Faltou luz em dia desta semana e na noite chuvosa não houve lua. E me vi com as mãos atrás da nuca, bem acomodado à rede, o olhar preso a um teto de lona encerada que não é o de meus aposentos nestas noites insones de hoje. Nele repetem-se sombras que figuravam as apreensões de um jovem rapaz que fazia versos de imitação e partia com eles à procura de destino. Como vem de longe isso!
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“O que você espera ser ou fazer ficando aqui?! Aqui já deu o que tinha de te dar, um pai analfabeto que gastou o que tinha para manter o filho num colégio de fora” – quase me aberturando, foi o velho Oscar, em cuja loja meu pai tinha cadeira cativa. E toca no que mais me afligia: “Sua mãe, mesmo sem você aqui, não vai ficar sozinha. Fique certo disso.”
Tinha razão o mais acreditado dos nossos amigos. Decorridos três anos de orfandade, interrompidos os estudos no colégio, eu não fizera mais que me entregar à camaradagem com iniciação nos vícios da idade e nalguma leitura de antologia escolar, exceção ao poeta do Eu que vim encontrar algum tempo depois numa antologia de Cretella Júnior lida em voz alta numa roda do café de Joana, que servia cerveja até o motor da luz dar sinal de apagar.
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O que sabia fazer para oferecer-me a um jornal da capital, por mais que confiasse na carta de apresentação do vizinho e amigo nosso, homem de espírito, pai de Wills, de Teócrito, irmão do diretor de O Norte, o jornalista José Leal. Minha experiência de trabalho aos 17 anos, dedógrafo na qualificação de eleitor num birô eleitoral e diarista no Censo de 1950, não ia além do eventual.
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Foi a primeira viagem de horizonte empoeirado das poucas que empreendi. Até pegar o ônibus da Bonfim, deixar no forro velho as fantasmagorias da descrença em meu passos e apresentar-me, com Anchieta Leal, ao meu primeiro empregador, José Leal Ramos, jornalista, historiador, cujas ideias, por mais conservadoras, não apagam o modelo de homem que sobrevive em nossa gratidão e na nossa memória seletiva.