A nossa primeira visita à Itália trouxe novas experiências, acompanhadas de emoções incríveis. Foi uma estreia, pois nunca havíamos pisado ...

Recepção à moda italiana

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A nossa primeira visita à Itália trouxe novas experiências, acompanhadas de emoções incríveis. Foi uma estreia, pois nunca havíamos pisado o solo italiano antes. Ilma, minha esposa, eu e os companheiros de viagem, Karlisson e Socorro e Sérgio e Tereza, estávamos chegando de uma longa viagem pela França, onde havíamos percorrido, numa van alugada, a Rota dos Vinhos.

Entregamos o carro em Nice, depois de conhecer a Côte D’Azur e Montecarlo. À noite tomamos o trem-leito e amanhecemos em Veneza.

Num tempo sem as facilidades que a internet hoje oferece, tivemos a decepção de saber, logo no guichê de informação turística da estação, que naqueles dias não havia leitos disponíveis em Veneza para quem não tinha reservas, embora já estivéssemos na primeira semana de outubro. Atribuíram a um evento internacional que estava a ocorrer na cidade.


Terrivelmente frustrados, deixamos a bagagem num guarda-volumes e fomos conhecer aquela maravilha de cidade. Embarcamos num vaporetto, ônibus flutuante, percorrendo o Grande Canal até a praça San Marco. Ao descer naquele ponto, senti-me como James Bond, no final de Moscou Contra 007, que justamente naquele cais pegou uma lancha e saiu perseguido pela laguna. E fomos desbravar a cidade.

Ah! Veneza! Que c'est triste Venise, au temps des amours mortes!

É inevitável a associação com a música de Charles Aznavour, o maior ídolo de Petrov Baltar, celebrada por tantos filmes e tantos outros músicos. Veneza é a cidade que eu mais desejava conhecer desde a minha juventude.

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Foi com esse espírito que percorremos pela primeira vez as vielas e praças daquele lugar único, com suas características tão peculiares.

Depois de visitar a inundada Basílica de San Marco e o Palácio Ducal, tomamos um limoncello (licor de limão), comemos um prato de melão com presunto de Parma num dos restaurantes da praça e fomos nos perder no labirinto de lojas e edificações históricas, entre um canal e outro.

Entre tantas e tantas lojas, as que nos chamaram mais a atenção foram aquelas das típicas máscaras do carnaval veneziano, que só me evocam tragédias, com todo o seu fascínio cinematográfico dos filmes e livros que li e assisti sobre o assunto, ao longo da vida. São lindas as vitrines das lojas de cristais de Murano, com toda a sua policromia deslumbrante e as formas graciosas de seus produtos.

Numa das pequenas pontes interiores, demos um passeio de gôndola, uma das coisas mais inebriantes que já nos aconteceu! O prazer de estar ali sentados, deslizando pelo Grande Canal ao som de “O Sole Mio”.

Mário, o gondoleiro (parece até que todos se chamam assim) de camisa listrada (e se vestem assim!), cantou várias canções italianas, com voz de tenor. Ainda hoje lembramos da suavidade do passeio, o cheiro do Grande Canal, as construções do tempo de Marco Polo.

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Ao início da noite, encerramos a visita com spaghetti al pomodoro, acompanhado do bom vinho italiano, claro!

Findo o dia, veio a pergunta: onde dormir? Foi quando lembrei que estava com o número do telefone de Vani Visani, um italiano amigo de infância dos tempos do colégio Pio X.

Vani mora em João Pessoa, mas passa a temporada turística trabalhando em Cesenatico, um pequeno balneário que fica a poucas horas de trem de Veneza, na direção sul, às margens do mar Adriático.

Cesenatico é um lugar muito visitado, principalmente por alemães e austríacos, nos quatro meses do verão italiano. Tivemos o prazer de nos banharmos em suas praias. Águas com boa temperatura, mas que deixam um pouco a desejar quando comparadas com as nossas.

