Durante a pandemia, virei plateia de podcasts. Muitos. Maravilhosos. E os de psicanálise então... Christian Dunker, meu travesseiro em noites longas. Os de literatura também. Recentemente ouvi Marcelo Rubens Paiva e Martha Nowill (atriz que conheci há algum tempo nas Séries, Felizes para Sempre (TV Globo) e Pedaço de Mim (Globoplay), e no podcast da psicanalista Vera Iaconelli, “O Estranho Familiar”, dos meus favoritos), no podcast 451MHz, Feira do Livro 2025. Os dois falando dos seus livros sobre parto e filhos pequenos.
Martha Nowill e Marcelo Rubens Paiva Apple Podcaasts
Marcelo do ponto de vista do pai, claro, e Martha, mãe de gêmeos. Esses dois escreveram livros sobre o tema e participaram da última Bienal do Livro, São Paulo. Martha, a partir de trechos de seu diário, publicado antes na Revista “Piauí”, e depois no livro: Coisas importantes depois serão esquecidas, 2025, e Marcelo, no seu livro O novo agora, 2025, completando a trilogia com, Feliz Ano Velho, Ainda Estou aqui.
Me chamou atenção Marcelo, no lugar de fala masculino, reclamar que, as mulheres não escreveram sobre o parto e toda essa experiência selvagem, dolorosa, indescritível e indecifrável ao longo do tempo. E cita Virginia Woolf, Jane Austen (escritoras sem filho), mas também Clarice Lispector e Raquel de Queiroz. Já Martha, de outra geração, desde que teve gêmeos, que só fala disso. E confesso que chorei ao ouvir os trechos lidos pelos dois, verdadeiros poemas em forma de crônica e/ou diário, ou confissão.
Rachel de Queiroz / Clarice Lispector TV Escola/IMS
Já Marcelo, fala de um balde! Esse objeto caseiro e enigmático na sala do parto, que esperava pacientemente pela placenta da sua então mulher, do momento selvagem do parto, do ficar ou não em frente à cena, da mulher em posição da expulsão e do seu estranhamento frente às palavras/repertório como: puerpério, placenta, do alien dentro da barriga, do não dar conta, da vida que jamais será a mesma, todos os medos das mulheres, e jamais imaginados pelos homens/pais, pois esses, até então, nunca mudaram uma vírgula das suas vidas porque foram pais.
Fiquei a matutar sobre os meus partos. Dois. Na época, fiz relatório para a minha professora Cristina, da Yoga. E não tenho cópia. Escrito à mão, com sangue, suor e
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lágrimas. Um desabafo, diante do meu primeiro parto, o de Lucas. Queria parto normal, humanizado, mas a minha médica era homeopata e não tinha os direitos de me acompanhar no Hospital Universitário. Trabalho de parto longuíssimo, doloroso, e eu, mergulhada em medos e até pânico. Tive parto induzido, a fórceps, tudo bem difícil, não fosse meu cumpadre Zezinho Tavares (Dr. José Arnaldo Tavares), me acompanhado nesse processo tão doído e assustador.
Quando tudo terminou e fui para o quarto, entrei num estado de choque e um quase alheamento, pois não acreditava que tinha sobrevivido a tudo aquilo. Demoras, desconforto, dor, e mais demora. Meu filho bebê, grande e sadio, me dava as boas-vindas. E eu a ele. Até hoje! Mas lembro que, na gravidez, um período de felicidade extrema, quando me achei linda e exuberante com meu barrigão e peitões, também sentia todos os medos que Martha cita. Mas eu não ousava enumerar. Nem sabia processar tudo o que me acontecia. Embora tinha todos os sentimentos ambíguos que uma mãe sente. Sempre e por toda uma vida. Mas que só recentemente se fala e se escreve sobre.
Martha Nowill @marthanowill
E Martha enumera esses medos no seu livro; medos esses que só uma mulher poderia sentir, assim reforça Marcelo: “medo de nunca mais dormir. De não ter dinheiro suficiente, da barriga explodir, de ter estrias gigantes como vales cortados por imensos canyons, de os bebês acabarem com o casamento, de não ter trabalho (Martha é atriz), pavor do parto, medo do bico do peito rachar e sangrar, ter depressão pós parto, dos filhos morrerem, de virar uma mãe louca, de não amá-los, da vagina rasgar, dos cortes, dos inchaços, de emburrecer, de me tornar uma mulher desinteressante, do marido não me amar mais...”
O meu segundo parto, o de Daniel, foi também difícil. Havia pensado que jamais teria coragem de novo. Mas a natureza é sábia e faz a gente esquecer. Ou superar e tentar de novo como dizia Samuel Beckett. Try again, Fail again, Fail better (Tente novamente, Falhe novamente, Falhe melhor) Foi também parto normal. Mas com um menino grande e gordinho, tive algumas dificuldades, e mal assistência de novo. As mulheres só eram bem cuidadas em cesarianas.
Ana Adelaide Peixoto
Parto normal nos anos 90, pouca receptividade. Mas não tive o choque do primeiro. O estado de apavoramento. E tomei as rédeas. Respirei. Cachorrinho e respiração profunda. Mas, mesmo assim, não evitei uma hemorragia e um porre de anestesia para terminar tudo bem. Não sei de balde nenhum, nem Juca me descreveu como Marcelo. Mas também se horrorizou com a cena de frente. A médica não o orientou a ficar ao lado E a placenta dessa vez foi enterrada no quintal. Não sei bem para que, mas tinha um pé nos ensinamentos naturalistas, admirava esse contato com uma ancestralidade que me rondava. Para logo descobrir que tenho minhas mãos mais no conforto, no futuro, e na relação com o acolhimento sem dor.
No parto da minha neta, Luisa, a mãe, Nathalia, se preparou para um parto humanizado e natural. Teve doula, parteira, obstetra, e anestesia, não sem antes viver as chamadas dores do parto. E eu, em silêncio na espera, revivia aqueles momentos doídos, solitários, que um dia eu também os tive. E que, tantas mulheres tiveram e ainda os tem.