A poesia de João Cabral de Melo Neto é tributária dos artistas plásticos aos quais louvou em poemas quase todos de extração metalinguística...


A poesia de João Cabral de Melo Neto é tributária dos artistas plásticos aos quais louvou em poemas quase todos de extração metalinguística, questionando não só a linguagem pictórica dos artistas como também a sua própria concepção da fenomenologia poética.

Com efeito, no ensaio sobre Jon Miró, ele não discorre apenas sobre os mecanismos de criação desse artista natural da Catalunha, mas também a propósito da elaboração dos poemas de sua própria lavra. Aliás, mais do que sobre Miró, esse ensaio trata a respeito do construto poético do autor pernambucano, do mesmo modo que, quando fala sobre a morte dos outros, fala sobre a sua própria morte. Aqui, vale registrar um episódio narrado pelo autor de "Educação pela pedra": "Levei-lhe (ao psicanalista espanhol López Ibor) o volume 'Duas águas' que ele leu e comentou dizendo: 'O que me impressiona é a sua obsessão pela morte'. Eu retorqui: A morte de que eu falo não é a rilkeana, é a morte social, do miserável na seca, no mangue, não é a minha. E ele disse-me uma coisa engraçada: 'Aí é que o senhor se engana: o senhor fala em morte social para exorcizar o seu medo da morte'", E concluiu João Cabral: "Realmente tenho muito medo da morte".

Julgando-se um poeta impessoal, antilírico por excelência, um poeta que escrevia a contrapelo, João Cabral cultivava uma poesia cujo solipsismo era atenuado, disfarçado, na medida em que, aparentemente falando sobre os outros, falava a respeito de si mesmo, Que o digam, no plano da linguagem, os poemas através dos quais dialoga com Cesário Verde, Graciiano Ramos, Quevedo, Francis Ponge, Valéry, Mondrian, Le Corbusier...

Inclusive, até mesmo no simples, prosaico, cotidiano gesto de catar feijão, Cabral estabelece um cotejo, uma analogia, com o seu modo de escrever. Também no desempenho de alguns toureiros na arena, ele encontra similitude com a sua arte poética: "(...) sim, eu vi Manoel Rodriguez,/ Monolete, o mais asceta,/ não só cultivar sua flor/ mas demonstrar aos poetas: // como domar a explosão/ com mão serena e contida./ sem deixar que se derrame/ a flor que traz escondida,// e como, então, trabalhá-la/ com mão certa, pouco e extrema: / sem perfumar sua flor,/ sem poetizar seu poema".

Ouso afirmar que, embora a crítica o considere um antilírico por natureza, ele possui, contraditoriamente, uma das características primordiais do poeta lírico: é incapaz de se "outrar", como diria Vitor Manuel de Aguiar e Silva.

Mas a prova maior da interferência do olhar, do visual, na sua dicção poética - não tivesse, ainda, o movimento Concretista se abeberado de sua poesia -, pode ser mensurada a partir daquele que muitos consideram o seu último poema, concebido quando já estava praticamente cego: "Pedem-me um poema, / um poema que seja inédito,/ poema é coisa que se faz vendo,/ como imaginar Picasso cego?// Um poema se faz vendo,/ um poema se faz para a vista,/ como fazer um poema ditado/ sem vê-lo inscrita?// Poema é composição,/ mesmo da coisa vivida,/ um poema é o que se aruma/ dentro da desarrumada vida.// Por exemplo, é como um rio,/ por exemplo o Capibaribe, / em suas margens domado/ para chegar ao Recife. // Onde com o Beberibe,/ o Tejipió, Jaboatão,/ para fazer o Atlântico,/ todos se juntam a mão. // Poema é coisa de ver,/ é coisa sobre um espaço,/ como se vê um Franz Weissman,/ como se ouve um quadro".

*Hoje, dia 09 de outubro, exatamente vinte anos da morte de João Cabral de Melo Neto"

Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a d...


Sempre defendi a liberdade, a democracia. Abaixo as ditaduras, sejam da direita, sejam da esquerda e viva o oxigênio da liberdade. Viva a democracia, que com todos os seus erros, ainda é o regime que dignifica o homem. E está aí o muro de Berlim demolido, está aí a Cortina de Ferro destruída. Mil vezes o rosto alegre de um estadista eleito pelo povo do que a carranca de um Stalin, de um Hitler ou a barba de um Fidel.

A democracia é o regime que cultua a coisa mais importante no homem: a liberdade, a livre opção. Pode ter seus pecados, mas com o tempo a coisa vai melhorando. Votar consciente do voto é o que importa. E quem vende o voto torna essa consciência numa mercadoria.

