agosto 05, 2019
(Whashington Luís Fernandes Silva) Em contraste de suas representações, como a bandeira e o próprio nome, me vêm no sentimento os encantos d...

(Whashington Luís Fernandes Silva)
Em contraste de suas representações, como a bandeira e o próprio nome, me vêm no sentimento os encantos dos apaixonados. Seus flamboyants, os paus d'arcos, do Sol de Tambaú, da Lagoa, onde antes navegavam lindos gansos, tão bem desenhado na crônica de Carlos Romero, faz com que todos nós despertemos para pura vontade de amar. Ah como seria a vida dos seres contundentemente apaixonados sem a porta do sol, na mata verde, esperançosos por mais um dia e não sermos o Sol do extremo oriental?
Lindo o sabor configurado nestas paisagens, tornando a rotina um poema.
Somos restos de quimera, abraçando o crepúsculo no rio Sanhauá, como um pedido incessante dos enamorados para sua permanência e não se dissolver na cadência de Ravel.
Somos eternos apaixonados... esperando uma nova aurora para nos encantarmos em Tambaú e bater na porta do sol, para abrir sorrindo e balbuciar: BOM DIA JOÂO PESSOA!
(dedicado ao mestre do prelúdio da lua e dos sete mares, Germano Romero)
agosto 05, 2019
agosto 04, 2019
(Milton Marques Júnior) *para Germano Romero Almoçava ontem, quando veio-me à mente o quanto comer pode ser poético. Eu comia um spaghetti c...

(Milton Marques Júnior)
*para Germano Romero
Almoçava ontem, quando veio-me à mente o quanto comer pode ser poético. Eu comia um spaghetti com paillard e molho à bolonhesa, enquanto Alcione comia uma salada com farfalle. Foi o que ocasionou a associação entre poesia e gastronomia. Farfalle é aquela massa que as pessoas, comumente, chamam de gravata ou gravatinha, sem atentar para o fato de que ela tem o desenho de uma gravata borboleta. Não é à toa. Farfalla é borboleta em italiano, cujo plural é farfalle. Comentei, então, com Alcione que o nome, em italiano era, provavelmente, de origem onomatopaica – depois, fui conferir e realmente é –, pois nos induz ao bater das asas da borboleta. Chamar uma massa, que, normalmente, é antepasto na cozinha italiana, de farfalle é associar a leveza do inseto com a delicadeza e a leveza da massa que se ingere. Em suma, criativo, poético.
Ao chegar em casa, lembrei-me do filme O Tempero da Vida (Politike Kousína, 2003), direção de Tasso Boulmete (excelente filme, recomendo!), que nos ensina sobre como a vida tem que ser temperada, no dia-a-dia, ou na mesa. O personagem central, um professor de astronomia em Atenas, aprende com o avô, em sua infância na Turquia, que o saber temperar é essencial para saber viver. Recordo, en passant, que o verbo sapĕre, em latim, tanto significa ter o conhecimento de alguma coisa, saber, como sentir o sabor de algo. Sabor é saber e vice-versa, pois. É notável, no filme, o momento em que, na aprendizagem, o avô revela ao neto a relação entre gastronomia e astronomia, ao dizer que a segunda palavra está contida na primeira. Gáster, em grego, é estômago (stoma, por sua vez, é boca...) e áster, é astro, estrela; nómos é lei. A aproximação lúdico-etimológica faz com que um termo esteja contido no outro, trocadilho que fica melhor em grego, pois o termo gáster só nos remete para a doença gastrite... Assim, a lei que rege os astros é semelhante à lei que rege a vida, em que o estômago tem função primordial.
Nessa relação, o avô começa a descrever o nosso sistema solar, colocando os planetas na ordem que conhecemos, a partir do sol. O Sol relaciona-se com a pimenta, pois assim como o sol vê tudo (conceito de Homero), é quente e queima, e a pimenta dá vida a todas as comidas; Mercúrio, também quente, está relacionado com a pimenta vermelha em pó; Vênus é canela, doce e amarga, lembrando as mulheres; a Terra é o sal, pois na terra encontra-se a vida; para viver precisamos de comida e o que torna a comida mais saborosa é o sal. Magnífico! O neto não só aprenderá a cozinhar, como também, posteriormente, tornar-se-á um astrônomo respeitado.
Um único nome – Farfalle – desencadeou todo um voo do pensamento, batendo as suas asas, em busca do equilíbrio entre comida e natureza, ambas essenciais à vida, expressas na massa-borboleta, leveza poético-gastronômica.
Bom Domingo e bom apetite!
agosto 04, 2019
agosto 03, 2019
(Miryan Lucy de Rezende) Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas dei...

(Miryan Lucy de Rezende)
Lembro-me bem. Foi quando julho se foi, que um vento mais gelado, mais destemperado, que arrastava ainda folhas deixadas pelo outono, me disse algumas verdades. Convenceu-me de que o céu começaria a apresentar metamorfoses avermelhadas. Que a poeira levantada por ele daria lições de que as coisas nem sempre ficam no mesmo lugar e que é preciso aceitar que a poeira só assenta depois que os redemoinhos se vão.
Foi quando julho se foi que a minha solidão me convidou para uma conversa. E me contou de tempo de esperas. E me disse que o barulho das árvores tinha algo a dizer sobre aceitação. E eu fiquei pensando como elas, as árvores, aceitam as estações que, se as estremecem, também lhes florescem os galhos. Mas tudo a seu tempo. Foi em agosto que descobri que os cachorros loucos são, na verdade, os uivos que não lançamos ao vento. São nossos estremecimentos particulares que a nossa rigidez de certezas não nos permite encarar.
O mês de agosto tem muito a ensinar. Porque agosto é mês jardineiro, é dentro dele, berço do inverno, que as sementes dormem. Aguardam seu tempo de brotar. Agosto é guardador da boa-nova, preparador de flores. Agosto é quando Deus deixa a natureza traduzir visivelmente o tempo das mutações.
Mude, diz agosto, em seu recado de sementes. Aceite, diz agosto, com seu jeito frio de vento que levanta poeira e a faz avermelhar o céu. Compartilhe, diz agosto. Agasalhos, sopas quentinhas, cafés com chocolate, abraços mais apertados – eles também aquecem a alma e aninham o corpo. Distribua mais afetos, que inverno é acolhimento, é tempo de preparar setembro. E, de setembro, todos sabemos o que esperar. Esperamos a arrebentação das cores, que com seus mais variados nomes vêm em forma de flores.
Vamos apreciar agosto, recebê-lo com o espanto feliz de quem não desafia ventos. Que ele desarrume e espalhe suas folhas e levante suas poeiras.
Aceite as esperas, mas coloque floreiras na janela.
Só quem vive bem os agostos é merecedor da primavera!
agosto 03, 2019
agosto 01, 2019
(Luiz Augusto de Paiva) Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredor...

