Umas simples estrelinhas de São João. Vocês sabem do que se trata. Elas são o mais inofensivo, o mais humilde e o mais sem graça dos fogos juninos. Normalmente são compradas para as crianças menores e mais bobinhas, as que não podem ainda se arriscar nas bombas e foguetões. Se os seus destinatários não fossem mesmo tolinhos, por conta da pouca idade, certamente sentir-se-iam discriminados por receberem, para celebrar a festa do mês de junho, os fogos mais simplórios, ao contrário dos outros, os mais velhos, com seus artefatos barulhentos e brilhantes. As estrelinhas não emitem qualquer som e a pouca luz que produzem, quando acesas, é menor que a de um vagalume.

Também tive minhas estrelinhas na infância. De um outro tipo, é certo, mas não menos impactantes. Saltemos, pois, três décadas, e já nos anos 1960 imaginemos um menino que só há pouco abandonara as calças curtas, descobrindo a vida com olhos e coração absolutamente virgens, aluno do quarto ano do então Curso Primário (atual Ensino Fundamental), na Escola Modelo, ali na Camilo de Holanda, por trás do Liceu, ambos então dos melhores estabelecimentos públicos de ensino da cidade, realmente modelos.
o que posso dizer é que aquela discriminação, aos meus olhos injusta e injustificada, marcou-me fundo a sensibilidadeEsse menino, do qual, acreditem, lembro-me perfeitamente bem, era, como não poderia deixar de ser naquela idade e naquele tempo, sensível e completamente inocente a respeito da máquina do mundo, suas engrenagens e funcionamento. Acostumado até então com a edênica igualdade que regia as crianças de sua convivência, não estava de nenhum modo preparado para conhecer, da pior forma possível, as diferenças que separavam e separam as pessoas na sociedade. Vamos aos fatos.


Não sei como meus colegas viram e sentiram tudo aquilo, porque nunca conversamos a respeito, nem então nem depois. De minha parte, o que posso dizer é que aquela discriminação, aos meus olhos injusta e injustificada, marcou-me fundo a sensibilidade, a própria alma, posso afirmar, a tal ponto que a considero uma das experiências fundadoras de minha personalidade retraída. Imagino que possa ter pensado, à época: Então é assim que é o mundo: uns valem mais que outros – e eu estou entre estes últimos, os que menos valem. Que precoce, soberba e dolorosa lição de política e sociologia, aquela que tinham me dado, sem saber, as pragmáticas professoras...
Mais recentemente, quando ouvi o já idoso Cony falar de suas inesquecíveis estrelinhas do Seminário, em entrevista dada a Roberto D’Ávila, lembrei-me logo das minhas da Escola Modelo, sem saber, das duas, quais as que doeram mais no impressionável espírito daqueles dois meninos de antigamente.
Francisco Gil Messias é cronista e ex-procurador-geral da UFPB