Ah, liberdade!... Quanto me alegrou a fisionomia risonha das pessoas em Moscou e em Leningrado, quando lá estive, logo depois que seu povo recuperou a liberdade. Todo mundo alegre, livre da ditadura...

Em muitos anos eu poderia não ter votado, baseado na isenção que a Justiça me concedeu, mas achei que, não votando, eu estaria sendo antidemocrático.

Ao votar, deve-se esquecer as brigas das campanhas, das agressões à honra dos candidatos. Esquecer dos ataques pessoais, todos eles dominados pela paixão política.

O que é asqueroso é o voto vendido, material ou ideologicamente, voto prostituído, voto de cabresto. Devemos votar esquecidos das gritarias das campanhas, dos ataques mesquinhos e da chamada “lavagem de roupa.”

O negócio agora é esquecer a campanha e colaborar com os candidatos que mereceram os votos da maioria. A ordem, agora, é esquecer os ódios, respeitar a vontade popular, e não atrapalhar os planos dos eleitos pelo povo.

E viva a Democracia!

(Publicado no jonral A União em 2010)


J. A. Kaplan, compositor, maestro, pianista, professor e escritor (nosso Kaplito) era naturalizado brasileiro, como também cidadão paraiban...


J. A. Kaplan, compositor, maestro, pianista, professor e escritor (nosso Kaplito) era naturalizado brasileiro, como também cidadão paraibano, da sociedade paraibana, e sua obra obviamente reflete toda a intertextualidade entre sons latinos, nordestinos, etc, outros sons a desvendar…

Nasceu em Rosário, Argentina, mas ao se mudar para a Paraíba, aqui virou um "severino", e fez nesse lugar a sua vida, a sua família (de lá e de cá) e amizades, a sua obra, a sua carreira, a sua história.

Kaplan e minha mãe, Márcia, deixaram imenso legado. Legado esse que tenho a honra de zelar. Toda a vida e obra de Kaplan formam um tesouro fascinante, como um cubo mágico a se transformar em harmonias surreais. Uma obra de formação, sem dúvida, que transcendeu. Uma obra de intertextualidade universal, apreciada por intérpretes e ouvintes de muitos países, afora o Brasil.

A UFPB, sempre a sua paixão, pois o seu amor eram Márcia (minha mãe) e a Música. Kaplan, como você disse, se paraibanizou, completamente, e suas cinzas foram colocadas para o plantio de uma árvore no Departamento de Música da UFPB, onde plantaremos ao lado outra árvore em homenagem à minha mãe, Márcia Kaplan, sua companheira de vida e morte

* texto escrito a propósito das considerações feitas por Germano Romero, que foi aluno de Kaplan por 5 anos, no Bacharelado de Música de UFPB, sobre sua obra executada em recente recital na Sala Radegundis Feitosa, em crônica de A União, transcrita a seguir:

Por fim, uma homenagem mais que merecida e à altura do nível musical que o antecedeu veio encerrar o repertório com uma sonata de autoria do maestro argentino, José Alberto Kaplan, um dos ilustres personagens de nosso meio musical que se paraibanizou muito identificado com a cultura e os valores regionais. Foi um momento especial em que se ouviu toda a pujança de expressões de nosso folclore, magistralmente transcritas com a elegância rítmica e temática que caracteriza a obra de Kaplan. Na qual se vislumbra não somente a arte musicada mas também os clamores de um povo sofrido, que permeiam subliminarmente a tessitura estética de suas composições, algumas vezes, idem pontuadas com claras recordações de sua terra natal. Em Kaplan, o tango abraça o coco de roda com uma fraternidade muito bem construída.

Assim, em meio a frases que sugeriam berrantes ao convite da boiada, ritmados em compassos de xaxado e outras alegrias nordestinas, cantadas em dueto de técnica virtuosa, foi finalizado o concerto da memorável noite.

(Sérgio de Castro Pinto e Carlos Romero) URBANO (Sérgio de Castro Pinto) ah estes cães vira-latas que andam determinados pelas ruas...


(Sérgio de Castro Pinto e Carlos Romero)

URBANO
(Sérgio de Castro Pinto)

ah estes cães vira-latas
que andam determinados
pelas ruas da cidade
e as conhecem palmo a palmo
na palma das patas
nas antenas do faro
na ponta da língua que
dobra e desdobra
as esquinas
de cor e salteado

ah estes vira-latas tão orientados
nada sabem do meu coração
que vive aos sobressaltos
e bate na contramão
no colapso do tráfego
adernando
adernando
cargueiro encalhado



HOMENS DE NEGÓCIO
(Carlos Romero)

Foi então, que vi
caminhando à nossa frente,
num passinho miúdo e ligeiro,
um vira-lata.

