Você ganhou, Romero! Terá sido o primeiro disputante de um páreo que ganha com 5 (cinco) votos tendo 30 (trinta) contra. E não estou be...

Você ganhou, Romero! Terá sido o primeiro disputante de um páreo que ganha com 5 (cinco) votos tendo 30 (trinta) contra. E não estou bem certo, aliás, se os 30 foram todos contra. Deve existir entre estes, ainda que poetas e escritores, uns líricos, outros muito racionais, quem conceba um voto por dentro e exerça outro por fora, ainda que esse “outro” seja, de ordinário, o que valha.

Deve haver, nesse meio, oh Germano, quem considere, pelo menos, o espírito de harmonia de sua crônica, do seu partido arquitetônico, desse seu apego à geometria da música (assim ouvida por Claudel, segundo um de seus versos) deve haver, sim, quem enxergue em tudo isso algum dom especial, em dado momento ofuscado pelo brilho de outras vitrines.

(Ângela Bezerra de Castro) A Sociologia do Romance , de Lucien Goldmann, é um texto já considerado clássico sobre a narrativa épica moderna....



(Ângela Bezerra de Castro)

A Sociologia do Romance, de Lucien Goldmann, é um texto já considerado clássico sobre a narrativa épica moderna. Sua força de convicção teórica não reside somente na coerência contextual, mas, sobretudo, em prodigalizar aplicações práticas, de férteis conclusões esclarecedoras. Não se trata apenas de uma formalização linguística, modo solene e técnico de apresentar uma leitura, a fim de granjear-lhe a credibilidade.

As categorias de Lucien Goldmann, seguindo a tradição do pensamento de Marx e Lucáks, são antes de tudo o resultado do esforço interpretativo no sentido de estabelecer os presumidos e perceptíveis vínculos entre a realidade social e a forma narrativa ficcional, que se consubstanciou na moderna expressão romanesca.

Por isso, aplicar as categorias de Lucien Goldmann a um texto é tentar, sobre o objeto de leitura, dupla compreensão: de sua estrutura intrínseca e da relação entre essa estrutura e a realidade sócio-econômica em que está inserida a obra. Atitude decorrente da tese central da Sociologia do Romance, segundo a qual “existe uma homologia rigorosa entre a forma literária do romance [...] e a relação cotidiana dos homens com os bens em geral; e por extensão, dos homens com os outros homens, numa sociedade produtora para o mercado”.

(Extrato de "Re-leitura de A Bagaceira", de Ângela Bezerra de Castro)

Nota: A referência à teoria de Goldmann como apoio teórico conferido por Ângela Bezerra de Castro, há mais de 40 anos, ao romance A Bagaceira, em sua primorosa releitura da obra de José Américo, imiscui-se fortemente à literatura atual. É evidente que, conquanto tida como condição teoricamente hipotética, essa influência do social sobre a expressão criativa não se limita às letras. Hoje, talvez mais do que nunca, é notoriamente exercida com a mesma força em outras formas de arte como cinema, poesia, música, pintura e até na própria arquitetura. desde que o homem se fez criativo. (Germano Romero)

(Germano Romero) Hoje, dia de seu aniversário do amado pai, revirei relíquias e recordações… Encontrei coisas tão lindas. Entre elas, um liv...

(Germano Romero)

Hoje, dia de seu aniversário do amado pai, revirei relíquias e recordações… Encontrei coisas tão lindas. Entre elas, um livro de meu avô, pai dele, comprado exatamente em agosto de 1923, quando ele tinha apenas 2 meses de idade: “O Espiritismo” - de Gabriel Delanne -, pensador e escritor francês que, ao lado de Camille Flammarion e Léon Denis, formou o trio de franceses que deu uma brilhante continuidade à obra de Kardec. O livro tem reflexões lindas. O português é bem antigo. Vejam essa:

“Os espíritos que se comunicam ensinam a fraternidade, o perdão das injúrias, a cordura para os amigos e para os inimigos. Dizem-nos que a única para se chegar à felicidade é a do bem, que os únicos sacrifícios que são agradáveis ao Senhor são os que fazemos sobre nós mesmos. Exortam-nos a velarmos cuidadosamente sobre os nosso atos a fim de evitarmos a injustiça; recomendam-nos o estudo da natureza e o amor dos nossos semelhantes, como os únicos meios para nos elevarmos rapidamente a um futuro mais brilhante. Longe de nos dizerem que a salvação é pessoal, nos fazem encarar a felicidade dos nossos irmãos como objetivo superior para o qual devem convergir todos os nossos esforços; enfim, colocam a suprema felicidade na fraternidade mais sublime – a do coração”

Curiosamente, os que desejam mudança anseiam ou fazem alguma coisa (qualquer que seja) pelo progresso da cidade, terminam, com os anos, pass...


