antagonismo: máquina de fotografia/revólver a máquina é o revólver ao inverso: os objetos-bala não saem, eles entram, se internam.

A paisagem certa

ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto poema a ilha na ostra flavio tavares 50 anos de poesia

antagonismo: máquina de fotografia/revólver

a máquina
é o revólver ao inverso:
os objetos-bala não saem,
eles entram, se internam.

ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto poema a ilha na ostra flavio tavares 50 anos de poesia
da máquina
(se acionado o gatilho),
os objetos-bala a engravidam
de um festival colorido.

do revólver
(se acionado o gatilho),
apenas existe uma cor:
a mesma cor de um grito.



os abstratos pássaros dos fotógrafos

o pássaro
(feito de palavra)
está anterior à maquina
e à frente dos sorrisos.

o pássaro
da língua emigra
e entra nos ouvidos.

O pássaro
(soletrado e sem plumas)
arranca sorrisos.



quando a máquina de fotografia é revólver

a máquina é arma,
revólver que me revolve.

ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto poema a ilha na ostra flavio tavares 50 anos de poesia
a máquina
tem no seu olho (pupila)
a sua m(ira).

da máquina,
se está à minha frente,
sinto-me rendido
externo e internamente.

da máquina
(se acionado o gatilho),
sinto como se houvesse
um pássaro no meu riso.

da máquina sai o negativo
(sou revelado).
negativo de mim mesmo:
retrato.



fotógrafo lambe-lambe e avestruz

os fotógrafos
têm algo de avestruz
escondem a cabeça
e deixam os corpos nus



a bomba

a bomba
em sua atitude de espera
é pomba que hiberna
e não se sabe míssil.

a bomba pensa-se pomba
com a paz no bico.



duas odes à borracha
a flávio tavares e a marcos dos anjos

I

ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto poema a ilha na ostra flavio tavares 50 anos de poesia
a borracha
e sua arquitetura calma
de nuvem, de queijo
ou mesmo de sapo
que flexível ingere
as palavras-inseto
ou riscos incertos
de sobre o papel.

assim como um olho
totalmente fechado
que come os objetos
para dentro guardá-los
a borracha alimenta-se
do medo e do inexato.

o seu interno
de construções erradas
precisaria
de outras borrachas.

borrachas que solidárias
o interno desta borracha
tornasse limpo e exato
e para isto apagassem
o que nela há de errado.

borrachas que solidárias,
caridosas e beatas
levassem o sol para dentro
desta outra borracha
e dela devorassem
sua construção errada.

II

ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto poema a ilha na ostra flavio tavares 50 anos de poesia
esta borracha
guarda no seu bojo
os riscos da infância
em desequilíbrio.

esta borracha guarda
minha infância rabiscada:
calungas, casas, coqueiros,
toda infância apagada.

dentro desta borracha
a paisagem certa
de um verão
que o adulto repudiou.

esta borracha
foi nuvem que devorou
a água dos mares, os sóis
e os barcos da infância.

dentro desta borracha
há um outro verão
de sóis quadrados
e mares a(mar)elos.

desejos de externar
os destroços que ela guarda
mas quanto maior o desejo
mais a borracha me apaga
e o que escrevo agora

já é dela, se apagado,
e a borracha devora
um pouco do meu passado.

a borracha
é uma máquina fotográfica
de calungas, números, medos,
palavras e traços inexatos
e eles nela imergem
mas não serão revelados.

tenho ímpetos
de parti-la ao meio
e ver o seu intestino:
mares, barcos, sóis,
o verão e o menino.


ambiente de leitura carlos romero sergio de castro pinto a ilha da ostra flavio tavares
"A Ilha na Ostra
Os poemas desta publicação fazem parte do livro “A ilha na ostra“, de autoria do poeta Sérgio de Castro Pinto, editado há 50 anos, em 1970, pelo Grupo Sanhauhá, com capa ilustrada pelo artista plástico Flávio Tavares.


Sérgio de Castro Pinto é doutor em literatura, professor e poeta

COMENTE, VIA FACEBOOK
COMENTE, VIA GOOGLE

leia também