Eu tinha 13, 14 anos quando meu pai me deu o livro “Primeiro Encontro com a Arte”, da Melhoramentos, do alemão-depois-baiano Karl-Heinz Ha...

Um grande momento (fake) de minha vida

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Eu tinha 13, 14 anos quando meu pai me deu o livro “Primeiro Encontro com a Arte”, da Melhoramentos, do alemão-depois-baiano Karl-Heinz Hansen, com fotos de quadros famosos de vários museus do mundo. De repente dou com um autorretrato de Rembrandt, do... Museu de Arte de São Paulo – o MASP, a uma hora de trem ou de ônibus de Sorocaba. De tanto insistir, mandaram minha irmã Wilma - então jovem e muito bonita, que perdi há não muito tempo com 88 anos – que me levasse.

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No meu romance “A Verdadeira Estória de Jesus” – ed. Ática, 1979, transfiro essa viagem para o evangelista Lucas, que na adaptação que fiz para teatro, em 1988, por ter um elenco de três atores e uma atriz, é codinome de uma intelectual:

LUCAS (à platéia) - Foi Mateus que me deu de presente, quando eu era menina, o “Primeiro Encontro com a Arte”, das Edições Melhoramentos. Nele me deparei com a pintura universal espalhada pelos grandes museus do mundo - e, para meu delírio, vi que o “Autorretrato do Artista com a Barba Nascente”, de Rembrandt, estava - por incrível que pudesse parecer - logo ali em Cesaréia! Pronto! Aquele era o Filho Dileto que a Grande Arte e a Revolução inacessíveis me enviavam. Insisti tanto com Mateus, chorei, bati os pés, adoeci, que ele mandou Sara me levar até lá. Foi um deslumbramento ! Eu, que vivia presa em casa, vendo o mundo apenas pela janela, a realidade como que reduzida de uma tela de cinema para de vídeo, subitamente viajava para ver - cara a cara - um Rembrandt!

LUCAS (Como se estivesse diante do Autorretrato de Rembrandt ) - Oh, meu deus, eu nunca chegarei a ser como ele! Nunca!

MATEUS - Ora, garota: ninguém chega!...

LUCAS - Eu sei. Mas isso, em mim, dói muito!... (Pausa. Para a platéia:) Eu, e ninguém mais, é que deveria ter feito aquele quadro. Eu, e ninguém, é que deveria ter feito o “Guernica”, “Os Sertões”, a Teoria da Relatividade, o “Guerra e Paz”, os Concertos Brandenburgueses... o “Cântico dos Cânticos”, o “Eclesiastes” e os “Salmos”, o “Édipo Rei” e o “ Hamlet”.


O MASP era, ainda, num espigão revestido de mármore branco, na 7 de abril. Foi estupendo dar com tantos quadros – de Velázquez e El Greco a Renoir e Picasso – e, no meio deles, aquele olhar... que, décadas depois, uma comissão de experts holandeses decretou não ser do grande mestre, mas de alguém de seu círculo, pelo que o quadro passou a se chamar “Jovem com corrente de ouro”.

Minha peça de 88 terminava assim:

LUCAS – O arcabouço do nosso livro está montado. Acho que estamos todos saindo deste teatro um tanto diferentes de quando entramos, não é Mateus?

MATEUS - Ah! Ia-me esquecendo! (tira um recorte de revista do bolso) Olha o que saiu na VEJA desta semana sobre aquele quadro que tanto sacudiu você quando era menina: o “Autorretrato com Barba Nascente”, de Rembrandt. (Lê:) : ‘VEREDICTO: FALSO!”

LUCAS (incrédula, pega o recorte e o lê com voracidade. Um trecho em voz alta) - “... se fosse um Rembrandt autêntico, valeria no mínimo 5 milhões. Como não é, vale no máximo 100.000 dólares...”

(Chocada, ri, chora... e bate palmas para Mateus. João e Marcos aplaudem os dois. Mateus, comovido, aplaude os três. Os quatro se voltam para o público e o aplaudem).

A peça "A verdadeira história de Jesus" (1988) teve Melânia Silveira no papel de Lucas; e Jorge, Tião e Dema como João, Marcos e Mateus.

O livro "Primeiro encontro com a Arte" foi editado pela Melhoramentos"

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