Curiosamente, os que desejam mudança anseiam ou fazem alguma coisa (qualquer que seja) pelo progresso da cidade, terminam, com os anos, passados para trás.

No tempo do bonde, quando se levava uma hora para, partindo do Ponto de Cem Réis, desembarcar em Tambaú, quanto nos penalizava aquele atraso! Além da Estação de Luz era só mato, capoeira, o uso humano do mundo representado por alguma casa de granja entre coqueiros e grandes roças de macaxeira. Para a direita, a Torre era um morro onde o primeiro plano urbano fez a curva. A maioria pagando foro da casa ou da choça e com a amplificadora que elegeu João Freire vereador e ensaiou Paulo Rosendo para o grande locutor que culminou na Tabajara. A Torre era uma Alagoa Nova sem a Yayá Tavares, a nossa rua central de lá. O pároco, padre Hildon, falava e agia no mesmo tom de Alagoa Grande.

Jaguaribe, que já tinha sido estrada dos macacos, era onde moravam os linotipistas, os chapistas de A União, os pequenos barnabés estaduais, municipais, os diaristas, extra-numerários, o casario em demanda da mata, separado da aristocracia residencial em ângulo que apertava o bairro entre Trincheiras e a João Machado. Revisor do jornal em 1951, era um tormento enfrentar a madrugada sem lua para chegar em casa, na Alberto de Brito. Não pelo assaltante comum, que era mais de galinha, mas pelos lobos e pastores alemães que ficavam guarnecendo os gradis senhoriais, as mansões dos donos do poder e da riqueza. Jaguaribe fazia extrema com essas duas linhas em ângulo reto onde se encastelavam os Ribeiros, os Nóbregas, Gusmãos ou mais notáveis da advocacia e da medicina. Na safra, era de onde vinha mais manga: os balaieiros chamados às janelas não para vender, mas para encher mais o balaio com a sobre arriada dos quintais.

Na Alberto de Brito, 41, a casa onde morei com minha mãe era separada da mansão que hospedou Getúlio, dos Amorins, por uma praça copada de oitizeiros. Eles continuam fiéis a mim e ao tempo do órfão de pai que aprendeu a ficar à sua sombra e a livrar da solidão muitas das suas dúvidas e perguntas. Ainda hoje os procuro. Ah quanto tempo, amigos! Eles e seus irmãos da Praça Pedro Américo; os de Tambiá, venerandos e saudáveis, já não dão na vista, o tráfego não deixa. (A gente tem que prestar atenção ao carro da frente, ao de trás, ao sinal, ao cinto de segurança, a vida fora de si, presa ao minuto, aos segundos.) Aí a cidade que vegetava em nós, que respirava conosco, já não é mais nossa, isto é, do nosso tempo. Já não botamos flores com ela. Nem a conhecemos mais, se é que o espaço que a urbe tomou do bonde, que fez do concreto a floresta, tem alguma coisa conosco…

Numa noite dessas, vinha de Intermares, onde fui deixar um amigo. De repente areio. Paro, pergunto ao homem da barraca. Quanto mais ele me diz mais fico sem saída – O sr. não é daqui? / - Já fui.

"Uma poesia de obstinada elaboração" (Ângela Bezerra de Castro) A aguçada consciência da construção poética confere um segu...



"Uma poesia de obstinada elaboração"
(Ângela Bezerra de Castro)

A aguçada consciência da construção poética confere um seguro desenvolvimento ao processo criativo de Sérgio, sempre marcado por uma forte coerência interna e por um nível de qualidade sem oscilações.

A originalidade acompanha todas as suas fases. Há sempre um novo olhar capaz de enxergar o inimaginável, de equiparar as realidades mais distintas. Não tenho dúvida em afirmar que a metáfora predicativa é o instrumento mais eficaz do seu estilo. Ela interfere, definitivamente, nas características mais marcantes desta poesia de obstinada elaboração. No absoluto poder de síntese, na capacidade de extrair do mínimo o máximo de significação e abrangência. No processo estru- tural que faz desabrochar o poema para explodir em substantiva conclusão.

Não é por acaso que Sérgio é profeta em sua terra. Construiu um lugar de destaque na cena cultural, desde jovem, e cada vez mais se faz marcante a influência que exerce na poesia aqui produzida.

O texto de Sérgio é intertexto para outros poetas que dialogam com seus temas e com suas concepções estéticas inovadoras.

Lembro aqui o querido Lúcio Lins com o título “As lãs da insônia”. E poderia multiplicar os exemplos para dizer que a liderança do poeta-professor tem sinal positivo. É a divisão que soma, que acrescenta e faz diferença de qualidade, no ambiente cultural contemporâneo.