E ia apressado,
como se tivesse
um compromisso urgente,
talvez uma reunião importante da classe.

Notei que ele caminhava
sem olhar para os lados,
a não ser quando encontrava
um saco de lixo.

Tenho certeza que não viu o mar
que estava uma beleza, prateado
pela lua cheia.

Também não levantou
o olhar para o firmamento,
onde o céu estava
cheio de estrelas.

O nosso companheiro
não se conscientizou
das maravilhas que o rodeavam.
Só olhava para frente.
Para frente e para baixo.

E ia com tanta pressa,
que me fez lembrar
um prosaico executivo,
desses, que não têm tempo a perder.
Que vivem com os olhos no relógio
e os ouvidos no celular.

Você já tentou abrir a tela vazia do seu computador e se determinar a escrever qualquer coisa, algo simples, coloquial, besteiras de amor, ...


Você já tentou abrir a tela vazia do seu computador e se determinar a escrever qualquer coisa, algo simples, coloquial, besteiras de amor, paixão ou olhares que lhe fugiram?

Não é tão simples assim. Você escreve, apaga, torna a escrever, apaga e nestes infinitos gestos vão-se os minutos, os segundos e acaba a primeira hora.

Você busca aqueles pensamentos que lhe assaltavam, os pensamentos que até há poucos instantes habitavam em você. Nesta hora, descobre que o vazio fez um ninho e embaraçou sua mente.

Eu só queria escrever sobre a alegria de viver, mas, hoje em dia, com tanta dor sendo disseminada, com tantos desacertos que não levam a nada, acabo pensando na loucura deste existir.

Seria tão simples escrever sobre o casal que hoje estava na fila do supermercado, os dois se sentindo sozinhos para viver a paixão que os acometia. Mesmo com a fila do caixa estando enorme e homens impacientes abrindo latas de cerveja com sofreguidão por ser tarde de sexta-feira, ainda assim os dois se embeveciam com os próprios segredos, com toques sutis para se sentirem. O mundo deveria ser habitado somente por apaixonados e tudo estaria resolvido.

A poucos centímetros de distância dos dois, finjo-me de surda e cega enquanto minha vontade era a de olhá-los e captar um pouco daquela felicidade pequena. A certa altura, ele a chama de amorzinho, assim no diminutivo e eu sorrio, impossível não participar daquele momento. Pago minhas compras, pego as sacolas e ainda me viro para vê-los uma última vez.

Só agora, enquanto escrevo, percebo que a vida ganha diversa significância quando você tem outra mão a amparar a sua, outro coração a bater junto ao seu. Só o calor do amor pode romper as peles que formam muralhas em seu corpo.

Mas, neste meu momento, o silêncio é denso, o ar condicionado gela meus pés, e só me resta ocupar o tempo tocando com delicadeza estas teclas. Me atento às palavras, com os pontos e vírgulas e com a fluidez do que aparece para escrever.

Deixo a nostalgia de lado e continuo a vida abusando das horas, reparo que é madrugada e que estou feliz nesta simplicidade cotidiana onde sou dona do meu espaço, do meu tempo, dos meus caminhos, das minhas verdades.

A paixão? Ficará aguardando outra história, outras paisagens para acontecer, sem determinar origem, extensão ou peso. Sou uma simples viajante de olhar atento, pronta para captar a realidade esplendorosa e inesperada do mundo.


Cristina Lugão Porcaro é bacharel em artes plásticas, psico-pedagoga e escritora

O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis ...


O céu me fez formosa, dizeis, e de tal maneira que minha formosura vos leva a me amar sem resistência, e pelo amor que me mostrais, dizeis e até quereis que eu seja obrigada a vos amar. Eu sei, com o natural entendimento que Deus me deu, que tudo o que é belo pode ser amado; mas não compreendo que, pela razão de ser amado, quem é amado por belo tenha obrigação de amar quem o ama.

E ainda poderia acontecer que o amante do belo fosse feio e, sendo o feio digno de ser desprezado, fica mal dizer: ‘Amo-te porque és bela: deves me amar embora eu seja feio’. Mas, mesmo que as belezas se equivalham, nem por isso haverão de ser iguais os desejos, pois nem todas as belezas apaixonam: algumas alegram a vista mas não subjugam a vontade.

Se todas as belezas apaixonassem e subjugassem, as vontades andariam desorientadas e confusas, sem saber onde iriam parar, porque, sendo infinitas as pessoas belas, infinitos haveriam de ser os desejos.

