As flores amarelas do pau-brasil pendiam nas passarelas da praça, as primeiras a anunciar a chegada da primavera, espalhadas pelo chão...

A moça e as flores

As flores amarelas do pau-brasil pendiam nas passarelas da praça, as primeiras a anunciar a chegada da primavera, espalhadas pelo chão que pouca gente observava. O dia estava morno e ligeiramente nublado, com nuvens esparsas passeando lentamente. Embora o sol do meio-dia aparentasse mormaço, o frescor da sombra convidava a sentar. Ao redor da praça, o movimento de carros e o dia abafado não conseguiam tirar a suavidade do bailado das pétalas despencando.

Gustavo Giacon
Eu vinha a passos sonolentos pelo bairro de Tambiá, caminhando com as lembranças dos anos de 1970, quando morava nas proximidades da Praça da Independência. Havia acabado de descer do ônibus, após concluir a viagem com destino ao centro da cidade, um percurso de poucos quilômetros desde minha casa. Ao meu lado, duas senhoras de idade avançada, tagarelas, discutiam coisas banais; a voz delas se espalhava por todo o veículo, e os passageiros se entreolhavam, calados. Eu também. Somente as duas conversavam.

O dia seguia com um leve mormaço, desses que antecipam a chegada da primavera. Durante a viagem, eu folheava um livro; o ônibus avançava lento, e a conversa das senhoras parecia não ter fim. A essa altura, pensamentos intermitentes chegavam das diversas leituras de poemas de Drummond e das aulas do professor Milton Marques Júnior sobre Os Miseráveis, aos sábados, na nossa Academia Paraibana de Letras.

PMJP
Aquela conversa interminável e desconexa das senhoras era a pedra no meio do caminho da lotação, diferente daquelas pedras imaginadas pelo poeta de Itabira. Mas, finalmente, entre solavancos do veículo e diálogos infindos, cheguei à Praça da Independência e saltei do ônibus com um suspiro de alívio.

Muitas vezes eu passava pela praça sem me dar conta das flores do pau-brasil, essas árvores que são o símbolo de nossa nação, e observava outras árvores e plantas que ornavam as alamedas sem perceber o suave perfume.

Na antevéspera da primavera, caminhando pela praça, uma jovem colheu uma flor do pau-brasil e a colocou na palma da mão. Vendo que eu observava a cena, sorriu levemente. “Linda!”, pensei. — Chamarei-a de Sofia. Em passos lentos, seguiu calada com as flores entre os dedos. Eu segui também silencioso.

Anna Karina Antunes e Defaveri
Próximo a lugares como esse, não tenho noção de quantas almas tenho. Mesmo que não mude a todo momento, transformo-me sempre que contemplo a natureza, quando observo uma moça colhendo flores.

Então, Deusa das Árvores, agradecido, eu te louvo por fazer brotar a tímida alegria do verde das folhas e do amarelo dessas flores do pau-brasil, tão pequenas e tão lindas, que despencam sobre nossas cabeças. Os regatos, as plantas, as flores — essas pequeninas flores — atraem a atenção de Sofia. Ela me segredou isso enquanto caminhávamos juntos por uns vinte metros, antes que nos desviássemos para nossos rumos:

— Acho linda a flor de caju. Lírios brancos, também.

Foi quando percebi que, realmente, ela tinha apego às pequenas flores. No mundo barulhento e opressivo, quando parecemos solitários, o perfume das flores — mesmo que seja de uma pequena flor — traz um afetuoso aviso de coisa boa.

GD'Art
O cronista está cansado e gasto, feito bicho vazio a buscar sentido para edificar projetos. Nesse instante, a Deusa das Árvores manda uma penca de flores, que despencam sobre nós. A moça, que caminhava perto, pega uma flor e beija as pétalas, sem querer chamar a atenção.

Começava o período de estiagem. Eu deveria ter uns dez anos e morava no sítio. Nunca esqueci o que presenciei: uma prima tentava resgatar um pássaro que estava em uma árvore na beira do açude, com o vento agitando sua saia.

Se eu fosse prefeito, plantaria flores nas praças. Muitas flores, grandes e pequenas, de todas as espécies: rosas, orquídeas, lírios. Plantaria árvores que dessem flores — dessas miúdas — para que as moças que amam as flores pudessem colher e se sentir felizes.

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