(Extrato da apresentação do livro “Folha Corrida”, de Sérgio de Castro Pinto)


(Chico Viana) Por volta das cinco da tarde, Dalila entra no escritório e começa a olhar para mim. Não late, não gane, não esperneia. Apenas ...



(Chico Viana)

Por volta das cinco da tarde, Dalila entra no escritório e começa a olhar para mim. Não late, não gane, não esperneia. Apenas espera. Se insisto em continuar diante do computador, ela eriça as orelhas numa repreensão muda. Caso eu continue indiferente, ameaça se baixar como se dissesse: se você não se levanta, faço aqui mesmo.

Esse argumento é decisivo. Levanto-me, passo a coleira em torno do seu pescoço, borrifo-lhe um pouco de repelente contra carrapatos e desço com ela as escadas rumo ao calçamento. Dalila é instruída, segura-se o quanto pode e só nas cercanias de um terreno baldio faz suas necessidades.

Envolvo a matéria num plástico e jogo-a num lixo próximo, longe dos olhos e narizes de quem passa. Gesto civilizado, que vi faz muito tempo num filme francês. Muita gente por aqui ainda não o copia; prefere fazer da rua privada de cães e acrescentar mais um argumento a quem não gosta dos bichos. Não é agradável recolher “aquilo”, é verdade; mas a civilização impõe deveres de que a gente não pode nem deve se esquivar.

Depois de aliviada, Dalila começa o seu passeio. Passa o dia em casa aguardando esses 10 ou 15 minutos de rua, quando pode percorrer um espaço maior e cheirar à vontade. Li certa vez que para tirar o estresse do cão não é preciso levá-lo para passear; basta fazê-lo cheirar um espaço que para ele seja novo. A diversidade de odores que encontra ali revigora-lhe a alma, a sensibilidade, o espírito, ou que nome tenha o centro de suas emoções.

Um palmo de terreno, monótono e insípido para nós, pode ser para ele uma excursão turística de cheiros. Seu olfato capta gradações que ultrapassam de muito os limites para os quais nossas narinas estão equipadas, os quais vão, grosso modo, do perfume francês a um desses esgotos de favela. O resto ignoramos.

Não temos, de fato, a hipertrofia de um sentido como a têm os cães em relação ao cheiro, ou as águias quanto à visão. Sentimos tudo dispersamente, por igual, o que não é vantajoso. Se nada chega ao intelecto sem passar pelos sentidos, talvez esteja nessa dispersão a fonte da nossa ignorância do mundo. Como captá-lo, como compreendê-lo, se o nosso cérebro padece de anemia sensorial?

Vejam se não tenho razão: Dalila me puxa pela coleira e vai sugando o chão com as narinas. Isso a impulsiona a ponto de quase me fazer deixá-la escapar. Parece um aspirador vivo na ânsia de absorver os menores resíduos olfativos da paisagem, e sairá dessa experiência plenificada. Enquanto isso, eu me desligo das sensações em volta pensando nestas besteiras que o leitor está lendo. Tudo para depois, friamente, redigir um texto diante do computador. Qual dos dois está certo?


(Milton Marques Júnior) O poeta Augusto dos Anjos anda a merecer maior atenção dos paraibanos. Há algumas semanas, na principal livraria da...



(Milton Marques Júnior)

O poeta Augusto dos Anjos anda a merecer maior atenção dos paraibanos. Há algumas semanas, na principal livraria da cidade, não se encontrava e ainda não se encontra um único exemplar do Eu. Se a obra do poeta, sendo lida já é difícil, muito mais será se não o for. Às vésperas de fazer uma série de três conferências sobre a poesia de Augusto dos Anjos, não tenho como indicar uma edição. Some-se ao problema o fato de que só existe uma edição crítica da obra do poeta, datada de 1994, com texto fixado por Alexei Bueno, que, diga-se de passagem, não se tornou padrão para a publicação de novas edições. Como as edições críticas são sempre um processo, acredito que, possivelmente, seria hora de se pensar em nova lição filológica. Isto, no entanto, só seria possível se houvesse uma pesquisa continuada do assunto, o que não tenho notícia de que esteja acontecendo.

Falo desse assunto, de modo rápido e até superficial, em razão do espaço, com a esperança de que ele repercuta na anima e no animus daquele que venha vencer a eleição da próxima sexta-feira, dia 07, na Academia Paraibana de Letras, com justiça chamada Casa de Augusto dos Anjos, um dos maiores poetas brasileiros e do mundo.

Situada em uma geografia privilegiada, da Academia divisamos à direita as torres do Carmo; à esquerda, as torres da Catedral e à sua frente o belíssimo complexo arquitetônico do Cruzeiro e do São Francisco. Diante de tanta representação do divino e da verdadeira imortalidade, é hora de o novo acadêmico propor novas atitudes. A Academia já lhe proporcionou e aos demais a desejada imortalidade. É hora de perguntar-se a si e aos outros confrades, o que poderão fazer para retribuir tão grande honra a esta nobre Casa e, assim, conceder-lhe o selo da perpetuidade, como diria José Américo de Almeida.