E, conforme ouvi dizer, o amor verdadeiro não se divide e deve ser voluntário, não forçado. Sendo assim, como penso que é, por que quereis que submeta minha vontade à força, apenas porque me dizeis que me amais? Se não, dizei-me: se em vez de formosa o céu me tivesse feito feia, seria justo que me queixasse de vós por não me amardes?

Eu nasci livre e, para poder viver livre, escolhi a solidão dos campos: as árvores destas montanhas são minha companhia; as águas cristalinas destes riachos, meus espelhos; às árvores e às águas comunico meus pensamentos e formosura.

Sou fogo afastado e espada distante. Aos que apaixonei com a vista desiludi com as palavras; e, se os desejos se sustentam com esperanças, não tendo eu dado nenhuma a Grisóstomo, nem a algum outro (na verdade, a nenhum deles), bem se pode dizer que antes o matou sua teimosia do que minha crueldade.

Se a Grisóstomo matou sua impaciência e desejo impetuoso, por que se deve culpar meu honesto procedimento e recato? Se eu conservo minha pureza em companhia das árvores, por que devem querer que a perca em companhia dos homens?

Como sabeis, sou rica e não cobiço as riquezas alheias; sou de temperamento livre, não gosto de me sujeitar; não amo nem odeio ninguém; não engano este nem cortejo aquele; não zombo de um nem me divirto com outro.

A conversa honesta das pastoras destas aldeias e o cuidado com minhas cabras me distraem. Meus desejos se limitam a estas montanhas e, se daqui saem, é para contemplar a formosura do céu, passos com que anda a alma para sua primeira morada.

(discurso de Marcela - excerto de Dom Quixote)

Aprendi a viver com o que tenho e ser feliz com isso. E aprendi isso com meu pai, que não era socialista, pelo contrário. Era humano, e isso...


Aprendi a viver com o que tenho e ser feliz com isso.
E aprendi isso com meu pai, que não era socialista, pelo contrário. Era humano, e isso é muito nos tempos de hoje.
Aprendi a valorizar as pessoas que amo no dia a dia. E aprendi isso com minha mãe. Que não é adepta de nada, além da vontade de amar e demonstrar esse amor, coisa difícil para quem até o amor é medido.
Como diz meu amigo Políbio Alves, "me valorizem enquanto estou vivo".
Depois que fui, de nada adianta fulano dizer o quanto eu era bacana ou importante para ele.



A tecnologia é a oitava maravilha do mundo mesmo.
Acabo de receber mensagem de amigo, que está em viagem por países da Europa e Oriente Médio.
Enquanto conhecia o Museu do Holocausto, em Jerusalém, e dirigia em pleno deserto, ouvia a Difusora Rádio de Cajazeiras e o programa de Chagas Amaro - Amanhecer de saudades.
Pena que nosso Chagas não adira a essa tecnologia para usar zap e saber que está sendo ouvido neste momento lá em Israel.



O escritor, a escritora, tem duas agonias fortes:
Quando conclui seu livro e envia para uma editora e quando publica e espera a opinião dos críticos.
Penso que esta segunda agonia pode ser dispensada.
Quando escrevemos, devemos nos preocupar com a crítica, sim. Isso faz com que tenhamos mais cuidado com a linguagem que usamos em nossa escrita.
Quando publicamos, nossa preocupação deve ser apenas com o leitor. Que pode ser aquele crítico rigoroso, mas também pode ser o leitor comum, que lê seu livro e dá o retorno apenas pela emoção que a leitura proporcionou.
Não, nunca serei cartesiano, embora admire os críticos literários.



Sobre a Bíblia:
Vez em quando leio questionamentos de que nela existem crimes, corrupção, incestos, etc.
Óbvio.
Só podemos falar do bem quando conhecemos o mal.
E é isso que a Bíblia faz. Expõe o mal, para mostrar a importância do bem.
Como qualquer romance que tem personagens más e que no final o bem prevalece.

A catinga formava um aranhol. As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal. Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, ...


A catinga formava um aranhol.
As cigarras aplaudiam a fulguração triunfal.
Flamejava o painel do aceiro – as árvores ígneas e, esplêndida, a macaíba com o leque de chamas.
A manhã estava tonta de claridade.



Parecia um inferno orgíaco.
O milharal embandeirava o sitio em festa.
O melão bravo salpicado de ouro formava um ninho acintoso.
As cigarras aplaudiam uma fulguração triunfal.
Mal se distinguia o que corria do céu: se a claridade líquida ou a garoa dourada.



Eu chorava, de manhãzinha, quando os passarinhos começavam a cantar – chorando, que é a forma mais alegre de criança falar.



