bases.
Reduzir o conhecimento a uma secreção cerebral é mecanizar o funcionamento da inteligência, sendo este um pecado que a ciência vigente ainda comete. Pouco a pouco, porém, a resistência ao elemento Psi vai cedendo lugar à evidência de sua presença e influência.
A abordagem reducionista e mecanicista sobre o conhecimento humano tentar explicar o desenvolvimento da inteligência e o acúmulo do saber isolando elementos específicos, como neurônios e processos cerebrais,
Wallhere
Uma perspectiva mais abrangente do conhecimento consideraria a interação dinâmica entre aspectos biológicos, experiências pessoais, contextos sociais, culturais e, também, metafísicos, reconhecendo a mente como um sistema complexo, onde o todo é bem mais do que a soma de suas partes.
O conhecimento humano não pode ser totalmente explicado apenas por processos cerebrais ou fatores isolados, mas deve ser analisado em um contexto mais amplo, levando em consideração a multiplicidade de influências que moldam a compreensão e a interpretação do mundo. O saber resulta da interação complexa entre experiências, contextos culturais, conexões interpessoais e reflexões individuais. Não é limitado a uma fonte única, mas emerge da inter-relação dinâmica entre diversos elementos, incluindo as vivências pessoais, o aprendizado formal, as trocas sociais e as dimensões espirituais da experiência humana, abrangendo toda natureza integrada do processo do conhecimento.
É fundamental reconhecer a dimensão espiritual e transpessoal da experiência humana, incluindo os estados de consciência expandida e a busca por significados mais profundos para a existência.
O saber não é apenas um mero derivado de processos cognitivos ou sociais, é também uma expressão da conexão mais profunda com aspectos transcendentais da vida humana.
Stanislav GrofMubi
Grof sugere que as experiências transcendentais podem oferecer uma compreensão mais profunda da realidade, ao permitir o acesso a um conhecimento arquetípico.
Ken Wilber igualmente aborda o processo da apreensão do conhecimento de uma maneira holística, desenvolvendo uma abordagem chamada "Teoria Integral", que busca incorporar e transcender diferentes perspectivas para oferecer uma visão mais completa da realidade.
Ken WilberNorbert Kocsis
Além disso, Wilber destaca a importância da integração e da transcendência, argumentando que a busca pelo conhecimento não se limita a uma única perspectiva ou domínio.
Assim como Grof, ele incentiva a consideração de diversas disciplinas, tradições e níveis de consciência para uma compreensão mais completa e evolutiva do conhecimento humano.
O processo de apreensão do conhecimento é um fenômeno complexo e interconectado, que abrange várias dimensões e níveis de desenvolvimento. Sua abordagem integral deve buscar incorporar e transcender as limitações de perspectivas isoladas para oferecer uma compreensão mais abrangente, ampliando a visão convencional a respeito da gênese do conhecimento, ao incluir aspectos espirituais e transpessoais na equação, e oferecendo uma abordagem mais abrangente da natureza humana e do desenvolvimento do conhecimento.
PGAI
"Só sei que nada sei", disse Sócrates. "Que sei?", questionou Hippolyte Taine. Mas quem, como eu, não sabe se sabe ou se não sabe, está mais certo ou mais errado?