(Luiz Augusto de Paiva)
Ele fazia Química na universidade e ela no mesmo curso, um ou dois semestres atrás. Conheceram-se ali pelos corredores e pintou entre eles aquela química, não a do curso, mas aquela atração danada, inevitável que faz qualquer elétron escapar de sua órbita. Hormônios pululando a todo vapor, nos dois. Então aconteceu. Não poderia ter sido diferente.
Mas antes que mal digam coisas dessa nossa Julieta, é bom que saibam, nosso Romeu era criatura do mais ilibado caráter e levou a sua mocinha aos cartórios e ao altar. Casaram-se. Ele sem uma pataca no bolso, ela muito menos, mas todo mundo sabe como é esse tal de amor, não é verdade? Os pais dele contra, a mãe dela que era viúva também, mas fazer o quê? Eram, como dizia a senhora – do rapaz – “di maior”, e deviam muito bem saber o que estavam fazendo.
O pai dele ainda deu uma força de início. Foi fiador numa casinha do tipo sala, quarto, cozinha e banheiro, ali por perto da universidade e ajudou na compra do essencial. Nada de primeira mão, tudo de brechó e sem reclamação. Quem mandou não ter responsabilidade? Já a mãe dela, mesmo com gordas economias na Caixa Econômica, não abriu mão de um centavo além do que havia gasto com os ornamentos da igreja e mais alguma coisa que a paróquia exigia para proceder o enlace. E só.
Criar uma filha com tanto zelo e depois entregar para um pé-rapado desses – reclamava a indignada senhora.
Nem é preciso explicar que foi um difícil começo. Para segurar a barra, sempre que havia uma brecha no horário da universidade ministravam aulas particulares. Tempos depois conseguiram alguns colégios para lecionar e assim foram levando a vida, com dificuldades, mas levando.
E o amor? Aceso! Aceso como brasa de churrasqueira. Felizes, iam se dando bem no curso, conseguiram mais trabalho e viviam aquela fase de “como o amor é lindo! ”. Tão lindo que já podiam, vez ou outra, tomar uma cervejinha com os amigos da universidade nos fins de semana, e, mais lindo ainda, porque conseguiram comprar uma Brasília de terceira ou quarta mão.
Que não me apareça com esse carro aqui para não me matar de vergonha – dizia a mãe dela, toda prosa, porque tinha um Monza (que era o carro da moda) novinho em folha.
A vida seguia seu curso, até que um dia... Depois da aula na universidade, o nosso Romeu deixou brotar da alma seu lado boêmio, ou melhor dizendo, seu lado gandaieiro, desregrado (todo homem tem isso, contido mas tem) e numa sexta-feira, depois das aulas da noite, saiu com um amigo para a esbórnia.
Foram para um daqueles estabelecimentos onde moças gentis satisfazem as necessidades afetivas e urgentes da rapaziada. Não era o caso do mancebo em questão, que por sinal era muito bem nutrido nessas necessidades, mas naquele dia resolvera, como se diz, enfiar o pé na jaca. Ali ficaram bebendo com as meninas, beijinhos, carícias poucas. Nada mais que isso. Queriam mesmo é fugir da rotina. Mas tomaram todas e na saída, noite bem avançada, tiveram que usar a Brasília para dar carona para duas daquelas criaturas. Cumprida a gentileza, antes de chegar em casa, parou a “poderosa” e deu um geral para não deixar rastro. Achou uma bijuteria, um batom e uma tiara. Ufa! Provas do crime jogadas fora, portanto devidamente eliminadas.
Em casa, a mulher ainda acordada. Brava! Com aquele bico de ornitorrinco, lembrou nosso transgressor que na manhã seguinte iam ser testemunha no cartório. A prima dela ia se casar.
Acordou daquele jeito. Gosto de cabo de guarda-chuvas na boca. Cérebro como se estivesse solto na cabeça. Tomou café amargo, trêmulo. Botou terno e gravata. A mulher sem dizer uma palavra, só fez lembrar na saída:
Pneu do carro de minha mãe está baixo, vamos passar lá para pegar ela.
Lá, entraram na “poderosa”, a sogra e duas cunhadas. A mulher ao entrar já foi dizendo:
Que cheiro de Avon é esse aqui dentro?
Ele eliminara qualquer vestígio, menos o cheiro. Não pensara nisso. A mulher esticou mais o bico ainda, mas não disse uma palavra (o que é pior!). Na primeira freada, algo resvala no pé dele. Disfarçadamente estica as mãos, toca. Um sapato! Como não vira? Precisava eliminar aquela evidência tão comprometedora. Com a desculpa que um pneu poderia estar baixo para o carro, e disfarçadamente joga fora o sapato. Entra no carro aliviado até que chegam ao cartório. Saem do carro, menos a sogra.
A senhora não vai sair? Vai ficar aí? – interroga nosso Romeu, e ela: "Estou procurando meu sapato. Alguém viu?"
agosto 01, 2019
julho 31, 2019
Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro d...

