“Ó crentes na unidade de Deus, pessoas de fé e boas obras, que agem com justiça uns para com os outros e que, na causa da verdade, não temem as reprovações dos homens nem a tirania dos déspotas: saibam que a luz que o seu Senhor colocou em seus corações é a verdade guia em sua pureza, e é misericórdia e compaixão em toda a sua ternura, e nessa pureza e naquela ternura há força e resolução.”Nejla M. Abu-Izzeddin, in “Os Drusos, Um Novo Estudo de Sua História, Fé e Sociedade”, p. 118.
Os drusos (Duruz) compõem um grupo etnorreligioso caracterizado por um sistema eclético de doutrinas profundamente esotéricas. São reconhecidos por uma vincada coesão, lealdade e forte proteção entre os seus elementos e às terras onde vivem, com pouco mais de um milhão de pessoas que habitam sobretudo na Turquia, no Reino da Jordânia e na região montanhosa assinalada pelas fronteiras de três países - Israel (localizados maioritariamente em franjas no norte do país,
Regiões onde estão concentradas as comunidades drusas no Médio Oriente.
conhecidos pela sua lealdade ao Estado), Líbano (ao longo das bordas ocidentais das montanhas, bem como na região sudeste do país) e Síria (estabelecidos ao redor de Sweida, ou Al-Suwayda, na região de Jabal Al-Duruz, ou seja, “Montanha Drusa”). Autodenominam-se de muwahhidun (“unitaristas”) e formam uma religião monoteísta que se originou a partir do xiismo de corrente ismaelita.
A fé drusa ter-se-á originado no Egito e remontará ao século XI, ao reinado do sexto califa Fatimida, al-Hakim. Sabe-se apenas da ruptura com o Islão durante o período da Idade Média, com diferentes interpretações divergentes e mais permissivas entre um dos fundadores, Hamzah ibn ‘Ali ibn Ahmad al-Zuzani (985 - 1021) e um dos seus discípulos, Muhammad ibn Isma’il ad-Darazi (há quem continue a associar este nome ao movimento como al-Daraziyyah e al-Duruz). Ao longo do tempo, a religião adquiriu uma característica tão própria que sequer pode ser considerada numa só vertente específica, mas um conjunto de práticas judaicas, cristãs, islâmicas, hindus, espiritualistas, entre outras crenças, com influências de filósofos como Pitágoras, Sócrates e Platão, além de outras personalidades históricas, como o faraó egípcio Akhenaton.
Pitágoras
Akhenaton
Platão
Durante as Cruzadas, soldados drusos auxiliaram as forças aiúbidas (dinastia muçulmana sunita, fundada por Saladino, Salah al-Din, que governou no final do século XII e início do século XIII, e cujo nome da dinastia derivará do pai de Saladino, Najm al-Din Ayyub ibn Shadhi) e, posteriormente, mamelucas, resistindo aos avanços cruzados na costa libanesa.
A retomada de Beirute pelos cruzados liderados por Amalrico II de Jerusalém, em 1197Alexandre Hesse, 1842
Com toda a sua fé, o povo druso acredita em mensageiros como Adão (Adam), Noé (Nuh), Abraão (Ibrahim), Jacob (Ya’qub), Moisés (Musa), Jetro (Nabi Shu’ayb), João Batista (Yahya), Jesus (Isa) e Maomé (Muhammad). Suas escrituras sagradas incluem o Al-Qur'an (interpretado de forma esotérica), o Rasa’il al-Hind (Epístolas da Índia) e antigos manuscritos perdidos (ou escondidos) como as Epístolas da Sabedoria, al-Munfarid bi-Dhatihi e al-Sharia al-Ruhaniyya. Suas crenças baseiam-se na reencarnação, na eternidade da alma, na rejeição do mal, na autodisciplina, na autorreflexão e são influenciadas por pensamentos esotéricos e gnósticos. Pela aura de mistério que os envolve, diz-se que manterão práticas secretas. O casamento fora da comunidade é proibido, preservando a sua identidade interna.
Cerimônia de casamento em comunidade drusa.
Os drusos possuem alguns santuários famosos no Levante. O túmulo de Jethro, pastor queneu e sacerdote de Midiã (ou Madiã), sogro de Moisés na tradição bíblica, localizado perto da cidade de Tiberíades, no norte de Israel, é um desses locais sagrados. O local é centro de peregrinação e veneração para estas comunidades que o consideram o pastor um profeta e guia espiritual.
Túmulo tradicional de Jethro (Nabi Shu'ayb), sogro de Moisés, considerado o local mais sagrado para o povo druso, localizado próximo ao Monte Carmelo, na cidade de Hittin, região da Galileia, norte de Israel. ▪ Imagens: Wikimedia
O povo druso acredita em cinco princípios cósmicos, representados pelas cinco pontas da estrela drusa colorida: inteligência/razão (verde), alma (vermelha), palavra (amarela),
precedência (azul) e imanência (branca). Um dos símbolos associados à cultura drusa é a pomba, usada em cerimónias e artefatos religiosos, reforçando os valores da harmonia e da espiritualidade, princípios fundamentais da sua fé.
Crianças conduzem bandeiras drusas, durante peregrinação ao Túmulo de Jethro, em Israel.Flash90
Os drusos são muito reservados em suas práticas e doutrinas, até mesmo dentro da sua comunidade, entre iniciados, com acesso aos textos sagrados, e os seculares, chamados de Juhhal, que seguem orientações morais básicas. Apenas uma elite de iniciados, conhecida como ‘uqqal (“conhecedores”), participa plenamente dos seus serviços religiosos e tem acesso aos ensinamentos secretos das escrituras, Al-Hikmah Al-sharifah. O centro da espiritualidade drusa baseia-se na compreensão esotérica da relação do Ser Humano com o Divino, que enfatiza o papel da racionalidade e da busca da Verdade.
Sweida, cidade localizada no sul da Síria, próxima à fronteira com a Jordânia, é considerada a capital da comunidade drusa síria.S. Alashkar
A fé drusa tem uma visão neoplatónica da interação de Deus com o universo, manifestada por meio de emanações, à semelhança de diversas correntes gnósticas e esotéricas. Segundo o Al-Hikmah, no núcleo central do Universo incialmente surgiu a Terra e, sucessivamente, os minerais, as plantas e os animais e, por fim, os humanos, em cujos corações residem as almas racionais. Com a criação do Ser Humano completo, corpo e alma, emerge a habilidade para escolher entre o certo e o errado e a possibilidade de conhecer a sua origem divina. É algo tão diferente e misterioso que nem mesmo os investigadores e académicos sabem explicar ao certo. Facto é que somente os sacerdotes drusos dominam essas práticas, não as revelando a ninguém. Um segredo muito bem guardado ao longo de mais de mil anos.