Um ano se passa, e então o outro, e minha vida transcorre inofensiva. Tento por um tempo passar algumas horas em outra cidade, mas meu prazo curto é inútil para sentir o arrepio de quero mais.
A rotina me empurra para as ruas da cidade, mas logo acabo sufocado. Descobri que não nasci para caminhar em calçadas poluídas.
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Minha liberdade tenta navegar como um rio desviando das curvas de seu leito, na tentativa de provar que pertenço a essa cidade. A ala na mansão fechada em mim, quase inexplorável, não vê o momento poético de se transformar em prosa, e se libertar das amarras do antigo estilo de vida.
Talvez eu nunca tenha a hipótese de respirar fundo os últimos suspiros do mundo escondido, e apagar aquele tempo quase desaparecido em meus neurônios.
Enquanto minhas memórias se mantém desenhadas, percebo que existo, e mantenho o caminhar a passos firmes rumo aos vales e vilarejos com os quais que sempre sonhei.
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Flanar, do verbo francês flâner — andar ao léu, perambular sem rumo — é, mais que um simples deslocamento, um mergulho na própria alma, uma travessia profunda à disposição de quem ousa se perder para se encontrar. Flanar também pode ser um pacto de vento entre o escritor e seus leitores, como fez Joaquim Manuel de Macedo em 1851. Em sua crônica publicada na revista Guanabara, intitulada
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Flanar e ser cronista guardam entre si uma afinidade secreta — como quem, sem ter o que fazer, encontra na ociosidade uma desculpa legítima para produzir arte, moldada não para si, mas para o prazer alheio. O leitor, distraído entre afazeres, entrega um pedaço de sua existência à imaginação do escritor, que por sua vez escreveu em pensamento, à moda de Balzac — como se cada passo pelas ruas fosse também uma frase não dita, uma crônica invisível esculpida no tempo.
Somos ativos viajantes de nosso tempo. Por isso encontramos maneiras alternativas de conviver com nossos problemas e os dos outros, em franca harmonia.
O diabo não precisa seduzir com o mal explícito. Ele distrai com o que é inútil, afasta do que é essencial. Age sem alarde, sem chifres ou espantos — apenas com a sutileza de quem sabe que o supérfluo, aos poucos, esvazia a alma.