Decorridos quase 90 anos, fica fácil a um dos meus interlocutores do Ponto de Cem Réis questionar o nome de João Pessoa dado em setembro de 30 à cidade. E pior, atribuir a esse nome o emperro na Projeção turística merecida. “É esse nome que atrapalha” – insiste-se.
Mas por que João Pessoa atrapalha se Florianópolis (em homenagem a Floriano Peixoto) não atrapalha? Sem falar noutras cidades grandes e pequenas com nome que a maioria motivada, comovida consagrou?
No nosso caso, este batismo é o único nascido efetivamente de vontade autóctone, paraibana, fruto da espontânea comoção popular, sobretudo de sua mocidade. Dos restantes topônimos, o que não veio imposto de fora (Filipeia, Frederice) foi Parahyba, que por vir do rio o historiador José Leal queria o Estado no masculino, Estado do Paraíba, como Estado do Rio de Janeiro.
Nascida de sua mocidade? Sim, da mocidade livre das escolas lideradas, na capital, pela ala feminina, pelas meninas da Escola Normal, do Colégio das Neves, que antecipavam um momento especial da projeção da mulher em sonhos de emancipação cultural e social. Nos jornais e revistas dos anos 1930, sobretudo nas revistas e almanaques do gosto da época, a frequência da mulher em suas páginas emula com a dos varões. Desde a “Era Nova” dos anos 1920 que as Analyce Caldas e Eudésia Vieira ganhavam espaço.
E o fervor político de 1930 dispôs desse arrojo trazido às ruas pelas mulheres do povo. Celso Furtado, menino de poucos anos, vem dar esse testemunho em suas memórias. As mulheres eram o maior contingente nas passeatas e procissões que beiravam a sua janela da General Osório, rua que terminou encenando o capítulo inicial do romance de outro menino que descobria o mundo e a paixão desvairada dos seus moradores por um dos postigos que filtravam o tumulto o Virginius da Gama e Melo em seu “Tempo de Vingança”.
E se faltassem outros testemunhos mais vivos desse protagonismo límpido, sem interesses subalternos da mulher, recorra-se ao de d. Olívia Athayde, com seus 102 anos, em entrevista à “A União” de quinze anos atrás. Ela que falou pela juventude na hora em que o presidente Álvaro de Carvalho sancionava a lei que dava nome cívico, verdadeiramente cívico, à capital. No ato do Teatro Santa Roza falaram apenas o deputado Lima Mindelo, representando a Assembleia Legislativa, a senhorita Olívia Athayde, e o governador. A voz incitante do apelo feminino deu força à assinatura do chefe do Executivo paraibano, um catedrático do Liceu, homem de pensamento e de letras, fundador da nossa Academia de Letras, até ali ainda um tanto relutante:
“Proclamo que estais, nesta hora histórica, sendo um distinguido paraibano. Andais, quanto possível, de acordo com o povo. E é isto, precisamente, o que o povo quer. (...) Contai conosco e não leveis a mal uma solicitação de nossa brava gente. A Paraíba nova deu o nome de João Pessoa à nossa linda capital. Nós esperamos, exmo. sr. presidente, o vosso apoio moral para a bandeira com as cores do heroísmo e do sacrifício – rubro e negro”.
Não foi sem motivo que Celso Furtado, homem de emoções depuradas, não se comportou muito diferente da jovem que falava em nome das normalistas: “O assassínio brutal desse homem (...) provocou uma tal angústia coletiva que ainda hoje não posso recordar sem me emocionar. Várias vezes acompanhei aquelas domésticas em longas procissões (...) seguindo um andor sobre o qual ia uma fotografia de João Pessoa de corpo inteiro”.
Não foi um batismo de cima para baixo, imposto pelo rei ou pelo general vencedor.
julho 31, 2019
julho 30, 2019
(Alaurinda Romero) A beleza da vida está nas nossas escolhas, no nosso livre arbítrio e nas responsabilidades que tomamos para nós. A primei...

(Alaurinda Romero)
A beleza da vida está nas nossas escolhas, no nosso livre arbítrio e nas responsabilidades que tomamos para nós. A primeira vez que vi Carlos foi quando fui buscar o meu irmão, João Bosco, em sua casa, e ele estava na entrada do portão. Então, eu perguntei: “o senhor é o pai de Germano?” - “Sim. Eu vim buscar Bosco”.
Carlos simplesmente olhou para mim, e foi aí que não me detive apenas no seu olhar. Senti-o tão forte e profundo que até hoje não encontro palavras para descrevê-lo. Aliás, por mais nítidas e bem escritas, em nenhum idioma as palavras serão capaz de definir com exatidão aquilo que sentimos, aquilo que nos emociona.
Nessa mesma noite, fui convidada para um jantar, na casa de Carlos, oferecido após o concerto de nossa Orquestra Sinfônica – da qual fiz parte, como violinista, durante 30 anos –, em homenagem ao pianista Nelson Freire, à cantora lírica Maria Lúcia Godoy e ao grande maestro Eleazar de Carvalho, na época, nosso regente titular.
A noite só foi minha e dele. Fomos à sua biblioteca, folheamos muitos livros, conversamos sobre viagens, música, literatura. Tudo o que eu mais gostava estava ali com ele. Eu nunca fui tão autêntica, tão eu mesma e ele era ele. Uma verdadeira comunhão de pensamentos e vontades. No dia seguinte, Carlos me telefona e pergunta se poderia me levar para o ensaio da orquestra. “Sim” - respondi.
Quando chegou, vi que ele estava ainda mais bonito, no seu modo lento e cordial de ser. Como é bom ver e sentir a autenticidade transparente de uma pessoa verdadeira... Carlos, durante quase 30 anos, sempre foi e sempre será o mesmo, desde que o conheci. Compreensivo, íntegro, sincero, discreto, elegante, nunca alterou o tom de sua voz mansa e tênue. Quando eu insinuava uma discussão, ele apenas dizia: “Lau, meu anjo, eu não tenho mais tempo para ser infeliz”, e esboçava apenas um sorriso. E assim, costumava dizer, carinhosamente, que eu era “um anjo que apareceu em sua vida”.
Mas, o anjo era ele, que tanto me ensinou. Ah, como aprendi com ele! Às vezes, eu não encontro palavras para me expressar e dizer o quanto Carlos foi e continua sendo valioso para mim. Os livros que ele me indicava, os filósofos que mais amava… Bertrand Russell, Michel de Montaigne e tantos outros. Uma vez perguntaram a Montaigne, porque ele gostava tanto e admirava tanto o seu grande amigo, Étienne de La Boétie? Ele apenas respondeu: “Porque ele era ele”. E é por isso que eu amei e continuo sempre amando o meu Carlos. Porque ele era ele e eu me via nele.
“Amor, eu te amo. Você, fofinho, possui o meu pensamento. Vou tentar conviver com essa saudade eterna, mas, sempre com o consolo e a certeza de um novo reencontro.
De sua Lau”.
julho 30, 2019
julho 29, 2019
(Chico Viana) Há de tudo neste mundo. Li na internet a entrevista de uma estilista alemã especializada em roupas para defuntos. A princípio ...