A maior atração do lugar é um canal projetado e construído por Leonardo Da Vinci que termina num belo dique, onde fica a principal marina da região. Rica de veleiros e outros veículos aquáticos, a marina é uma bela atração para quem gosta de esportes náuticos.

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Vani atendeu prontamente, sempre muito cortês, e convidou-nos a passar alguns dias no lugarejo. E lá fomos nós, para outras emoções. E que emoções!

Hospedamo-nos no hotel La Dolce Vita, pertencente a um amigo de Vani, Fiorenzo Presepi. Chegando lá, assistimos a uma cena típica, que já vimos em algum dos inúmeros filmes italianos.

Fiorenzo era ciclista profissional, participava de corridas por toda a Europa. Na recepção do hotel, ele colecionava vários troféus. Era (aparentemente) calmo e paciente, predicados raros para um italiano.
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Passava o tempo todo lendo revistas esportivas. Era casado com a jovem Daniella. Esta, por sua vez, parecia ter sangue mais italiano do que o marido, pois era impaciente e resmungava o tempo todo:

“Porca miseria!”

Isso tudo só porque estava arrumando as mesas do salão de refeições, em frente à portaria, com um menino de colo, agilmente pendurado em seu corpo.

Tomamos os quartos e, como terminei de me arrumar mais cedo, desci à recepção para bater um papo com Fiorenzo e pegar algumas dicas sobre Cesenático. Encontrei-o lendo no balcão da recepção. Muito solícito, prestou-nos todas as informações solicitadas.

Súbito, Daniella aproximou-se e perguntou-lhe de forma agressiva, acho que só para provocá-lo:

La machina! Dov'é la macchina?! (Onde está o carro?!).

— Está com meu irmão. Ele precisou e pegou emprestado — respondeu Fiorenzo, tranquilamente, sem levantar o rosto nem a voz.

Ah! Para que ele disse isso? Daniella iniciou um falatório sozinha, provavelmente falando mal do cunhado, com o menino escanchado em sua cintura.

Nisso, chega o cunhado, que passa direto por ela e devolve a chave do carro a Fiorenzo. Daniella partiu furiosamente para cima dele, mas não o atacou, senão com palavras. E ele respondia com a mesma ferocidade, sem se atracar.

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Eu pensei: “Vão se matar!” Fiorenzo não tirava os olhos da revista, saboreando tranquilamente cada página. Não entendíamos nada, assistindo àquela cena típica de filme italiano, como tantas que vimos no cinema. Parecia dirigida por Ettore Scola.

Ilma chegou no meio dessa briga, perguntando o que estava acontecendo, pois os gritos chegavam ao quarto. A minha preocupação toda era com o menino, que Daniella rodava pelo corpo, de um braço para o outro, sem deixar cair.

Ela destratava e o cunhado respondia. O menino escanchado. Até que houve um momento em que, de repente, ela pegou o garoto pelas pernas. Eu pensei: “Ela vai atirar o novinho no cunhado, como se fosse uma pedra!”. Para a nossa surpresa, subitamente pararam.

Ilma olhou para mim, coma face interrogativa. Eu ergui os ombros, a boca seca. Pensei: "Puxa, que cena!

E logo estavam os três aos risos e abraços, como se nunca tivesse acontecido nada, para nosso espanto e alívio.

Tudo isso aconteceu no primeiro dia de nossa primeira viagem à "ao país da bota". Acho que é assim que eles dão as boas-vindas:

Benvenuto in Itália!


José Mário Espínola é médico e escritor

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  1. Que crônica maravilhosa! Parabéns, José Mário Espínola! Uma narrativa leve e com toque de humor,.👏👏👏👏

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  2. Gil, eu acho que se estivesse em excursão teria toda s segurança e conforto. Mas teria tido a oportunidade de desfrutar das situações que eu já encontrei, como esta

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  3. Parabéns Zé Mário! Compartilhamos sua visita à Itália como se estivéssemos com o seu grupo.

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