A minha alma de velho
Anda agora renovada,
Que a paixão é como sonho,
Chega sem ser esperada



Não se vê um olho d’água,
Quando há seca no sertão,
E enche-se os olhos d’água,
Quando seca o coração

(excertos de A Bagaceira)


Fui ver o filme ESTRANGEIRO (Edson Lemos Akatoy). É um daqueles filmes que você tem que ir bem descansado, espírito aberto e disposto a uma ...


Fui ver o filme ESTRANGEIRO (Edson Lemos Akatoy). É um daqueles filmes que você tem que ir bem descansado, espírito aberto e disposto a uma profunda contemplação da natureza. É longo (quase 2 horas).

Me lembrou LIMITE (Mário Peixoto) o tempo todo e a música de Satie (repetidamente) me reavivou essa lembrança. Correto, bem feito, em verdade, abissal, meio existencialista, meio metafísico, supõe refletir a temática da saudade, mas sendo extremamente intimista, me tocou - entretanto - como uma espécie de busca juvenil da personagem que "volta" às origens (?) e "viaja".

Terá sido tudo somente um sonho? Well... o onírico tem sua potência, claro. O filme tem matizes oníricas e brilha nos flagrantes fotográficos da natureza bela das praias paraibanas (principalmente Tabatinga). A sacada de fazer o filme em preto e branco foi genial, pois respalda a proposta meio espectral, nostálgica, fantasmagórica (quanto a isso, nenhum pecado). Bem nordestino, brasileiro (o sotaque não nega, nem ofende), mas é de um outro Nordeste que se trata (longe desse insensato e miserável mundo).

Acadêmico sim senhor, mas há lugar também para uma nova escola de cinema nordestino, por que não?. E provavelmente, "Estrangeiro" terá seu lugar na filmografia nordestina (e brasileira) do futuro.

Feito com poucos recursos tem o mérito de captar a beleza do lugar, o silêncio e a generosidade ecológica que os deuses concederam à região. As interpretações das jovens atrizes não comprometem, mesmo porque no centro da cena reina mesmo a Mãe Natureza (talvez idílica, edênica, paradisíaca em demasia, pois sabe-se, a Natureza é também madrasta).

O filme é norteado por uma vibe aguçadamente feminina (guardando grandes enigmas, sutis mistérios). Mas o experimentalismo valeu demais. Principalmente porque a estética é deslumbrante.

No que concerne ao fenômeno cinema, lembrei das aulas de Linduarte Noronha, cinema é "imagem em movimento". Mas e o pathos? A saída foi buscada na música trovejante de Wagner. (Algo que - me parece - não ficou bem resolvido).

No mais, elipses, flashback, fusões... porque a juventude pode também ensaiar novos itinerários de (trans)vanguarda. E... uma ode à paisagem, cheia de encantamentos: chuvas lindas, suavidade, êxtase das crianças correndo à beira-mar, e que coisa bonita as imagens das bolhas de ar em raro flagrante submarino, justo quando a atmosfera do Brasil e do Nordeste real parecem irrespiráveis. Enfim, estranheza poética, e muita poesia!

Zé Bonitinho era feio de doer. Colega nosso de aula. Quem se sentasse atrás da carteira ocupada por ele haveria de exercitar o olfato, re...


Zé Bonitinho era feio de doer. Colega nosso de aula. Quem se sentasse atrás da carteira ocupada por ele haveria de exercitar o olfato, repugnando o mau odor da camisa mal lavada: o suor vencido. Jamais exalou complexo ou se sentiu alijado por preconceito da turma.

Integrava-se com facilidade a qualquer conversa. Contava lorotas, desvendava a origem rasante, sem demonstrar-se dimi- nuto.

Recordo professor José Maria, com sua rígida disciplina, desafiador em defesa do silêncio para começar a explicar as misteriosas nuances da Gramática Portuguesa. Devemos, os que com ele estudaram, o bom português que ainda é serventia a traçarmos (como eu, agora) os pensamentos em feitio de letras impressas; a tônica, a rizotônica explicadas no quadro negro.

Prof. José Maria no costumeiro paletó, sério, irônico, excelente na arte de transmitir à turma as regras do vernáculo.

Zé Bonitinho era atencioso, bom aluno, notas azuis no boletim, atento a todas as disciplinas ensinadas. Inteligente, acompanhava com facilidade todas as matérias expostas. Merecedor de elogios e respeito. Uma vez Rinaldo Silva, que está mergulha- do na luz divina, brincalhão e linguarudo disse, por brincadeira, que Zé Bonitinho era comunista.