(Chico Viana)
Há de tudo neste mundo. Li na internet a entrevista de uma estilista alemã especializada em roupas para defuntos. A princípio achei a idéia esquisita, depois me dei conta de que não é tão absurda assim. Ninguém se enterra nu; logo, não é irrelevante que o indivíduo se preocupe com a roupa com a qual vai adentrar a última morada.
Talvez só os muito vaidosos dêem importância a isso. Para a grande maioria, pouco importa o que vestir no caixão. Esse pouco caso teria a ver com o que Machado chama de “o desdém dos defuntos”, que envolve a moda e todo o resto.
A estilista mostra, no entanto, que é muito importante escolher a roupa adequada a ocasião tão especial. Afinal de contas, vai-se passar o resto da vida (ou melhor, da morte) com ela. O apuro com que o defunto está vestido concorre para a imagem que ele vai legar aos parentes e amigos. É preciso evitar comentários do tipo: “Viu que desleixado? Nem morto soube se arrumar”.
Um dos inconvenientes de não escolhermos a própria mortalha, segundo a entrevistada, é que corremos o risco de ser enterrados com uma roupa que não nos agrada. Aquela camisa berrante, aquele paletó apertado, aquela cueca áspera que roça e avermelha as virilhas.
Para evitar esse tipo de constrangimento, é melhor definir o figurino e deixá-lo no guarda-roupa. Assim como existe a indumentária do trabalho e a do domingo, existe a do repouso eterno. Ela ficaria ali, esperando o momento de entrar em cena. E indiretamente nos soaria como uma advertência sobre a efemeridade da vida.
A estilista já escolheu o que vai usar, e faz questão de dar sugestões aos clientes. O ideal é que o tecido seja leve, simples, despojado. Por dois motivos. Primeiro, porque lá embaixo faz calor. Segundo, porque não convém nessa delicada e misteriosa viagem sugerir arrogância. A vestimenta simples indica humildade de espírito, atributo sumamente desejável em quem vai se submeter ao julgamento eterno.
julho 29, 2019
julho 27, 2019
(Milton Marques Júnior) Como é próprio à juventude ser soberbo, saber tudo! Eu também já fui assim; hoje, velho, não me iludo. Não te obrigu...

(Milton Marques Júnior)
Como é próprio à juventude ser soberbo, saber tudo!
Eu também já fui assim; hoje, velho, não me iludo.
Não te obrigues a certeza, nem ser dono da verdade,
nem imponhas tuas crenças, tudo isso é vaidade.
Busca a paz no equilíbrio, não te nutras de ilusão;
pra quem quer sempre estar certo, que terrível solidão!
Ó efebo, desde já, vai tecendo esta verdade:
Não progride o Saber que desdenha a Humildade!

Quem não tem algum distúrbio, quem não tem algum conflito?
Só o feicibuquiano é histérico irrestrito.
A manchete já lhe basta, pra ativar a sua sanha
e repete, sem critério, toda e qualquer patranha.
Sem critério, não, Senhor! ele sabe como agir:
o critério que utiliza busca sempre confundir.
Distorcendo sempre os fatos, exacerba sem razão,
de um anão faz um gigante; de um gigante, um anão.
A caterva que o acompanha profetiza apocalipses,
num discurso verborrágico, todo cheio de elipses,
pois propaga o que não leu e se ler inda dirá:
De mentira em mentira a verdade morrerá.

O Pudor e a Justiça nos deixaram, foram embora...
É o que diz o grande Hesíodo em poema de outrora.
Sós, ficamos à mercê dos bandidos, dos ladrões,
do seu séquito de fâmulos, que ignora os padrões.
E tais fâmulos são piores que os bandidos que defendem,
ordenando que outros leiam, mas se leem nada entendem.
Meus queridos xerimbabos, de si mesmos tenham dó,
pois se alguém muito se abaixa, vai mostrar o fiofó.

A justiça no Brasil é injusta e morosa.
Para os ricos, vista grossa; para os pobres, poderosa;
pro delito irrisório, dura lex, sed lex;
para a grande corrupção, sobram malas e triplex;
para o roubo de um shampoo, o coitado amarga pena;
para malas de reais, liberdade sempre plena.
Pra justiça ser assim, colabora o imbecil,
defendendo os seus ídolos, sem defesa do Brasil.
Não te esqueças, grande parvo, que reclamas retrocesso:
Corrupção e violência são sistêmicas, são processo
e se algo deu pra trás, é porque algo avançou,
algo infame, vergonhoso, que a cegueira edificou.
(garimpados do facebook do autor)
julho 27, 2019
julho 26, 2019
(Carlos Cordeiro) “Algumas coisas boas às vezes são ótimas”. Assim se expressaria o velho Conselheiro Acácio. Recorro a ele para dizer que a...

(Carlos Cordeiro)
“Algumas coisas boas às vezes são ótimas”. Assim se expressaria o velho Conselheiro Acácio. Recorro a ele para dizer que as crônicas do Carlos, publicadas em seu blog - agora felizmente reaparecido por obra do seu filho Germano, como justíssima homenagem ao nosso cronista maior – estão nessa assertiva acaciana. Esclareço que a pecaminosa associação do nome de Carlos à imbecilidade conselheiral é apenas uma brincadeira de quem tem talento escasso, pois não existe ninguém menos acaciano que o Carlos.
Na verdade, ele é exatamente o oposto - em vez das frases bombásticas e vazias que Eça habilmente dependurou nos lábios inertes do Acácio, encontramos no texto do Carlos uma “simplicidade profunda” – uma capacidade de falar de coisas que transcendem o raciocínio diário e comum por meio de frases e raciocínios de aparência semelhante. Uma “superficialidade profunda” (perdoem o oximoro) que esconde magicamente um mergulho no pensamento mais profundo, tarefa que não é para qualquer um. E nisso ele está, por exemplo, com Santo Agostinho, que em suas Confissões soube acondicionar tão destramente sofisticadas reflexões metafísicas em um texto leve, gracioso, de comovente simplicidade.
A gente sabe se o escritor é bom quando vez por outra acorre à nossa lembrança alguma frase, um pensamento, uma descoberta, que lemos uma vez e ficou para sempre impregnada na memória, para nos acudir em nossos momentos de perplexidade filosófica ante a aparência desconcertante de um mundo tão violento, injusto e desonesto em que nos foi concedido viver para apurarmos o caldo grosso de nossa vida cheia de pecados. Falando assim, parece que estou a dizer que o Carlos era um moralista intransigente, inflexível na condenação dos defeitos humanos e incapaz de ver na natureza simples e colorida que nos cerca um cenário preparado por Deus para aliviar-nos na pesada tarefa de viver.
Quantas vezes, ao ler suas crônicas, peguei-me surpreendido com sua capacidade de ver nos coqueirais de Tambaú, numa simples florzinha do mato, na brisa do mar que abençoa seu ninho fincado nos contrafortes do Cabo Branco, revelações de uma verdade maior, que só os artistas, seres antenados, conseguem captar e transmitir. A quem comparar o escritor Carlos, que literatura pode ser semelhante à sua, na beleza, na acuidade, na plácida sensibilidade? Há muitos, e não vou cansar algum caridoso leitor que tenha me acompanhado até aqui, com listas de falsa erudição e risco de omissões criminosas. Nem precisamos sair da Paraíba para encontrar seus símiles. Ocorre-me de pronto José Lins do Rego. Basta este para ajudar-me nesta comparação de estilo, de sensibilidade e de beleza.
Soube agora que sua companheira e irmã de alma Alaurinda, artista de sensibilidade igualmente refinada, está compondo uma espécie de “Espaço Carlos Cronista” (criei esse título por puro enxerimento, ninguém mo pediu), ao recompor com a indispensável colaboração do Germano, os lugares onde ele viveu seus momentos de intimidade familiar, seus longos colóquios com os artistas de sua predileção, às vezes na biblioteca, outras no aconchego de seu canto predileto. Grande, inestimável Carlos. Lembrei-me de parafrasear um texto sobre Guimarães Rosa escrito pelo Drummond: “O Carlos Romero existiu mesmo, de se pegar?”
julho 26, 2019
julho 24, 2019
(Ângela Bezerra de Castro) Narrativa Narrar é sobreviver. É vencer o tempo e as armadilhas da vida. É enganar a morte. Foi assim com Sheraza...

