A ndei comparando a família a uma orquestra. Assim como esta, a família também desafina, e tem como maestro o pai. E haja dissonâncias, temp...

A família, uma orquestra

Andei comparando a família a uma orquestra. Assim como esta, a família também desafina, e tem como maestro o pai. E haja dissonâncias, temperamentos díspares, afinidades, que o chefe de família vai procurando harmonizar e amenizar.

Na nossa família paterna, houve poucas desafinações. Afinal o maestro era severo e sereno. Bastava o seu olhar, para que todos seguissem a partitura sem erro. Não me lembro que um de seus filhos tenha sido castigado, a não ser aquelas boladas nas mãos. O respeito que ele impunha ao conjunto sinfônico valia por um carão, uma admoestação mais firme. A batuta de sua autoridade funcionava.

O pai-maestro, José Augusto Romero, foi um exemplo de chefe de família, merecedor de todos os aplausos. Tinha as suas predileções, é claro, a começar pelo caçula, este que hora escreve. Isto, porém, jamais abalou seu senso de justiça. Amava muito as filhas Ivone e Iracema, que foi a última a nascer, passando a ocupar o posto de caçula. Ainda bem que uma minha tia, muito querida, dissesse para mim: “Você passou a ser o caçula dos homens”.

Mas vamos à orquestra familiar. O mais velho, respeitado por todos, e que, às vezes, substituía o maestro, era Mário, um rapaz bonitão, inteligente, ótimo jogador de vôlei e de futebol. Muito elegante, ele foi professor primário e depois universitário. Ensinava Finanças, disciplina árida, mas que ele com muito bom humor, sabia torná-la agradável. Bastante querido dos alunos, o nosso mano soube desempenhar bem o seu posto de irmão mais velho.

E vamos aos outros: Alberto, que foi jornalista e escritor, deixou um gostoso livro: “O assunto é jornal”, um relato de suas experiências de jornal. Ele chegou a redator-chefe do “Jornal do Brasil”, lá do Rio.

E agora falemos de Orlando, que foi agrônomo e terminou ocupando a carteira de fiscal agrícola do Banco do Brasil. Não teve filhos, assim como Alberto. Orlando era gago e, quando se zangava, era um desespero. Certa vez chamou uma vizinha austera, já idosa, de “Washington Luiz”, candidato à presidência do Brasil. A velha, irritada, foi fazer queixa à minha mãe, que depois de receber a reclamação, disse com os seus botões: “ela bem queria ser “Washinton Luiz”. Ainda bem que o maestro não soube disso...

E chegamos a Ivone, loira, bonita e, sobretudo, de excelente gênio. Foi minha companheira de meninice. E lamentava não ter uma irmã para brincar. Valeu-se de minha companhia. Ela chegou até a me ensinar a brincar com bonecas, ora vejam só... Ivone tocava piano e era muito dedicada ao teclado. Meu irmão do primeiro casamento de minha mãe, Eudes, poeta, jornalista e historiador, certa vez aborreceu-se com os repetidos exercícios pianisticos de Ivone, e escreveu estes versinhos:

“Ó Dona Ivone, este seu piano é impertinente
Eu só queria que ele se quebrasse um dia, de repente”

Mas terminemos fazendo referência à caçula das mulheres, Iracema, cujo nome foi sugerido pelo irmão Eudes Barros, inspirado na personagem de José de Alencar. Iracema casou-se com o urologista Domilson Maul de Andrade, com quem teve quatro filhos. Era louca por música. E depois que ganhou do marido um piano de cauda, não quis mais outra coisa na vida. Mas, para o marido viúvo, o piano continua tocando, na sua imaginação saudosa. Ele é vizinho do mar de Tambaú, em cuja calçada faz suas caminhadas, ao lado de amigos.

A verdade é que a nossa orquestra familiar funcionou muito bem. Seu maestro, com austeridade e senso de responsabilidade, saiu do tablado sob aplausos.

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