Detesto academia. Sempre detestei, mesmo quando jovem, embora nunca tenha sido jovem de verdade. E também naquela época nem tinha academia de ginástica, ginástica não, hoje se diz treino, musculação. Fazíamos ginástica na escola e eu odiava. Gostava de esporte; vôlei, handebol.
Agora, depois de velha, somos quase que intimadas a fazer exercícios, os filhos insistem, a sociedade “exige”, os médicos quase que nos obrigam e a gente se sujeita e termina indo, não pra nos satisfazer, mas para pararem de nos encher a paciência. Digo isso, mas volto atrás num certo ponto. É bom, admito. É bom fazer amizades, rever velhas amigas, darmos boas risadas.
Unsp
— Isso é falta de sexo, tu precisas é de uma boa trepada – falou uma amiga bem desbocada—, porque vocês dois parecem que nem trepam mais.
— Trepar a gente até que ainda trepa —, respondi com um sorriso torto para ela, mas com parcimônia — e rimos uma risada gostosa as duas, diante daquela intimidade matutina.
Já em casa, fiquei pensando naquela conversa com a minha amiga desbocada e me veio à memória meus tempos de juventude. Juventude não, que não tive essa tal de juventude. Essa coisa boa que é você não se preocupar com nada. Só com as suas coisas. Casei-me muito nova, pulei da adolescência para a vida adulta.
Me peguei pensando, enquanto me exercitava na esteira da academia, nos anos que não vivi, que para mim foram em vão. Pensei nas coisas que deixei de fazer quando se é adolescente, jovem, inconsequente. Minha vida, desde que me lembre, sempre foi pautada na responsabilidade. Responsabilidade com casa arrumada, comida pronta, roupa lavada,
Brock Wegner-
Me perdi em meus pensamentos e quando olhei já tinha caminhado quase três quilômetros. O suor pingava. Desliguei a esteira e voltei pra casa. Entrei no banheiro. Precisava lavar meu corpo desse suor excessivo que sempre fez parte da minha vida. Ao tirar a roupa me deparo comigo mesma no espelho. Nua, examinei-me de frente. A barriga quase lisa ainda, mas isso devido à cirurgia plástica feita há anos. Os seios não mais empinados, nem de longe aqueles seios que o marido beijava com tanto ardor nos primeiros tempos. A vida cotidiana, o trabalho e a preocupação com os filhos roubam o nosso fervor.
Entrei no chuveiro e sem querer, do nada, lembrei uma cena erótica, o que há tempos não vinha em meu pensamento, de um filme da Netflix que se passava em um banheiro e me senti tentada a me dar prazer. Desci minha mão ensaboada até aquele lugar e com os dedos comecei a me esfregar. Senti o corpo esquentar, o rosto avermelhar. Continuei assim por alguns minutos. Com espanto e uma certa alegria percebi que ainda estava viva.
Oleg Ivanov
Me vesti, saí do banheiro e comecei a minha rotina diária. Abri o computador e fui terminar a revisão de um romance.
Omzgg
Vivíamos um para o outro sem precisar de palavras. Eu muito tagarela, ele muito reservado. Quando brigávamos nos reconciliávamos; sem palavras.
Ele não percebia minha inquietação, minha irritação diária, colocava a culpa na menopausa. Não percebia nada e se percebia não falava nada, nós não falávamos de nada. Mesmo que eu vestisse um novo vestido, cortasse ou pintasse o cabelo e saísse do salão me sentindo uma artista de cinema, ele simplesmente me olhava, dava um meio sorriso, mas não dizia nada. Nunca soube elogiar. Eu não me zangava, quantas vezes não fui impaciente
Amanda Vick
O amor dele se traduzia em atitudes, nunca em palavras.
Eu lia muito, ele não lia nada.
Os livros sempre foram meu refúgio. Recebia dos livros o que meu marido não me dava. O que não vivia na realidade vivia na ficção.
E sempre foi assim. Aquela era a nossa vida. Já me habituara. Esse era meu lugar e o meu papel no mundo. E não era inteiramente ruim. Não, não era.
Vivia sufocada por palavras não ditas, contidas. Presas.
Um dia me encontraram desfalecida com o coração aberto de onde jorravam rios de palavras.