(Ângela Bezerra de Castro)
Narrativa
Narrar é sobreviver. É vencer o tempo e as armadilhas da vida. É enganar a morte.
Foi assim com Sherazade e continua a ser com todos aqueles que dão sequência ao texto ou ao “risco do bordado” que a humanidade vai desenhando e tecendo ao longo de sua história.
Na força da narrativa o real se transfigura, permanece e se eterniza, mesmo quando a referência temporal que lhe deu origem já se apagou na paisagem do mundo ou na memória dos homens.
É esse poder de recriar o mundo, de restaurar o tempo, de reinventar a vida que atrai e consagra o narrador, e tem contrariado até hoje as vozes que se arriscaram a profetizar o fim do romance e da literatura.

Crítica literária
A Crítica Literária não se pode restringir a uma atitude individual e muito menos reduzir-se ao elogio vazio ou de conveniência.
A crítica é um saber exercitado através de século que, na segunda metade do século XX, atingiu um nível de competência e objetividade impossível de ser confundido com o discurso da banalidade.
Crítica é Leitura especializada, instrumentada pela Teoria Literária, pela História da Literatura e por outros conhecimentos que o texto-objeto exija, na decifração dos seus códigos. É análise rigorosa e conclusão fundamentada. Criação e descoberta. Luz que ilumina o texto para revelar as armadilhas da construção e suas estruturas de sentido. Ponte que faz mais segura a travessia dos leitores que empreenderão depois a mesma viagem.
É isto a Crítica. A verdadeira Crítica que se incorpora definitivamente à historia do texto literário estudado e não pode ser ignorado pelos novos leitores, tal a procedência de suas descobertas e a exatidão de suas lições.
(excertos do livro “Um certo modo de ler”)
julho 24, 2019
julho 23, 2019
(Davi Lucena) Meu caso de amor e amizade com Carlos Romero começou em 1994, mais exatamente no mês de abril. Foi o começo de um valioso rela...