Eu diria, para concluir, que a APL deveria abrir-se ao mundo externo, saindo de dentro de si mesma, revelando-se não uma entidade que abriga 40 imortais, mas uma instituição que atua na sociedade, com um trabalho que se reconheça como sócio-literário-cultural, destinado, por exemplo, a engradecer a memória e a obra de seu patrono, Augusto dos Anjos

“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido” E você viveu co...



“As pessoas morrem como viveram. Se nunca viveram com sentido, dificilmente terão a chance de viver a morte com sentido”

E você viveu com todos os sentidos . Na vida e na morte!
Dia 05 de Junho - já serão seis anos de saudades. Quanto tempo! E que tempo sem horas é esse! Parece que foi ontem.

Quando penso naquele domingo pela manhã logo cedo quando o médico me deu aquela notícia, a princípio indecifrável, sobre a sua pupila, irreversível. Ao mesmo tempo. Tudo parece longe. Muito longe.

Como te atualizo daqui? Nem sei por onde começar. Começo pela alegria. Seremos avós. Juntos com Fred e Adriana. Quarteto de afeto. Luísa está para nascer. Lucas? Focado e grávido. Nathália ? calma e plena. Eu? Assustada com tantas mudanças.

Sim! Nos mudamos. Daniel e eu. Novo endereço. Novos desafios. Nova geografia da vida. Estamos contentes muito. Com tudo isso. Mas no meu caso, existe um fio de tristeza da vida. Das perdas e danos. E nem é filme... Também me aposentei. O ócio é meu ofício. Mas trabalho muito.

O país? Você não acreditaria. Nem vou contar aqui, nem os céus dariam conta de tanta barbaridade. De balbúrdia! Imagine! estamos perplexos.

Mas olhe, estou lendo A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver, da Ana Claudia Quintana Arantes. Sim, como não sou religiosa, procurei ajuda no sutil, no simbólico, e esse livro fala da vida. Apesar do título e do assunto.

Estou sempre a rever aqueles 50 tons de tristeza. O sofrimento – seu , meu e dos queridos. As nossas impotências e fragilidades. As nuances da doença. A solidão. Os cuidados paliativos – que no meu desconhecimento, não me dava conta. E a morte. Aquela hora precisa que, eu não sabia se seria, nem quando seria. Um Boa Noite meio cabreiro e uma dor de cabeça final.

Sim! Eu estava anestesiada. Com uma muralha grande ao meu redor. De outra forma não teria suportado tanta desolação e medo. Protegi-me como pude: Batom, banho de sol, jornal, capela, olhar o céu, ir à farmácia, um café no térreo, uma espiada no facebook, coisas cotidianas para driblar esse mistério inadiável do fim, “..a experiência da dor passa por mecanismos próprios de expressão, percepção e comportamento. Cada dor é única.”

No livro, tenho me confortado em assimilar o que seja empatia, compaixão, medos tantos, cuidados, sobre “a morte – um espaço onde as palavras não chegam”; sobre o indizível “– é a melhor expressão da experiência de vivenciar a morte”. Sobre percepção, urgência, lucidez; sobre o “tempo – transformador não depende de duração”; comportamento na perda e a impressão finda; sobre espera, desejos, esperança; sobre prece, ética, introspecção; sobre o divino; sobre mergulhar profundamente na própria essência; sobre dissolução; sobre saúde, doença; sobre o sagrado, sopro vital, tristeza, agonia; dos fardos, das culpas, das ilusões, dos abandonos, e de saber que a morte não escolhe lugar.

“Acompanhar alguém nesse momento é a experiência mais íntima que podemos experimentar junto a outro ser humano...Estar no lado de alguém que está morrendo é desnudar-se também. Nessa experiência e companhia a alguém que morre, seremos verdadeiros oráculos!”, diz essa médica mais do que sábia e conhecedora dos cuidados todos com alguém que morre. E de alguém que vive.

Depois de tudo, e tanto tempo, e nesses seis anos de ausência, a alegria ainda é a maior ferramenta para se viver. E o amor, claro!

“A graça da morte, seu desastrado encanto, é por causa da vida”. Adélia Prado.

Nossa imensa Saudade! E imensurável amor!

– João Pessoa 01 de junho, 2019

Maria das Graças Santiago "um olhar poético sobre a melhor idade..." Não tive a crise dos trinta anos. Nem a dos quarenta, dos cin...



Maria das Graças Santiago

"um olhar poético sobre a melhor idade..."