Todos ficamos suspensos, a algazarra se formou, a aula vaga, e ele, cabeça baixa, alheio à revelação do colega, continuou a leitura da lição. Não conhecia Marx, nem a patota seguidora dos ditames da linha por onde Engels caminhava. Por fim, se levantou, guardou o livro dentro da carteira e foi ao lanche.

Acudiram os curiosos, pensando encontrar “O Capital” escondido pelo colega. Que nada! Depararam-se com ingênuo romance de Jose Mauro de Vasconcelos, “Meu Pé de Laranja Lima”.

Zé Bonitinho nunca soube da atitude investigativa dos colegas. Ao retornar, reabriu a página marcada, deu um arroto mal-edu- cado e prosseguiu a leitura.

A inspetora chegou nervosa, procuran-do saber o que motivara o alvoroço. Dona Maria marcava em cima do lance, gostava de confusão. Todos em silêncio de pedra. Foi quando um dos colegas começou a cantar: “Não me conformo/com este destino/ Dona Maria quer mandar nestes meninos”. Foi levado à diretoria.

Zé Bonitinho continuou na companhia
de José Mauro, sob a leitura agasalhante do livro, desgarrado de tudo que acontecera. Ensimesmado, ao sabor acre do romance ingênuo. Sem maldade, como Zé.


Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos d...


Preso e condenado à prisão perpétua, Jean Valjean chega a Toulon, a bordo do navio Orion, para cumprir a sua pena. Este é um dos momentos dramáticos de Os Miseráveis, quando tudo parece fracassar na vida do personagem, que prosperara e fizera fortuna como o empresário M. Madeleine.

Victor Hugo, no entanto, faz uma das digressões didáticas, muito comuns nos seus romances, para explicar com ironia, como o dinheiro do erário vira literalmente fumaça, sendo gasto com pompas e circunstâncias inúteis, enquanto o povo passa fome.

Na chegada do Orion ao porto de Toulon, o navio é saudado com onze tiros de canhão, aos quais responde, um a um. São vinte e dois tiros, ao total, portanto. Hugo faz uma conta rápida e chega à conclusão de que o dito mundo civilizado gasta, por dia, com tais formalidades vãs, 150.000 tiros de canhão inúteis. Ao preço de seis francos, atualizaremos para seis euros, gasta-se a fortuna de 900.000 euros por dia e a bagatela de 300 milhões por ano, em, literalmente, fumaça. Complementa Hugo: "Ceci n'est qu'un détail. Pendant ce temps-là les pauvres meurent de faim". ("Isso é apenas um detalhe, durante o qual os pobres passam fome”)

Salamaleques não nos faltam, além dos desvios proverbiais, por onde se esvai nosso dinheiro. Mas os novos tiros de canhões que fazem nosso dinheiro virar fumaça são a imoralidade do fundo partidário, devidamente apoiado por políticos que se dizem de esquerda e do lado do povo. Como disse Hugo, é apenas um detalhe; enquanto isso, os pobres morrem de fome.

E o criminoso, coitado, é Jean Valjean. Por causa de um pedaço de pão, que não logrou levar para matar a fome dos sobrinhos.

Vivam Victor Hugo e esta obra memorável, sempre à cabeceira.


“Manter a mulher confinada aos limites do lar fazia parte deste processo ideológico de submissão que também imprimia à palavra liberdade um...


“Manter a mulher confinada aos limites do lar fazia parte deste processo ideológico de submissão que também imprimia à palavra liberdade uma conotação depreciativa. Referindo-se ao ser feminino, liberdade sempre se confundiu, propositadamente, com devassidão ou libertinagem. Até bem pouco tempo. E a ameaça da mancha moral, mais devastadora que a lepra, foi a grande força repressiva na manutenção da mulher submissa, dependente, sem vez e sem voz.”

“Uma sociedade que não enxerga a educação como valor essencial, também é insensível à preservação da memória, indiferente à necessidade de transmissão da cultura. Por mais duro que seja admitir, não é outra a realidade.”

“A inclusão da crônica entre as formas ou espécies literárias não comporta mais discussão. Mesmo que a teoria e a crítica tivessem silenciado a respeito deste gênero ou pós-gênero literário, como classificou pioneiramente o professor Eduardo Portella, bastaria a intensidade da produção para que a crônica se impusesse como fato consumado. Diante de Rubem Braga, de Rachel de Queiroz, de Carlos Drummond de Andrade, como negar identidade literária à expressão que integra, na conformação da narrativa, a densidade poética?”

“São tantas as afinidades entre as Memórias e a ficção romanesca, que a aproximação entre as duas espécies narrativas se impõe, naturalmente. Encontrando-se algo de romance em toda memória e muito de memória em quase todo romance.”