(Davi Lucena)
Meu caso de amor e amizade com Carlos Romero começou em 1994, mais exatamente no mês de abril. Foi o começo de um valioso relacionamento de pai e filho. Estava eu com os meus 27 anos, recém-estabelecido em João Pessoa. Ele nunca gostou de conversar sobre idade e coisas do passado. Quando fomos apresentados, com um aperto de mão, a primeira coisa que dele ouvi foi: “não me chame de senhor”. Jamais obedeci, por causa da reverência que a figura dele me impunha. Naquele mesmo ano, em outubro, fizemos nossa primeira viagem. Nos preparativos, ele brincava dizendo que detestava fazer as malas, coisa que, na verdade, ele jamais experimentou.
Desembarcamos em Bruxelas. Ele, Alaurinda, Germano e eu, numa tarde ligeiramente fria. Era minha primeira viagem internacional e meus olhos reviravam com as belezas do velho mundo. Tudo era novidade: as casas bem alinhadas, os bosques de pinheiros, as igrejas milenares, as pessoas conversando em outras línguas. Ficamos no centro da cidade, pertinho da Grand Place e meu entusiasmo, ao debutar naquelas paragens, me impelia a querer estar na rua a todo instante, para ver o movimento, as bicicletas, os bondes, as pessoas. Logo percebi que meu companheiro de viagem, Carlos, que já tinha cruzado o Atlântico, não se dava muito a deslumbramentos. Com seu inseparável caderno de anotações, ele costumava sentar num banco da praça e escrever seus rabiscos, enquanto observava as pessoas indo de um lado a outro. Naquele pequeno papel, o cronista registrava curtas impressões, que mais tarde eram processadas e transformadas em sensíveis exposições do cotidiano. O vento, as nuvens, as pernas que passavam apressadas pelas ruas, os pombos à procura do milho que os transeuntes bondosos jogavam… tudo era inspiração para os textos do escritor.
Ele logo passou a me chamar de “Deivis”, na forma mais carinhosa que poderia existir. Quando me encontrava de manhã, no lugar do clássico “bom dia”, ele olhava pra mim e repetia a palavra 3 vezes: “Deivis, Deivis, Deivis”, como se fosse um mantra ou uma forma de benção. Carlos adorava cooper. Ainda na casa de seus 80 anos, com uma vitalidade impressionante que a genética lhe presenteou, ele singrava quilômetros, incansavelmente, e nos levava todos juntos em suas caminhadas. Com ele aprendi a ver o mundo por prismas que jamais tinha imaginado. As viagens, que muitos veem como oportunidade de compras e de festas, para nós eram momentos de renovação cultural e espiritual. Sua paixão por livros levou-me a conhecer grandes livrarias mundo afora. E não só isso. A nossa convivência potencializou ainda mais a minha inclinação pela leitura. Foi a espiritualidade de Carlos Romero que me deu a oportunidade de ouvir palestrantes de renome, a visitar a loja em que Allan Kardec trabalhou, a cidade em que nasceu, o túmulo no cemitério Père Lachaise. Por causa dele, fui apresentado a orquestras, pianistas, condutores, óperas, balés. Atravessamos riachos, passeamos por desfiladeiros, cruzamos mares e percorremos grandes distâncias, por terra, mar e ar. Em alguns momentos, sua voz ecoava de forma mansa, com uma observação sobre as ovelhas e vacas que pastavam nos campos. Sim, é isso mesmo, ele pensava alto e parecia conversar com os seres que o cercavam, inclusive os inanimados.
Já chegando aos 90, sua estrutura física deu sinais de declínio, mas sua vivacidade mental permaneceu acesa, a todo vapor, como um alegre trem sobre os trilhos, transporte no qual ele mais gostava de viajar. Nas escadarias, ele apoiava o seu braço no meu e puxava alguma conversa só pra disfarçar a ajuda de que precisava para escalar os degraus. Continuou vaidoso. Escondia a bengala para tirar fotografias e se recusava a entrar em filas prioritárias. Adorava camisas coloridas, abotoadas até o pescoço. Sempre exaltava a música erudita, e considerava relevante comparecer aos eventos de paletó e gravata. Certo dia foi presenteado com um chapéu Panamá e nunca mais quis deixar de usá-lo. “Esta é a minha marca registrada”... dizia ele.
Não reclamava de nada. Se a comida servida no restaurante era boa, elogiava. Se não estivesse apetitosa, elogiava do mesmo jeito. Diante de um prato de bacalhau fresco, então, seus olhos brilhavam. No carro, durante os trajetos, a paisagem soberana composta de árvores, campos e nuvens resplandecia lá fora, mas a atenção dele ela toda para a sua bonequinha, Alaurinda. Gostavam muito de conversar, discutir sobre arte, filosofia, religião, e, vez por outra, engatilhavam umas “briguinhas”, porque ela queria responder todas as enquetes que ele fazia durante os passeios. A Germano, a quem ele chamava de “meu anjo”, pedia sempre para colocar no som do carro um concerto de Bruckner ou Beethoven.
E assim as viagens transcorriam como uma festa, singela, divertida, cultural. As paradas serviam para um pequeno descanso e para contemplação. Na margem de lagos espelhados, ele colocava apelidos nas montanhas e recolhia seixos para levar como lembrança. Ao ver um gramado, estendia-se ao sol, sem querer saber de mais nada, só dos raios que acariciavam seu rosto. Nos jardins, parques e praças, pedia para ser fotografado entre as flores. Não podia ver uma estátua ou busto, que logo queria saber de quem se tratava. Do frio não gostava muito, mas nada o impedia de querer sair às ruas, passear nas calçadas, folhear um livro em algum recanto, fazer suas anotações para futuras crônicas.
Trago na lembrança aquele olhar sereno, aquele sorriso simpático, aquela companhia que sempre tornava agradável qualquer ocasião. Passamos por turbulências e navegamos em voos tranquilos. Vencemos tempestades e nevascas. Descansamos na calmaria. E ele, já impedido de ficar em pé por muito tempo, servindo-se do conforto de uma cadeira de rodas, participava de tudo, tirando o melhor que a vida tinha a lhe oferecer, sempre cantarolando alguma canção e fazendo com que todos o acompanhássemos em coro.
Será difícil, senão impossível, enfrentar alguma outra viagem sem a companhia física de tão adorável ser. Não sei se a dor da saudade permitirá. Mas, com certeza, ele irá nos incentivar a continuar fazendo aquilo de que mais gostava. Rodar o mundo, contemplar as belezas do planeta. Se isto acontecer, será ele, agora, que me dará apoio com o seu braço… e eu sei que vou ouvir aquele sussurro de incentivo e amizade em meu ouvido, a repetir, com carinho, “Deivis, Deivis, Deivis”.
julho 23, 2019
julho 22, 2019
(Chico Viana) A gripe é sobretudo uma agressão moral. Você sabe que ela não vai lhe matar, mas o estado a que o reduz é lastimável. Não dá p...

(Chico Viana)
A gripe é sobretudo uma agressão moral. Você sabe que ela não vai lhe matar, mas o estado a que o reduz é lastimável. Não dá para fazer selfie com o nariz vermelho e os olhos injetados. E o pior é o defluxo que dele emana (prefiro o termo “defluxo” ao escatológico “catarro”).
A medicina criou um nome pomposo para designar a gripe – influenza, que vem do italiano. É um termo simpático e que até nos dá vontade de passar pela experiência. Parece haver certa nobreza numa afecção cujo nome evoca a pátria de Dante e Michelangelo. Mas a empolgação acaba quando vêm os espirros e a febre (ou melhor, a febrícula, com esse sufixo derrisório). Seu moral começa a balançar, e o corpo pede cama.
O bom é que, deitado, você momentaneamente se subtrai à atual confusão político-institucional do Brasil. Esquece por um tempo a reforma da Previdência, o Coaf (a única coisa que lhe evoca essa sigla é o cof-cof da tosse), a disputa entre os três Poderes (bem que os próceres da República mereciam uma gripe bem forte para lhes moderar a vaidade e a ambição. Não dá para gritar “Quem manda sou eu!” com os olhos lacrimejando). O espírito vagueia, mas a influenza não se esquece de continuar o seu trabalho. Inerte e sorumbático, você não passa de um espectro mucoso a passar o lenço (o quarto já) pelo nariz.
Então a mulher vem e lhe oferece um chá. Pergunta se você quer vitamina C (pelo seu gosto, você tomava todo o alfabeto). Um antitérmico também ajuda. É o máximo que se pode fazer contra uma patologia para a qual não há remédio – a não ser humildemente esperar.
A gripe é sobretudo um teste de paciência. Não há como evitá-la, mesmo com as vacinas. Periodicamente um exército de novos vírus ameaça o nosso organismo para demonstrar o quanto somos suscetíveis às agressões do ambiente e à roda das estações. A gripe modera a nossa soberba e, se nos põe na cama, é para que depois nos levantemos humildes e mais compenetrados da nossa humana condição. Se é inevitável adoecer, que seja ela a nos fazer dar o devido valor à saúde.
julho 22, 2019
julho 21, 2019
(Bráulio Tavares) Todo mundo sabe que no Cemitério das Profecias Apressadas o túmulo dos que preconizaram o fim da poesia com métrica e rima...