Não tive a crise dos trinta anos. Nem a dos quarenta, dos cinquenta ou dos sessenta. Ao contrário, lépida e fagueira não me preocupava com a idade. Mas agora ela me chega com pompas e circunstâncias e com todos os seus achaques.

Já fui borboleta, deixando a crisálida para trás e volteando graciosa entre as flores. Depois virei beija-flor, adejando rosas e cravos dos jardins, aspirando seus perfumes e, por osmose pegando a beleza de cada inflorescência. Em seguida fui canário, canário belga, com canto mavioso e trinados mágicos cativando a tantos quantos me ouviam. Consciente da minha afinação eu gorjeava feliz acompanhando os passos ternos dos namorados ou o riso que vinha das praças. Agora? Agora tudo isto passou e entrei na fase do “con-dor”. Dói-me tudo com variações de tempo e de espaço. Um dia são as costas, outro as pernas, mais adiante o joelho e por aí vai num interminável e ostensivo desfile de pontos doridos.

- Você precisa fazer exercícios, é voz geral.

Faço Pilates quase todos os dias, mas não é suficiente. Aconselham-me caminhadas, hábito que tive durante a vida toda. Agora entenderam que devo também praticar musculação. É bem verdade que não tenho feito nada que demande muito esforço físico. Estou com fastio de me movimentar, o que não acontece em relação à comida para a qual o apetite está cada vez melhor. Colesterol, triglicerídeos, glicose todas as taxas enlouqueceram de uma só vez e resolveram num movimento orquestrado praticar uma total inversão alterando-se todas. Não sei o motivo.

Anos atrás, pessoas da minha idade ficavam em casa lendo, tricotando ou conversando com os vizinhos. Ninguém lhes exigia uma atuação de atleta nem exames de laboratório perfeitos como se tivessem vinte anos. Agora não se tem mais vizinhos para conversar porque mal conhecemos quem mora ao nosso lado. Em compensação tem televisão e celulares que alienam por igual os moços e os velhos. Ops, velhos não, é proibido falar assim. Em seu lugar apareceram os da “melhor idade” que são em tudo igual aos velhos de antigamente só que teimam em não reconhecer o fato. Ao que penso está explicado o porquê da minha crise nesta nova fase.

Marília Arnaud (Fragmentos de um Romance) “Por trás da lembrança mais devastadora da minha infância, daquela que lançou uma sombra sobre o m...



Marília Arnaud
(Fragmentos de um Romance)

“Por trás da lembrança mais devastadora da minha infância, daquela que lançou uma sombra sobre o meu coração, fazendo com que ele nunca mais batesse no mesmo tom, escondem-se uma criança e algumas palavras. No rastro dessas, vieram outras, crianças e palavras, com pequenas variações, e olhares enviesados, silêncios e reticências.”

“Com a música, experimento um não sei quê de assombro. Não, é mais do que isso. Música me abre um rasgão no meio do peito. Papai me deu a música; mamãe, a saudade. Pai e mãe fazem doer; aprendi a gostar da dor. Então, fico quieta e ferida, toda ouvidos, descobrindo que a beleza às vezes faz sangrar.”

“Uma porta para o dia seguinte, para a manhã inimaginável não se abria, porque uma segunda-feira de dezembro se trancara por dentro e jogara a chave fora. Não se ousava bater à porta, nem sacudir a maçaneta, tampouco forçar uma janela ou abrir-lhe uma mínima fenda. Os prazeres, os mais breves, não tinham espaço no presente. E a vida fazia de conta que seguia em frente, sem seguir a parte nenhuma, conjugando-se no cativeiro do passado.”

“Então, você se fora, e eu me dava conta de que, enquanto vida houvesse, sempre se podia perder um pouco mais, sendo de todo inúteis os esforços para domar a dor. Adestrá-la, torná-la tolerável e até esquecida, porque outras perdas estavam a caminho, sem convite, nem cerimônia, todas pesadas, de lombo grosso, e vinham descabrestadas, soltando relinchos violentos, mostrando-se estéreis quaisquer estratégias para evitá-las.”

(Luiz Nunes) NA ESTRADA Na estrada, o desejo é dirigir Loucamente, com vontade de chegar, Sem sentir o risco de atropelar O presente, vendo ...



(Luiz Nunes)

NA ESTRADA

Na estrada, o desejo é dirigir
Loucamente, com vontade de chegar,
Sem sentir o risco de atropelar
O presente, vendo a morte do porvir.

Bem podia com a prudência dividir
O volante. Esta a forma de evitar
O pior, que consiste em não chegar,
Ou chegar, mas não ver-se acudir.