“O amor à terra natal é uma motivação que se afirma em muitos projetos humanos, mesmo sendo este amor discutível em sua origem, polêmico em sua razão de ser. A ele costumam ser creditadas realizações de naturezas as mais diversas, transparecendo a sua influência, de modo mais ostensivo, no campo da atividade intelectual.”

“O tempo que aniquila é também acumulação e memória. Duração da consciência, como, queria Bergson . Experiência vivida que se insere num infinito continuo de durações, segundo a compreensão da fenomenologia de Husserl. Perspectiva essa que permite o dimensionamento da visão de imortalidade, em termos que corrigem não apenas a distorção da utopia, mas também o desvio do culto à individualidade.”

(Excertos de "Um certo modo de ler")


Sigo... a água... que a sede pede e que me desce pela garganta... até que a sede cede. Sei que não há, por exemplo, na Natureza, Ju...


Sigo... a água... que a sede pede
e que me desce pela garganta...
até que a sede
cede.

Sei que não há,
por exemplo,
na Natureza,
Justiça como a entendemos
e

( se previna ),
nem - como você aprendeu num templo - a... Divina.

A mim me fascina... não ser de Tupã o trovão,
e que a ira tenha outro nome:
fome, na onça, lobo
e leão.



Mas o mundo... é curioso:
mesmo... misterioso,
nele existe o afeto... por coisas como um conto infantil
em que flor
é um heliporto de inseto.

Tire-se o joio do trigo,
de Troia,
dos Desastres de la Guerra de Goya,
e,
do trio teremos... a
joia.



E a Grécia — clássica,
fantástica,
do Partenão,
ainda deu...
Sófocles e Platão,
Aristóteles... com Zenão!
Deu,
ainda,
o Demócrito,
fera que viu o átomo
em Abdera,
enquanto — com brilhantismo — o heliocentrismo foi detectado por
Aristarco,
em Samos!
Além do que — convenhamos:
Arte por toda parte!




... e a conclusão
triste,
mas linda,
de que o ontem... já não existe...
o amanhã... inexiste ainda,

... o que torna o relógio - bússola do Tempo - o absurdo com
que mais me aturdo,
pois quem,
salvo engano,
navega sem oceano?

Pergunto,
mergulhando no assunto:
Como
se espera - nesse inexistente futuro - um dia comum,
de dois mil... e sessenta e um,
( sem ficção de apocalipse em cósmica revolta )
em que o que se destaca é o cometa Halley
de volta?

Será isso um sinal... do juízo,
afinal?

(excertos de "Vida Aberta - Tratado Poético-Fiosófico")


Primeiro cuida do jardim. Depois convida os pássaros e as abelhas. As borboletas e as lagartas. Beija-flores e vagalumes. Estamos cuidand...


Primeiro cuida do jardim. Depois convida os pássaros e as abelhas. As borboletas e as lagartas. Beija-flores e vagalumes.

Estamos cuidando do quintal no Casarão dos Azulejos. Eis aqui o Jardim das Palavras, onde acontecem projetos como o Quintas de Primeira, o Conversas Tocadas...

Livros, violinos, trompetes, flores, pássaros... e gente. Gente que gosta de gente. Gente que gosta de bicho. Gente que gosta de arte. Gente que gosta de cuidar...

Eis a revolução!



Escutei de longe André falando sobre leitura e lembrando das histórias que sua mãe contava.

Então lembrei da minha mãe. Dona Joanna também me contava histórias. Lia cordéis pra mim. Me contava as histórias de cangaço contidas nos cordéis. Me trouxe contos de castelos e princesas, do bem e do mal, histórias de bondade, de aventura, de humanidade.

Mas também as trágicas como a história do sapo que foi de carona para uma festa no céu e voltou voando sozinho. Agora imaginem o desespero da narração. Ao ver que iria cair sobre uma pedra, o sapo dizia: “abre-te pedra se não te racho”. (hahaha)

Minha mãe não só me ajudou a gostar de histórias. Ela me ensinou que ler é inevitável e que, portanto, a gente precisa aprender a ler cada vez mais e melhor.

(Excertos do cotidiano web)

Foi não foi, estou indo com a cara na cara do Juca que eu conheci menino, morando na mesma rua onde eu morava. Um dia, contando com o concu...


Foi não foi, estou indo com a cara na cara do Juca que eu conheci menino, morando na mesma rua onde eu morava. Um dia, contando com o concurso do Cabeção acertamos de fundar um jornal, isto no ano remoto de 1907. E o órgão veio à circulação com o seu titulo apavorante: "O Mofo".

