Para Genilda Azeredo e Antônio Morais, Lu Damasceno, Edvânea e Medianeira
Desde que ouvi a atriz Cláudia Abreu estrear o seu monólogo – “Virginia – Um inventário íntimo”, que leio sobre o espetáculo, assisti à sua live de estreia, e acompanhei o percurso desse seu trabalho. Até que o Inventário chegou ao Recife. Logo me acoleguei com amigas para irmos ao Teatro do Parque (que eu não conhecia e fiquei maravilhada com aquele jardim, o teto de engrenagens expostas, pinturas lindas nas paredes e ladrilhos hidráulicos na entrada). O endereço na Rua do Hospício foi um ato falho, talvez, já que iríamos assistir a momentos do último mergulho de uma escritora que viveu atordoada pelas vozes outras e tirou a própria vida – Virginia Woolf!
Virginia Woolf Havard University
A inspiração para o monólogo de Cláudia teve seu ponto de partida, quando aos 18 anos, encenou Orlando, adaptação do romance de Woolf, mas que segundo ela, não tinha idade nem alcance, para apreciar tamanha complexidade de narrativa. Anos depois, se reencontrou com
E foi isso ao que assistimos no Teatro. Uma mulher vestida de branco, representando Virginia Woolf, se afogando no rio Ouse. E nesse momento de encontro com as águas, os musgos, as flutuações da mente, ela delira e conversa com os personagens importantes da sua vida e/ou dos seus escritos, como Mrs. Dalloway, Septimus e talvez outros. Mas, principalmente a sua mãe, morta quando a escritora tinha 13 anos; o seu pai e a sua força patriarcal e opressora; os seus irmãos (abusos e violência); suas irmãs, perdas e sofrimentos; o grupo Bloomsbury, e a arte explodindo, o sexo, a sodomia e as relações livres; a guerra – vivências aterrorizadoras; Vita Sackville-West, e o amor; Leonard Woolf, seu marido, “um homem selvagem, misantropo, que não acreditava que alguém pudesse fazer algo de surpreendente após os vinte e cinco anos”, e as
Vita Sackville-West
National Gallery
National Gallery
E o inventário de Virginia segue, enquanto se afoga e Cláudia nos seus movimentos, ora suaves ora bruscos e musicados, mergulha literalmente no rio Ouse, e nas memórias e pensamentos de Virginia diante da vida. A imensidão da água, a perplexidade, o distanciamento de tudo, o alívio, a paz, e o viver, diz o texto. E as ondas a arrebentarem na memória de uma criança meio absorta numa praia.
Eu sou Virginia. Adeline Virginia Stephen Woolf. Virginia Woolf. E que descoberta extraordinária: agora não me sinto mais sozinha, eu tenho a literatura.
Cláudia Abreu como Virginia Woolf SESC-MG
Encerrando a programação recifense só uns passeios na Livraria Jardim e um almoço dominical no restaurante Leite, que eu tinha ido algumas vezes na infância e na adolescência, na companhia de tios e primas. Que viagem nas minhas memórias! Tomada pelo que tinha visto na véspera pela maravilhosa interpretação de Cláudia Abreu como Virginia Woolf, também mergulhei numa taça de vinho branco, um prato de frutos do mar, e uns passeios por viagens do século passado.