Expor-se ao perigo é não querer,
Nem a sua, nem a vida de outro ser,
Posto que, o egoísmo, desatento,

Como se no papel de guilhotina,
Decepa na estrada, em cada esquina,
Restando imprecação, cruz e lamento
(2011)


CORRUPÇÃO

Ela está no esporte, no turismo,
Na infraestrutura, no trabalho,
Para onde quer que vá, prefere o atalho,
O poder lhe aguça o dinamismo.
Nela, implícito, se ergue o banditismo
Dos que agem tendo em vista a vocação
Para assalto, onde houver repartição
Pública, como ocorre no presente,
No Brasil de Anchieta e Tiradentes,
E seu nome, já se sabe, é CORRUPÇÃO.
(2011)


VÍCIO INCONSEQUENTE

Aceso pelo vício inconsequente,
O fogo se alastra e sai queimando
Os órgãos que se vão debilitando,
Enquanto não se finam plenamente.

Muitos não dão conta, infelizmente,
Dos males, como tais, se propagando,
E pitam, mesmo assim, e vão pitando,
Pois viver lhes parece indiferente.

Preferem enfrentar o enfisema
No pulmão; um abscesso, o apostema,
É certo, amiúdam-lhes o pigarro,

Porém esses, a tudo indiferentes,
Insistem em tornar bem mais freqüentes
Os tragos cancerígenos do cigarro.
(2003)


Fé e encantamento lírico (Fragmentos de um discurso - Ângela Bezerra de Castro) Em minha visão particular, diria que Carlos Romero era o ex...



Fé e encantamento lírico
(Fragmentos de um discurso - Ângela Bezerra de Castro)

Em minha visão particular, diria que Carlos Romero era o exemplo de um homem feliz. Soube amar e ser amado. Além de nortear a existência por princípios que deram sentido e densidade a todos os seus dias. Podia descobrir, no menor fato do cotidiano, um grande acontecimento e assim alimentar constantemente sua alegria de viver. Sem dúvida, encontrou “a paz do coração” que, segundo Platão, “é o paraíso dos homens”.

Desde que o conheci, admirei nele essa postura sábia diante da vida. Refletida sempre no rosto iluminado por um suave sorriso de acolhimento, a sintetizar o propósito maior da transcendência de ser, no minimalismo de cada gesto.

A crônica se ajustou, com toda propriedade, à peculiar visão de mundo de Carlos Romero. Esse gênero jornalístico que, pela qualidade estética da linguagem, se equiparou à criação literária foi sua tribuna, a linha de frente escolhida para a constante participação na cena histórica e cultural onde imprimiu sem nome de cidadão e de escritor.

Carlos acumulava, em sua história de vida, interesses culturais diversificados. Além da dedicação ao jornal, onde sedimentou seu traço narrativo e literário, empenhava-se na divulgação da música erudita, sua grande paixão. Foram atividades de que não se afastou durante toda a existência.

Lembrar nosso confrade, enfatizando a crônica, se impõe como uma opção natural, tanto que esse gênero está incorporado a sua identidade.

Embora a experiência de Magistrado ou de Professor lhe possibilitasse outras formas de expressão, a narrativa curta, de grande poder comunicativo apresentava as características compatíveis com seu projeto existencial. Projeto que o escritor parecia reiterar a cada palavra: “Estou preso à vida e olho meus companheiros”. Projeto que, através da fé e do encantamento lírico, buscava alcançar “o tempo presente, os homens presentes, a vida presente”.

Recorro aos versos de Drummond para dizer, com toda convicção, que nosso cronista de Deus e da Natureza, incluindo também a humana, escrevia por uma necessidade vital. Seria um equívoco imaginar que sua intensa participação na imprensa decorreu da longevidade. A ordem é exatamente inversa. Estar sempre ligado à vida em todos os seus desdobramentos foi o segredo de sua resistência, a força que alimentava sua energia extraordinária.

Buscando uma sistematização do que Carlos publicou, podemos dizer que sua obra se organiza a partir de três matrizes ou motivações. As crônicas de viagem, (subtítulo usado por ele) que compõem dois volumes. O Papa e a mulher nua e Viajar é sonhar acordado. As crônicas de ensinamentos, de divulgação da fé que lhe norteava a existência e a visão de mundo, também reunidas em dois volumes, cujos títulos definem, objetivamente, os conteúdos: Lições de viver e O Evangelho nosso de cada dia. Por fim, existem as crônicas motivadas pelas sugestões do cotidiano que são inesgotáveis. De modo que os temas se multiplicam, conforme a riqueza da percepção e da sensibilidade do eu.

Pertence a essa natureza A Dança do Tempo, primeiro volume publicado pelo autor que expõe o comprometimento lírico, como essência de seu trabalho. É ele quem diz: “Estas crônicas são pedaços de mim. Escrevia-as por necessidade íntima de comunicação ou confissão.”

