Veio a insônia, talvez o receio de me entregar aos fundões da noite, e acendi a luz da varanda como a procurar companhia. Num cantinho ao lado da cadeira vegeta uma pilha de livros à espera de leitura. Entre eles — os demais que não se queixem — o Ulysses da professora Bernardina da Silveira, já que não fui adiante, por mais que se exigisse de um leitor de romances, o de James Joyce na tradução do grande Houaiss.
“Mas ainda não há de ser agora – reincidi. São dois grossos volumes a exigirem de mim uma disposição que a fronteira da idade não estimula. O de que mais preciso nesta hora deserta é de conversa livre, prosa cheia, animação.”
Tião Lucena
Tião escreve como conversa, se não no oficio de advogado ou de repórter, respeitando o padrão de um ou o manual de redação do outro, invariavelmente como cronista ou colunista sem peias. Com a vantagem ou ousadia de respeitar na conversa escrita a linguagem despregada do seu veio original pouco importando o calão de imediato efeito cômico.
Zé Cavalcante celebrizou-se ao verter para a escrita, com o mínimo de achegas do seu nível sociocultural, o riso solto e livre do povo que fervilhava nele. Do povo que o fez político. Tião raspa o tacho, localizando em sua Perdição, “uma cidade no mundo encantado do sertão” o humor rolando do subsolo social comum a toda uma região. Vem de tudo, sobretudo o tragicômico.
“Eles faziam festa, dançavam, cantavam, namoravam, não se preocupavam com tristezas, jamais se decepcionavam, no máximo sentiam saudades de alguém que, forçado pelas circunstâncias, tinha que partir para outros mundos. O reino encantado do sertão se chamava Perdição”.
Tião Lucena
Tião Lucena
* Publicado originalmente em A União