Fausto Cunha escreveu que Augusto dos Anjos foi salvo pelo povo. Ele se referia ao entusiasmo e à fidelidade do homem comum ao poeta, em c...
Augusto dos Anjos e o povo
No in...
Argumento de peso
Algumas lembranças decisivas de minha infância ligam-se ao Colégio Diocesano Pio XI, de Campina Grande. Lá fiz o admissão e cursei uma par...
Lembranças do velho Pio XI
Sempre que vai um ano e vem outro, é comum refletir sobre o que se viveu e fazer planos para o futuro....
Um brinde aos sobreviventes
2021 vai ser o ano da vacina. Ou das vacinas, pois haverá muitas, com diferentes níveis de eficiência para as distintas faixas da população. O vírus não se extinguirá sem que em nosso organismo proliferem os anticorpos capazes de devorá-los. Curiosamente, ainda assim há quem se oponha a esse inestimável recurso da ciência – por ignorância, birra ou (o que parece mais comum) posicionamento ideológico. Chega-se ao ponto de desejar o fracasso de quem se empenhe em importar um tipo de vacina que tenha mais eficácia na cura da doença.
A vida é um processo de ajustamento contínuo às circunstâncias. Chegamos aonde chegamos na escala evolucionária devido à nossa ilimitada capacidade de adaptação. O ser humano se adapta a tudo, pois o instinto de conservação o impulsiona a ir em frente. Mas “ir em frente” não significa necessariamente evoluir. Pode significar, como no atual momento, apenas sobreviver. À meia-noite do dia 31, brindaremos sobretudo à nossa sobrevivência num ano em que tantos se foram.
Ele estava seriamente desconfiado de que Papai Noel não existia. Os pais protestavam, não queriam que se despedisse tão cedo da infância (...
A verdade e o sonho
“Oficina de escritores”, de Stephen Koch, é uma dessas bíblias que todo aspirante a escritor deve conhecer. Nele o autor condensa uma exp...
O ofício de escrever
Tenho um amigo que é sedentário por natureza e convicção, por isso fiquei surpreso quando o vi, recentemente, fazendo caminhadas perto de ...
Andar ou morrer
Aristóteles foi um dos primeiros a destacar o poder curativo das palavras. Através delas, é possível liberar tensões mentais. O próp...
A narcose do óbvio
Da tragédia para o que se chama literatura de autoajuda, transcorreram vinte e poucos séculos. Se há alguma coisa de comum entre ambas, é o apelo ao poder que as palavras têm de curar. No mais, distinguem-se tanto quanto um bom suco, feito com fruta natural, se distingue de um refresco industrializado. Na tragédia há personagens que se defrontam com situações-limite e expõem o que há em si de demoníaco e divino. Encurralados pela Falta que cometeram, eles sabem que não lhes resta outra saída a não ser a morte ou a loucura.
Na autoajuda fala-se do indivíduo comum, incapaz de outro heroísmo senão o de sobreviver numa sociedade violenta e desigual como a nossa. Nela os temores são banais e cotidianos, ligados à expectativa de ser assaltado, adoecer, ficar pobre. Sobretudo ficar pobre e ser exilado do paraíso do consumo. E são tantos os frutos a tentar esse Adão moderno! Não apenas a maçã, mas todo um pomar. O paraíso tem até sua serpente, que se chama promoção. Eva é que continua a mesma da versão bíblica.
Sei que há sempre um risco em falar sobre os livros de autoajuda, pois geralmente quem os critica não os lê. O problema é que quem os lê não os critica. Ficam então essas obras numa espécie de limbo, a depender do juízo ressentido dos intelectuais ou da empolgação ingênua dos fanáticos. Tento opinar sem ressentimento, à luz do que pude aprender sobre o ser humano em criações como a tragédia grega.
Segundo os aficionados, há na literatura de autoajuda sabedoria suficiente para garantir confiança nesta vida e esperança na outra (e ninguém precisa de mais do que isso para trabalhar em paz e ganhar o seu dinheiro, que é enfim o que conta). Para que perder tempo com grandes indagações sobre o sentido da existência? Para que cultivar dúvidas sobre o Universo ou a natureza da verdade? Dúvidas não saldam dívidas, e todos precisamos estar com a cabeça fria para bolar estratégias que nos livrem do cheque especial, dos agiotas, das financeiras... Que venham então esses compêndios de narcóticas obviedades.