Simplicidade, clareza e humor, diria que sobre estes pilares se erguem as construções líricas de Carlos Romero. Com a mesma leveza das nuvens que desenham alegorias nos céus do verão.

Drummond, o grande poeta, que o distinguiu com mensagens de apreço, estabeleceu em pólos complementares a qualidade alcançada pelo cronista paraibano: “acessibilidade da linguagem a serviço de um pensamento lúcido.”As duas faces da moeda, para o projeto cultural e ideológico de nosso homenageado. Refiro-me à ideologia do aprimoramento espiritual, sua inspiração de vida.

Desde as primeiras publicações, a opção estética pela linguagem coloquial fixava as bases para a construção do estilo que iria caracterizá-lo. Lembrando sua formação jurídica e a prática no exercício da Magistratura, onde a rigidez formal é a regra, surpreende o nível de despojamento que atinge na expressão literária. Um exemplo bem convincente de quanto a marca distintiva do escritor exige consciência e trabalho.Com um tanto de vocação.

Carlos faz do coloquial e da oralidade recursos de aproximação e de convencimento. Transforma o leitor em interlocutor, com tanta espontaneidade que, às vezes, esquecemos o real da leitura e temos a sensação de viva voz, no apelo de seu vocativo. Se a crônica é de viagem, somos de tal forma envolvidos pelo movimento da descrição, pelo detalhamento do relato, que embarcamos com ele no percurso imaginário. E as realidades sentidas só com o imaginar parecem mais nossas do que a própria vida.

É esse o poder do escritor. Um poder demiúrgico. De encantamento através da palavra, sua ferramenta de magia. Capaz de criar realidades maiores que as da vida, como ensinava Juarez da Gama Batista, meu mestre imortal.

Outro recurso que se destaca, no estilo de nosso confrade, é a recorrência a elementos da natureza, tratados com tanta familiaridade, com tanta intimidade que são personificados, ganham alma e sentimentos nesse universo lírico. Assim, o mar espera por ele, reclama de sua ausência; para provocá-lo, o vento brinca com a folha de papel onde ele escreve; o sol vem visitá-lo, entrando sem pedir licença.

E que dizer das exuberantes castanholas que o encantavam? E do Flamboyant, com seu sorriso vermelho, que recebe ternuras de filho? Uma construção retórica tão intencional que o cronista chega a invocar Augusto dos Anjos em seu favor. Censura o pai e dá razão ao filho, personagens do Soneto A Árvore da Serra, como forma de reiterar a ideia de que as árvores tem alma.

Este é outro aspecto da originalidade e de Carlos Romero. Em vez da citação formal, índice de sapiência, a inclusão de seus poetas preferidos no desenvolver da crônica, com a informalidade da convivência mais natural. Drummond chega mesmo a sofrer reparo por falar na tristeza de Deus. Esse recorrente e criativo dialogo inclui poetas como Bilac, Jomar, Vicente de Carvalho, Perilo, Sérgio, Bandeira e outros mais com quem o cronista se identificava no compartilhamento de sua experiência de escritor.
Uma parte bastante significativa da produção literária do nosso homenageado tematiza o Evangelho, sem que se possa verificar qualquer mudança no estilo. Até podemos supor que a simplicidade e a clareza foram opções direcionadas a tornar possível o projeto maior do escritor: fazer a palavra de Jesus acessível ao cotidiano mais prosaico, através de sua crônica.

E aqui é necessário um esclarecimento. Simplicidade e clareza não são sinônimos de facilidade. São valores elevados, difíceis de alcançar porque pressupõem a depuração, a lapidação que descobre o mais precioso, o essencial.

Carlos vê e revê a realidade através do Evangelho. Não ratifica uma concepção conformista, pois quer fazer pensar. E se vale de um recurso socrático. Pergunta para inquietar. Na expectativa de que a reflexão possa levar à verdade.

- Por que não se fala em prostituto, somente em prostituta?
- Como acreditar que Deus criaria a mulher a partir de uma costela?
- Por que a preferência pelo Jesus crucificado, em vez do Jesus das criancinhas e dos lírios do campo?

Perguntas dessa natureza que implicam a contestação e a crítica de mitos e preconceitos.
Este é Carlos Romero, o confrade que hoje reverenciamos.

Imortal pelo exemplo de viver em absoluta coerência com suas convicções. Pela intensa participação na realidade cultural de seu tempo. E pelo estilo criado para a crônica, como expressão de sua individualidade e visão de mundo.

(Fragmentos do discurso da Profª Ângela Bezerra de Castro em homenagem póstuma da Academia Paraibana de Letras ao acadêmico Carlos Romero)



O Gato e o Poeta (Sérgio Castro Pinto) O gato faz do poeta gato e sapato: foge do poema para o telhado. paciente, o poeta atrai o gato com o...