(Bráulio Tavares)
Todo mundo sabe que no Cemitério das Profecias Apressadas o túmulo dos que preconizaram o fim da poesia com métrica e rima fica a apenas duas aleias de distância do mausoléu dos que decretaram o fim da pintura figurativa.
Modernismos literários à parte, a poesia de forma fixa continua a ser praticada no mundo inteiro, convivendo em paz com as formas mais recentes, que incluem a poesia não-discursiva, a poesia visual, o poema-objeto, o poema-performance, e por aí vai.
Rimar é como dançar. Exige intuição e exige técnica. Para efeito deste artigo vou considerar apenas a chamada rima exata ou rima consoante, onde as duas palavras que rimam precisam ter som igual a partir da vogal da sílaba tônica (rima / prima; tônica / eletrônica; precisa / camisa, título / capítulo; etc).
É diferente da rima toante, em que basta haver uma certa semelhança entre os sons: longe / onde; olhos / relógios; estrada / mata. Em geral, a rima toante se funda na vogal tônica, que é a mesma, como nos exemplos anteriores, ou parecida, como nestes: automóvel / ouro; quente / parede; profundo / pulso.
O Rei da Rima Toante chama-se João Cabral de Melo Neto.
O poeta é o dono do seu poema. Ninguém o obriga a nada. Quando põe o lápis no papel ou o dedo no teclado, ele é livre para escrever palavras até de cabeça para baixo, se quiser (Carlos Drummond já o fez, em “Amar/Amaro”).
Acontece, no entanto, que nessa Metrópole da Liberdade Absoluta existe uma região chamada O Bairro das Formas Fixas, como o soneto, o hai-kai, a sextilha, a décima... São fixas porque o prazer de cultivá-las está nas regras que devem ser seguidas. O jogo poético tem um componente de desafio técnico. Grande parte da sedução dessas formas poéticas é o esforço de estar à altura de uma exigência radical. A prática das formas fixas é uma espécie de esporte radical poético. Não é para qualquer um. É para quem pode.
O poeta que usa essas formas precisa mostrar que as conhece e as domina, tal como um músico que empunha o violão ou senta ao piano deve mostrar domínio do instrumento. Sem isso, dificilmente ele vai produzir algum efeito estético.
As palavras que rimam são utilizadas pela semelhança de som. O poeta inexperiente, que tem pouco vocabulário, tende muitas vezes a terminar uma linha com uma palavra qualquer e, ao chegar na próxima linha onde a rima deve aparecer, colocar no papel a primeira rima que lhe vem à cabeça. O poema é romântico. Ele diz à amada: “Eu te amo, e por isso estou aqui”. Mais adiante, precisando de algo que rime com “aqui”, vê-se obrigado a enfiar no poema um abacaxi ou um índio guarani, que não têm nada a ver com o que está sendo dito. Estão ali somente para não perder a rima. É o que chamamos de rima forçada, rima apelativa, usando palavras que entraram no poema como Pilatos no Credo.
A palavra que rima está sendo usada pelo som, mas é preciso fazer com que pareça estar sendo usada pelo sentido. Como se nenhuma outra palavra pudesse ter sido colocada ali, a não ser aquela, que, aliás, vejam só a coincidência! – rima exatamente com a palavra de uma ou duas linhas atrás.
Vi uma discussão sobre aquela antiga canção, “Mamãe” (Herivelto Martins, David Nasser e Washington Harline), que diz:
Mamãe, mamãe, mamãe...
Eu te lembro, chinelo na mão,
o avental todo sujo de ovo...
Se eu pudesse eu queria outra vez, mamãe,
começar tudo tudo de novo.
É evidente que o letrista queria encerrar a canção com estas duas últimas linhas, certamente as primeiras que ele pensou para este trecho. Ele precisava de uma palavra que rimasse com “novo” – e que se encaixasse no contexto. Podia ter usado povo, louvo, comovo... A solução encontrada (que alguns contestam) me parece boa, porque o avental sujo de ovo se encaixa perfeitamente na memória de infância proposta pela letra. A palavra fornece a rima, mas também tem tudo a ver com o assunto.
Palavras que têm poucas rimas forçam o poeta (ou o letrista de música) a repetir eternamente um pequeno repertório. Uma passada de olhos pela música popular brasileira nos mostra que o uso da palavra samba acaba levando os autores a se referir a muamba, corda bamba, a corda e a caçamba e assim por diante. A palavra Brasil, curiosamente, tem centenas de rimas possíveis, mas alguma pressão cívica empurrou inúmeros poetas ao uso de varonil, céu de anil, eventualmente fuzil ou cantil.
Drummond já abriu um poema (“Consideração do Poema”) anunciando: “Não rimarei a palavra sono / com a incorrespondente palavra outono”. Drummond nunca foi inimigo da rima. Rimou fartamente ao longo de sua obra, mas esse pontapé na mesa era para que as rimas fossem pensadas, e tivessem uma motivação maior além da mera sonoridade. Ou seja – que parecessem estar ali não pelo som, mas pelo sentido.
Pode-se falsificar uma rima? Há exceções? Claro, e exceções ilustres. Um caso clássico de rima apelativa foi produzido por Victor Hugo, no seu poema de tema bíblico “Booz endormi” do livro La Légende des Siècles (1855-1876). Dizia ele:
Tout reposait dans Ur et dans Jérimadeth ;
Les astres émaillaient le ciel profond et sombre ;
Le croissant fin et clair parmi ces fleurs de l'ombre
Brillait à l'occident, et Ruth se demandait, (…)
(Em tradução rápida, ou seja, sem pretender reproduzir todos os efeitos do original:
Tudo estava em repouso em Ur e em Jérimadeth;
os astros cravejavam o céu fundo e sombrio;
o crescente fino e claro, entre as flores da sombra,
brilhava no ocidente, e Ruth se inquiriu...”
Muitos críticos se dedicaram a buscar essa referência geográfica à cidade de Jérimadeth, até que se percebeu que era um trocadilho do poeta com “J’ai rime à deth”, “eu tenho uma rima para deth”. Rimas inventadas para “quebrar o galho” de um autor não são coisa rara, mas o fato disso ser feito pelo maior poeta francês não apenas legitima em parte o processo, mas aos meus olhos deixa o poeta, que era tão sisudo, com uma imagem mais bem-humorada e simpática.
Muitos poetas, antes de começar a redigir uma estrofe, fazem uma pequena lista das rimas possíveis. A lista de rimas é um pequeno mapa dos caminhos que ele poderá percorrer para dizer o que pensa. Ações metódicas como esta não comprometem a espontaneidade da escrita. Pelo contrário: mostrando antecipadamente as alternativas, ajudam a escrita a fluir de modo mais espontâneo, e deixam o poeta mais seguro, já sabendo por onde pode passar para chegar ao objetivo.
Se o poema vai ter rima obrigatória, não custa nada fazer antes uma lista de palavras com essa rima. E procurar entre elas as palavras que pareçam mais naturais, que desenvolvam o assunto da melhor maneira. É preciso evitar o perigo da primeira rima que vem à cabeça. Geralmente é ruim.
Por toda parte vemos poemas onde o autor, escrevendo meio de improviso, põe no fim do verso uma palavra com poucas rimas. Digamos que ele escreveu “cinza”. Agora, por causa disto, precisa escavacar a memória atrás de uma rima correta, e só acha “ranzinza” – e aí vai ter que encaixar essa palavra tão específica dentro do assunto que vinha tratando. Às vezes, dá. Geralmente, não. É aquele caso de “pintar o piso e se encurralar num recanto”. Fica sem escolhas.
julho 21, 2019
julho 20, 2019
Há livro para o qual retornamos às suas páginas buscando o prazer da leitura, embalado pela ansiedade. Livros que nos fazem lembrar passag...

