Quando meu livro saiu em capítulos, pelo Correio da Paraíba, bem antes da publicação no Rio, o escritor, já longe das palavras entredentes que me dirigira quando eu fora à sua casa lhe falar da obra, me mandou um cartão contido: “Você leu meu romance com lentes de aumento. Seu estudo é lapidar e profundo. Mas não pode ter havido influência. Os dramas humanos se repetem”.
Na verdade, eu via algo, ali, como o que Joyce - explicitamente - fizera com a "Odisseia" ao criar o "Ulisses", publicado oito anos antes d’A Bagaceira". Talvez até ... inconscientemente, pois quando - depois do primeiro choque nosso - ele me acompanhou até o portão de sua casa, em Tambaú, eu lhe perguntei se já notara como o começo do romance dele, com os flagelados indo à casa-grande do Marzagão pedir ajuda, repetia o começo do "Édipo", com o povo de Tebas, assolado pela peste, fazendo o mesmo no palácio real, parou e disse: "É mesmo!"
Em 2005, por sinal, em minha HISTÓRIA UNIVERSAL DA ANGÚSTIA, publicada pela Bertrand Brasil, eu incluiria um romanceamento, meu, do "Édipo" e, outro, do "Hamlet".
Tudo isso começou quando associei o Lúcio - angustiado filho do Dagoberto e "que se faz de doido pra viver melhor" - a Lucius Junius Brutus, modelo evidente da saga dinamarquesa de Shakespeare: morto, em Roma, seu pai, Rei Tarquinius, o jovem – pra escapar com vida e vingar-se – fizera-se de doido (daí seu apelido de Brutus, que acabaria sendo o de sua família). O resto foi fácil. Se o angustiado estudante de direito, Lúcio - de férias na fazenda Marzagão, em Areia - era o angustiado Príncipe universitário de Wittenberg - de férias na Dinamarca, o pai, Dagoberto Marçau, dono da terra, era o Rei Cláudio, padrasto de Hamlet. Soledade, paixão de Lúcio (e do pai dele), era Ofélia - paixão do Príncipe - e, ao mesmo tempo, Gertrudes, Rainha da Dinamarca (paixão do padrasto e - segundo Freud - também do filho). O falastrão Valentim - pai de Soledade - era o falastrão Polônio - pai de Ofélia, que ao vê-lo morto, enlouquece e sai cantando algo que falava de uma donzela que, no dia de São ... Valentim, perdera a virgindade. Pirunga - irmão de criação de Soledade - era Laertes - irmão de Ofélia.
'HAMLET E O COMPLEXO DE ÉDIPO, de ERNEST JONES, discípulo e biógrafo de Freud, foi essencial para mim, nesse estudo. Tudo que, nele, é hipótese, encontra, n’A BAGACEIRA", possibilidade da confirmação. Pergunta-se, por exemplo: Laertes teria, mesmo, um amor incestuoso pela irmã Ofélia, como assegura Jones? N'A Bagaceira”, Pirunga é apenas irmão de criação de Soledade e a deseja ansiosamente, quer casar-se com ela. O Príncipe sentiria, mesmo, um amor criminoso pela mãe? N'A Bagaceira”, Lúcio não consegue possuir Soledade, porque ela se parece tanto com senhora do Marzagão - falecida no parto em que o rapaz nascera - que ele chega a fazer que desenha o retrato da moça, mostrando-lhe, em seguida, a fotografia da finada. É isso.
A vida fascina justamente por seu intrincado modo de agir, que não se esclarece quando cloroquinamente tratado.