O Gato e o Poeta
(Sérgio Castro Pinto)

O gato faz do poeta
gato e sapato:
foge do poema
para o telhado.

paciente, o poeta
atrai o gato
com o novelo
dos vocábulos:


puxa-o pelo rabo
bem devagarzinho…
e o que era rabo
vira focinho.

o poeta, satisfeito,
dá algumas voltas
numa chave de ouro
e o aprisiona
dentro do soneto.

Mas o astuto gato
não lhe ensinou
o pulo do gato
e de novo foge
do poema pro telhado.

pena que, nessa fuga,
os faróis de um fusca
acendem e ofuscam
os olhos do gato
que foscos se apagam
na escuridão do asfalto.

ah, insensato gato,
não estarias melhor
prisioneiro do poema
do que sem as sete vidas
que fogem, uma a uma,
no leito da avenida?

é quando, com um fio de miado
– mas sem perder o da meada -,
o gato lavra o seu protesto:
“- valeu a pena, poeta,
fazer do seu poema
o meu cemitério?
por que não, poeta,
um poema-telhado,
cheio de vida e de gatos?”

e nada mais disse nem lhe foi perguntado.

(Sérgio Castro Pinto)

E , de repente, me veio aquele súbito desejo de fazer uma oração. Não como aquela do “Pai Nosso”, com a qual o Meigo Nazareno ensinou o mun...



E, de repente, me veio aquele súbito desejo de fazer uma oração. Não como aquela do “Pai Nosso”, com a qual o Meigo Nazareno ensinou o mundo a orar, e muito menos como a de São Francisco de Assis, um hino à solidariedade e ao perdão. Mas, uma oração que começaria assim:

Senhor, dá-me força, para um dia, domar o orgulho e outros vícios que ainda há em mim. Que eu seja como o sol, que ignora a escuridão, que só faz iluminar nossos caminhos. Que eu seja a pedra do caminho, humilde, mas que sustenta o edifício. Que eu seja como aquela ponte, vencendo os obstáculos do caminho ou aquele túnel permitindo nossa passagem entre montanhas. Que eu seja a água, cuja persistência vence a pedra dura. Que eu seja caminho, jamais obstáculo. Que eu seja como as flores, sempre sorrindo para a vida.

Que eu seja como o vento, sempre trazendo alegria e suavidade para as pessoas tristes. Que eu seja como as nuvens a deslizarem serenas, lá do alto, esquecendo as sombras cá de baixo.

Senhor, como gostaria de ser como a chuva, molhando com suas lágrimas toda a terra, sem particularismo, sem preferências, sem discriminação.

Que eu seja como o mar, cujas espumas lavam nossos pés, para depois morrerem, que a vida é um eterno vai e vem, de saudades e de esperanças.

Que eu seja como a grama macia, que não dá flores, mas na sua humildade serve de tapete para os homens.

Que eu seja uma montanha, que lá do alto, sorri o seu sorriso de transcendência. Que eu seja o outro para saber como é que ele nos vê. Que eu olhe sempre para o espelho para saber como vai o meu rosto, a minha imagem. Se é um rosto de tristeza ou de alegria, de cara fechada ou de semblante aberto. Que eu esqueça as rugas do corpo que envelhece, porquanto o espírito é sempre jovem para os que amam tua Verdade, aquela que nos consola e nos liberta.

Que eu esteja sempre atento no caminhar, vigilante no discernimento, atento aos obstáculos e jamais olhando os outros sem aquele olhar de compreensão. Que eu esteja sempre vigilante para não cair em tentação como nos ensinaste. Que eu tenha sempre a humildade necessária para ser um crítico de mim mesmo.

O sorriso é uma terapia. Dizem que quando a mãe vê o filhinho dando o seu sorriso inaugural, em seus braços, ela esquece os sofrimentos do ...


O sorriso é uma terapia. Dizem que quando a mãe vê o filhinho dando o seu sorriso inaugural, em seus braços, ela esquece os sofrimentos do parto, e da gravidez, e também sorri, feliz da vida...
Veja o mar e observe o seu sorriso de espumas. E já imaginou se o nosso sol não nos iluminasse com o seu sorriso de luz, isto é, com o seu “solriso”? ... A mesma coisa falaríamos das estrelas. E que dizer das plantas, que sorriem através das flores e das cores?

Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero , grande ad...



Este blog foi concebido em 2008 com o propósito inicial de servir à divulgação dos textos do cronista e escritor Carlos Romero, grande admirador da literatura e apaixonado por livros e ensaios. Com o tempo, o blog diversificou-se, passando a veicular outros assuntos de interesse do blogueiro, como a musica erudita, as artes, religiões, o aprendizado de linguas estrangeiras e as curiosidades que cercam a vida na Terra.