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Relíquias da Casa Velha

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Não, nada e tudo com as “Relíquias” do velho Machado. A relíquia é outra. Na Academia Paraibana de Letras, excetuadas duas ou três salas destinadas às galerias dos seus imortais, onde descer a mão cai num livro. Fiz isto na semana passada e dei com um livro de 1950, escrito pelo paraibano José Caó sobre Pereira Lira, outro apagado da nossa memória cultural e política.

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José Pereira Lira / Arquivo TCU
Só os de minha idade – e mesmo assim muito poucos - sabem quem foi José Pereira Lira. E foi muita coisa: catedrático da Universidade do Brasil, deputado federal, ministro do Tribunal de Contas da União, chefe da Casa Civil (todo poderoso) da Presidência da República no governo Dutra e candidato ao Senado na campanha de 1950. Até chefe de polícia no Rio ele foi. Constitucionalista, grande advogado, estragando tudo em seu final político, não por corrupção ou qualquer outra miséria, mas pelo que Caó ressalta linhas abaixo.

E o próprio Caó? Verbete da “Enciclopédia de Literatura Brasileira” dirigida por Afrânio Coutinho, José Clemenceau Vinagre Caó foi um pessoense absorvido pela imprensa do Rio do tempo de “A Noite” e da Rádio Nacional, da qual chegou a diretor geral. Ser diretor da Nacional nos anos 50 era muita coisa, talvez mais do que é hoje um diretor da Globo.

Era poeta e nessa condição se refere à sua cidade natal, depois de longamente integrado à vida do Rio: “Paraíba! À invocação desse nome! Meu pensamento dispara rumo ao Norte (...) e reflui para o passado, até o reencontro comigo mesmo, menino de Liceu, de calças curtas e nariz espetado para o ar, ávido por compreender o mundo, que para mim se resumia naquela graciosa cidade, ladeirenta e bucólica”.

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Clay Banks
E aí vem o que interessa para o contexto de sempre: “Mas que cidade politiqueira! Ali o ar das ruas cheirava a política, fazia-se política a propósito de tudo. Não havia neutralidades, nem se admitiam os abstêmios ou desinteressados. Cada um tinha que ter uma bandeira, seguir um chefe, lutar por esse ideal. A paixão partidária era tanta que transbordava de seus limites naturais, invadindo alheias esferas de atividades.”

“Lembro-me, por exemplo, da eleição de “Miss Paraíba” no concurso de beleza promovido pela “A Noite” em 1929. Em qualquer lugar, um concurso desses é um torneio ameno e gracioso e as conseqüências não ultrapassam o galante motivo que o inspira. Na minha terra transformou-se num caso político, chefes respeitáveis nele empenharam o seu prestígio, o jornal que patrocinava o concurso teve que pôr as maquinas a funcionar dia e noite, imprimindo cupons para a votação”.

Narra (e muito bem) outro caso, desta vez um concurso para professor de latim da Escola Normal. “A Paraíba cindiu-se em dois blocos, cada um sustentando a supremacia do seu candidato no conhecimento da língua mater. E no dia das provas – espetáculo inolvidável para mim, estudante de 12 ou 14 anos – em frente ao edifício da Escola se aglomerava uma das maiores multidões que já vira até então. Parecia que toda a cidade comparecia àquele duelo de erudição”.

“Maravilhosos tempos, que faziam desse tipo de evento o grande espetáculo, embora, alguns anos depois, a multidão aglomerada e enlutada tenha engrossado as praças do Brasil na Revolução de 30.”

Um homem desses, mais ainda um paraibano, não se esquece. Ai deles se não existisse uma casa velha de espaço acanhado, atravancada de livros, não dando espaço nem chance a outra apanha ou fisgada.


Gonzaga Rodrigues é escritor e membro da APL


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