A primeira coisa que se experimenta ao dirigir em uma cidade com trânsito disciplinado é o surpreendente nível de solidariedade e educação reinante nas ruas e rodovias. Em nenhuma situação passa-se na frente do outro e, em todas, dá-se preferência a quem precisa ultrapassar. Ao pedestre, então: todo o respeito imaginável!
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Mas, na relação entre os condutores, ainda somos um tanto atrasados. Frequentemente, ao chegar dirigindo próximo ao destino pretendido, assim como em casa, sinalizamos com a devida antecedência, seja para estacionar ou entrar em algum portão, mas frequentemente levamos uma buzinada nas costas. É tão grosseira a atitude de quem não suporta ceder espaço ao semelhante, mesmo vendo que o mesmo avisou...
Certa vez, cheguei a baixar o vidro e perguntar ao cidadão que buzinava atrás: “posso entrar na nossa residência, meu caro?”... Sem falar no estresse dos apressadinhos que tão logo o sinal fica verde tratam de perturbar com sua frenética buzina.
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Certa vez, intrigado com tamanha fineza observada no trânsito de Mainz, cidade vizinha de Frankfurt, indagamos a nosso amigo alemão sobre sua origem. Sem responder de imediato, ele nos levou a uma escola que havia perto de sua casa. No pátio ao ar livre, uma mini-cidade, construída em escala compatível com os pequerruchos, servia de base para o treinamento dos futuros motoristas. Com semáforos, faixas de pedestres, sinalização completa, os estudantes, dirigindo pequenos veículos, praticavam a cidadania sob atenta instrução do “professor” guarda de trânsito.
Heatherton
carlosromero.com.br
Eis que, na velhice, a vida volta a ensinar que nascemos intrinsecamente dependentes um do outro. Na mesma calçada onde costumamos levar buzinadas antes de entrar na garagem, avistei, certo dia, uma senhora bem velhinha, de braços dados com uma moça, a passos demasiadamente lentos, e pensei... aquilo já foi exatamente o contrário… A vida progride em ciclos desde priscas eras, fartos em ensinamentos que passam despercebidos. Vemos jovens debochar de velhos como se não estivessem fadados à mesma condição no futuro.
Lembro de que numa das movimentadíssimas esquinas da Leicester Square, em Londres, aguardávamos o sinal abrir para atravessar pela faixa de pedestres. Então nosso pai, Carlos Romero, percebeu, ao lado, um rapaz segurando o carrinho de seu bebê, também à espera do sinal. Cutucou-me, falando baixinho: “Diga-lhe que, no futuro, eles trocarão de lugar e estarão como nós agora”. O rapaz sorriu concordando e seguimos com a consciência feliz rumo à solidariedade, que até pode ser intrínseca à nossos sentimentos, mas é certo que se fortalece com a educação das maneiras de sentir.