* (os derradeiros momentos de Augusto dos Anjos) A febre não passava. Vinha com calafrios, tosse, dores nas costas. Bem que não deveria ...
Última revelação
Esse é o título do livro em que James Geary, editor na Europa da revista Time, faz um abrangente estudo sobre os aforismos. Ele mostra a e...
'O mundo em uma frase'
– Papai, o que é idiossincrasia? – “Índio” o quê? – Não é “índio”, é “idio”. ...
Diálogo de gerações
– Papai, o que é idiossincrasia?
– “Índio” o quê?
– Não é “índio”, é “idio”.
O pai hesita, pensa um pouco.
– Onde você viu essa palavra?
– Não interessa. Quero saber o que ela quer dizer.
– Aposto que foi na internet, em um desses saites suspeitos. Você está me escondendo alguma coisa...
Na obra de Carlos Drummond de Andrade , melancolia e ironia se alternam ou se confundem, concorrendo para traduzir com desencanto e humor ...
Melancolia e ironia em Carlos Drummond
Autor de um livro também intitulado “Eu”, o português Alfredo Pimenta está entre os autores que teriam influenciado Augusto dos Anjos. Con...
Augusto e Pimenta: uma comparação
Por exemplo: ambos fizeram versos à dor e à mágoa. Mas, enquanto Augusto dos Anjos identifica na mágoa um travo maiúsculo e definitivo, de ressonâncias metafísicas, o qual se constitui em marca da falta (mácula) humana –

Assim é que, no primeiro dos sonetos nomeados de “Santificação da mágoa”, ele refere a certa altura:
"Tudo em ti me revela uma tristeza Filha da grande dor da natureza, Bendita e santa irmã da humana dor!” (p. 14).
E, no segundo deles, remata o terceto final com estes versos:
“Que a tua dor, Mulher, seja infinita! Pois quanto mais sofreres, maior serás!”
Em Augusto dos Anjos, a dor merece um hino. É tratada, segundo a perspectiva cristã, como um ganho espiritual e, sobretudo, como um instrumento de ascese, conforme se pode constatar nos versos com que ele inicia o seu “Hino à dor”:

“Dor, saúde dos seres que se fanam, Riqueza da alma, psíquico tesouro, Alegria das glândulas do choro De onde todas as lágrimas emanam...”
E nestes outros, que aparecem pouco adiante:
“E, assim, sem convulsão que me alvoroce, Minha maior ventura é estar de posse De tuas claridades absolutas!”
São comuns aos dois poetas o panteísmo e a representação da Natureza. Ambos fizeram versos à pedra, à montanha, conferindo à superfície dura e inóspita desses elementos um recorte dramático. Confrontemos, quanto a esse aspecto, os versos de cada um deles. Em certa passagem, Alfredo Pimenta se refere à “... maldição que ouvimos/ Sair da boca duma pedra/ Quando com outra às vezes a ferimos!” Se comparamos o dramatismo dessa imagem com a representação que Augusto dos Anjos faz no primeiro dos sonetos “As montanhas”, de novo percebemos a significativa diferença que separa um do outro — quer pelo uso da linguagem, quer pela integração, diríamos, dialética, entre o elemento plástico, exterior, e o componente anímico e subjetivo.
Eis os versos do paraibano:
“Quem não vê nas graníticas entranhas A subjevidade ascensional Paralisada e estrangulada, mal Quis erguer-se a cumíadas tamanhas?! Ah! Nesse anelo trágico de altura Não serão as montanhas, porventura, Estacionadas, íngremes, assim, Por um abortamento de mecânica A representação ainda inorgânica De tudo aquilo que parou em mim?!” (352).