Há livro para o qual retornamos às suas páginas buscando o prazer da leitura, embalado pela ansiedade. Livros que nos fazem lembrar passagens da vida profissional, porque encurtam a distância entre o autor e nós.
Oito anos depois retorno ao livro de crônicas “Eu e outros arrecifes” de Luís Augusto Crispim, rememorado nossas paisagens, lembranças perdidas no tempo porque inicialmente construídas nas distantes tardes da redação do velho jornal O Norte. Lugar aonde ele chegava com passos lentos e gestos majestosos, corpo esbelto, destacável à distância. Desejava um boa-tarde, cumprimentava a todos, sentava à mesa e batia à máquina a crônica do dia seguinte. Era o tempo de quando esculpia minhas primeiras páginas, com letras nervosas. Dele, artesão tarimbado da palavra escrita, recebia o estímulo para continuar escrevendo.
Nunca recorri aos seus ensinamentos sem um retorno favorável, validando o menor gesto de nossa parte, porque se revelava no espírito de fraternidade, base para a construção de uma sólida amizade. Não que eu tivesse intimidade de adentrar no seu terraço como fazia com relação à Nathanael Alves e depois da ausência deste, com igual familiaridade em relação a Gonzaga Rodrigues, mas quanto a Crispim obtive livros que faltaram no meu roçado, quando morei em Serraria e Arara.
Retornei ao “Eu e outros arrecifes” rodeado de lembranças do abraço que fertilizava nossa amizade, cuja releitura trouxe-me à mente as palavras que a professora Ângela Bezerra de Castro usou, por ocasião do lançamento do livro, quando revelou os caminhos da crônica trilhados por este jornalista morto quando estava na melhor fase de escritor.
Era um final de tarde. O dia adormecia com seus derradeiros raios cobrindo o Rio Sanhauá e sobre os casarões em redor da Academia Paraibana de Letras sibilava o vento, enquanto era lançado o livro de crônicas recolhidas por suas mãos dias antes da sua passagem ao Infinito, onde repousa.
Ângela fez um passeio ao mundo do amigo ausente, ao tempo em que a emoção contaminava a plateia silenciosa. Cada um recordando no silêncio uma frase, um abraço, a leitura emocionada do texto a qual tínhamos acesso todas as manhãs, completando nosso café.
Como por ocasião da primeira leitura, agora retornei ao livro recordando cada palavra da professora, palavras que construíram a personalidade do amigo, compondo a minha pequena lista de saudade de ausentes.
A emoção de Ângela, naquela noite, recordando o amigo confidente, espontaneamente remeteria às recordações da amizade construída na sinceridade recíproca, fez com que nunca nos esqueçamos de Crispim, admirado como ser humano lapidado pela educação e o bom trato. Num texto publicado à época no jornal O Norte, eu falava que um dia retornaria a leitura do livro, que faço agora com emoção, ao lembrar-me do amigo que está a cobrar culto à sua memória.
A exaltação da professora ao mestre e amigo misturada aos acordes do vento naquela boca-de-noite, ainda ressoa como ruídos de um címbalo, não se apagará de nossa memória.
Crispim é daquelas pessoas que separamos para admirar. Era diferente. Tinha um olhar para as artes e outro para a vida, e isso o fez um homem notabilíssimo, um homem cordial.
julho 20, 2019
julho 20, 2019
(Milton Marques Júnior) Na situação em que me encontro - e isto é uma reflexão minha, particular - consigo discernir alguns momentos de avan...

(Milton Marques Júnior)
Na situação em que me encontro - e isto é uma reflexão minha, particular - consigo discernir alguns momentos de avanço da civilização.
O momento um, vamos chamar assim, foi quando o homem, no sentido genérico do termo, começou a usar o vaso sanitário.
O momento seguinte foi a descoberta da tampa do vaso sanitário, compreendendo que era menos nocivo dar a descarga com o vaso tampado. E efetivamente é.
O terceiro momento é a epifania que o homem teve - agora no sentido restrito do termo, de sexo masculino - ao assimilar que deveria levantar a tampa do vaso para fazer xixi.
O quarto momento foi a grande descoberta de deixar o vaso limpo, após cada uso, considerando que alguém vai usá-lo, principalmente quem partilha a moradia com ele.
O quinto momento civilizatório se dará quando o homem masculino começar a fazer xixi sentado no vaso.
Eis chegado o momento supremo: quando após ter assimilado todos os passos anteriores, o homem lavar as suas mãos, antes de sair do sanitário. Lavar bem, não apenas molhar as mãos.
Se conseguirmos cumprir todos estes passos, respeitar o outro será fichinha.
julho 20, 2019
julho 19, 2019
Música cheia de vida, planta cheia de vida, cidade cheia de vida. Cheia de vida, expressão cheia de tudo. De brilho, de viço, de ânimo, de...
Música cheia de vida, planta cheia de vida, cidade cheia de vida. Cheia de vida, expressão cheia de tudo. De brilho, de viço, de ânimo, de cor, e humor. De boa conversa, contagiante, enérgica, vibrante. Márcia Kaplan era assim. Cheia de vida. De muita vida.
julho 19, 2019