O José Rodrigues, que hoje é coronel engenheiro do Exército, com o pé no generalato, era naquele tempo apenas moleque branco de rua. Os três mereciam a mesma classificação. O jornal era manuscrito e caía furioso contra o prefeito Osvaldo Pessoa. Mas, há de ser bom dizer que o prefeito, naquele tempo, exercia todo o seu tino administrativo por sobre um carneiro de sua propriedade. Logo, não era prefeito, era um vagabundo, da mesma marca dos redatores d’"O Mofo".

Um dia, porém, a redação deu para o mundo. Brigamos. Deixei a Paraíba, como já deixara a Bahia de Todos os Santos e o Piauí de todos os diabos. Nunca mais vi o Juca, porém esquecer nunca pude a quadrinha que ele escreveu dedicada ao carneiro de Osvaldo Pessoa.

Recordo-me também que, por causa d’"O Mofo", o Cândido Pessoa quase partiu a cara de um português que tinha um bilhar.

Pergunto: quantos anos tenho de jornalismo?

Em 1910, eu, Esdras Farias e Antônio Gitirana, em Beberibe, lançamos "O Símbolo", órgão do Grêmio Hermes Fontes. Até mestre Laurindo Leão era leitor do nosso órgão. Mas, lá saiu um soneto maldito e frei Afonso excomungou o jornal.

Faz muito tempo que pratico o jornalismo! Mais antigo do que eu, somente o Ildefonso Lopes que editava "O Mês", periódico que aparecia de dois em dois anos. Depois disso, veio "A Coluna", com Célio Meira e Samuel Campeio, o bissemanário de Vitória de Santo Antão, jornal que manteve forte polêmica com o vigário Américo Vasco.

Faz muito tempo que pratico o jornalismo!

E só isto, nada mais. É bonito praticar o jornalismo. Dornício Rangel morreu arrastando os pés, surdo, e de vista curta. É bonito.

Nada como ter muitos anos de jornalismo!
— Que é que aquele homem tem na vida?
— Aquele é um jornalista!
— Que é que ele tem?
— Muitos anos de jornalismo.
— Então, está bem. Está com tudo.

esta lua turca cai feito uma luva na praia da urca, na pedra da gávea. esta lua cheia é um túrgido ubre espargindo leite sobre a madruga...


esta lua turca cai feito uma luva
na praia da urca, na pedra da gávea.
esta lua cheia é um túrgido ubre
espargindo leite sobre a madrugada.
pálida e sem luz esta lua minguante
é leite com água, chama dos amantes.

candeeiro de luz bruxuleante,
hóstia andante de uma irmã de caridade,
esta lua é o branco marfim de um elefante
perfurando do céu o toldo estrelado,
mastodonte manso, pacificado,
urinando gotas de luar no gozo
dos amantes tristes e extenuados.

esta lua é o osso adamantino dos cachorros
que a farejam como detetives loucos,
noite e dia, dia e noite, a toda hora,
lambendo os dedos róseos da aurora.

...
lua dos haicais, amassada pelas águas.
lua que flagra o súbito peixe-espada
esgrimindo no ar a lâmina prateada.

esta lua ilumina a copa dos cajueiros
onde os ventos alíferos, ligeiros,
com dedos de hábil carpinteiro,
envernizam as castanhas, rolimãs
que giram, enluarados seixos,
castanholas que estalam, tatalam,
batendo de frio o impaludado queixo.

lua que se banha numa poça de piche,
nada há que a tisne, seja o azeviche
ou a lama, continua lua-alvaiade,
lua-cisne, lua-argêntea, lua-porcelana.

louça louçã, esta lua já entornou a via láctea
nos olhos abertos dos que hoje dormem
(sob mil pálpebras) o sono de pedra das estátuas.

lua-amazona, que com a roseta das estrelas
esporeia o negro ventre da poldra desvairada,
que relincha, resfolega, bate os cascos inquieta,
luzindo uma branca lua de pelos sobre a testa.

luas espetadas, roletes de cana, de néctar,
redondas, feéricos buquês das namoradas.

lua das canoas do parque, transatlânticos
singrando as águas da infância, indo
muito além da taprobana e de pasárgada.

esta lua é a gambiarra da ponta do seixas,
ribalta em que as espumas das ondas
são brancas lãs de ovelhas tosquiadas,
balindo, balindo mansas, na beira da praia.

raios de lua extraviados são filhos enfurecidos,
proscritos, exilados, raios que ribombam –
ventríloquos – pela garganta do trovão.
nos céus do inverno, relâmpagos espionam,
emissários do verão.