No trecho de Pimenta, o que se tem é a sumária indicação de um conflito, própria somente para figurar o sentimento, ou melhor, o ressentimento que acomete a substância bruta quando agredida. Augusto, por sua vez, alude a um combate que se constitui em leit motiv da sua obra, representado pelas contradições entre instinto e alma, matéria e espírito. Sendo um “abortamento de mecânica”, um resíduo inorgânico, a montanha alegoriza a própria morte como pulsão, que se contrapõe aos anseios eróticos, vitais, e se constitui em sombrio e permanente aceno para o homem.
Há em ambos os poetas o mesmo fundo mórbido, a mesma perplexidade ante a voragem contraditória de sentimentos e conceitos que marcaram o final do século XIX. Tanto Alfredo Pimenta quanto Augusto dos Anjos vivenciaram intensamente esse clima, marcado pela sensação de decadência e pela expectativa de um fim iminente, do qual emergiria uma nova ordem.
Mas cada qual espera ou propõe o novo à sua maneira. Pimenta chega a sonhar com a revolução social, concebida romanticamente; Augusto deseja a redenção espiritual do homem. E se um, a despeito dos ideais progressistas, permanece formalmente preso ao passado — o outro inova em termos formais, utilizando-se de recursos (o coloquialismo, por exemplo) que o incluiriam na modernidade literária brasileira.
Alice desistiu de procurar a Rainha, mas não estava nada satisfeita com as mudanças de tamanho. Era muito doloroso não saber como ia acord...
Revisitando 'Alice' (2)
Cansada de aumentar e diminuir de tamanho, Alice resolveu procurar a Rainha. Marchava firmemente em direção ao palácio (dessa firmeza qu...
Revisitando Alice
Cansada de aumentar e diminuir de tamanho, Alice resolveu procurar a Rainha. Marchava firmemente em direção ao palácio (dessa firmeza que a gente tem nos primeiros momentos em que toma uma decisão), quando viu embaixo de uma árvore um Bicho esquisito. O Bicho acenou, rindo, e como é difícil resistir a quem nos acena rindo, ela se aproximou.
– Eu soube que você tem lido muito. É verdade? – É verdade, sim. Quero decifrar o enigma da vida. – Como aquele rei tebano... Qual é me...
Papo cabeça
– Eu soube que você tem lido muito. É verdade?
– É verdade, sim. Quero decifrar o enigma da vida.
– Como aquele rei tebano... Qual é mesmo o nome dele?
O mito da mulher perfeita foi criado pelos trovadores. Como a sociedade feudal era extremamente machista, e lá a figura feminina não decid...
Sobre a mulher ideal
O mito da mulher perfeita foi criado pelos trovadores. Como a sociedade feudal era extremamente machista, e lá a figura feminina não decidia nada (a não ser, por exemplo, com que plantas aromáticas iria lavar os pés do marido), era necessário compensar essa inferioridade dando a ela contornos ideais. Nas cantigas, a mulher não é a escrava do cotidiano – é a senhora, ou a “mia senhor”. Esse tipo de culto se limitava ao plano da arte, claro; no dia a dia, a discriminação continuava a mesma.
“A árvore da Serra” é um dos sonetos mais populares de Augusto dos Anjos . Comumente o vemos recitado em aulas, festas, saraus literários e ...
A cena edipiana em “A árvore da serra”
As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, depara...
Antigamente
As palavras, como as pessoas, nascem e morrem. A diferença entre elas e nós é que podem ressuscitar. Um dia, quando menos esperamos, deparamo-nos com um arcaísmo que nos faz voltar à infância (esse “deparamo-nos”, com o pronome enclítico, não seria um?).
As redes sociais são uma espécie de imprensa informal. Nelas se encontra, de maneira menos elaborada, tudo que aparece nos jornais: notícia...
Confissões virtuais
As redes sociais são uma espécie de imprensa informal. Nelas se encontra, de maneira menos elaborada, tudo que aparece nos jornais: notícia, colunismo mundano, consultório sentimental e breves juízos que lembram as colunas de opinião. Têm além disso a confissão e o desabafo, o que constitui uma vantagem em relação à imprensa. Ninguém encontra no jornal relatos de doenças, malogros econômicos, fracassos amorosos e de outras ocorrências que infernizam a vida do ser humano. Como diz a letra da música, “a dor da gente não sai no jornal”.