Gastão d'Orleans tinha 22 anos de idade quando, em setembro de 1864, chegou ao Brasil. Seu avô, o rei francês Luis Filipe, fora de...

A visita do Conde d'Eu à Paraíba

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Gastão d'Orleans tinha 22 anos de idade quando, em setembro de 1864, chegou ao Brasil. Seu avô, o rei francês Luis Filipe, fora deposto pela revolução que irrompera, em 1848, em Paris, e a sua família se exilara na Inglaterra, onde Gastão foi educado. Depois, ele foi para a Espanha cursar a academia militar de Segóvia e, em seguida, ingressou no exército espanhol onde conseguiu a patente de capitão, tendo se destacado em batalha no Marrocos. Gastão ostentava o título nobiliárquico de Conde d'Eu, que tinha sua origem na Comuna de Eu, na Normandia, onde os Orleans tinham um Castelo.

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O jovem Gastão d'Ordeans ▪ imagens: Wikimedia
Gastão d'Orleans viera para o Brasil para casar com Isabel, uma das filhas do Imperador Pedro II, conforme acertos que eram comuns na época entre as famílias reais. No Brasil, as dotações das despesas necessárias para viabilizar esses matrimônios eram regulamentadas em lei aprovada pela Câmara dos Deputados. A Lei 166, de 29 de setembro de 1840, estabelecia no seu artigo nono que “O Governo fica autorisado para despender fóra do Imperio as quantias, que forem necessarias para as negociações relativas ao Casamento de Sua Alteza Imperial, e transporte do Seu Augusto Esposo”.

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Isabel e Gastão d'Orleans, o Conde d'Eu
Um mês após a chegada de Gastão d'Orleans ao Rio de Janeiro, era realizado o seu casamento com a Princesa Isabel. Logo depois, o casal viajou para a Europa e, durante a viagem de núpcias, irrompeu a chamada Guerra do Paraguai. Quando retornou para o Brasil, o Conde d'Eu insistiu com o Imperador Pedro II para ser incorporado às forças brasileiras no Exército da Tríplice Aliança (que incluía Argentina e Uruguai). Apesar da experiência militar anterior de Gastão, o Imperador não atendeu ao seu pedido. Começaria aí um relacionamento não muito franco entre o sogro e o genro, que era sempre deixado de lado nas decisões tomadas por Pedro II. Essa situação transparece nas cartas que Gastão d'Orleans enviava para o seu pai, o Duque de Nemours.

Quando a guerra do Paraguai se encaminhava para o desfecho final, com as forças aliadas já ocupando Assunção, Caxias alegando problemas de saúde deixou o comando do Exército. Pedro II resolveu, então, designar o Conde d'Eu para substituí-lo. Gastão d'Orleans relutou, mas acabou aceitando o posto que, nas palavras da Princesa Isabel, seria uma espécie de “capitão do mato” na perseguição ao presidente paraguaio Solano Lopez que se refugiara nas montanhas. Essa parte final da guerra, fez com que o nome do Conde d'Eu ficasse associado no Paraguai a uma figura cruel. O diplomata e historiador Vasco Mariz conta que em determinada ocasião
O Conde d'Eu e Isabel com os filhos Pedro, Luís Maria e Antônio Gastão, em 1884
foi a uma recepção em uma residência em Assunção em que havia crianças brincando e fazendo grande algazarra. Segundo ele, a dona da casa, para parar com o barulho, disse para as crianças: “Parem! Vão brincar lá fora no jardim, senão mando chamar o Conde d'Eu”.

Em caso de um Terceiro Reinado, com o falecimento de Pedro II, a Princesa Isabel, assumiria o trono, o que levaria o Conde d'Eu a uma posição de destaque no Império. Apesar dessa possibilidade, Gastão d'Orleans foi uma figura quase sempre apagada durante os 25 anos em que viveu no Brasil. Para o escritor Câmara Cascudo, que escreveu uma biografia do Conde, “Gastão d'Orleans manteve, até o advento da República, a discrição, a sobriedade verbal, o aprumo, a gravidade que seu delicadíssimo papel requeria. Não o vemos intervir ostensivamente nos debates políticos que apaixonavam meio mundo. Manteve-se arredio à própria defesa de seu nome, presa fácil à eloquência trepidante das bancadas de oposição. O conselheiro privado da Herdeira do Trono jamais pôde ser identificado nas suas sugestões”.

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Isabel e o Conde d'Eu, em 1870
Já se escreveu bastante sobre a viagem, em 1859, de Pedro II à Paraíba. Mas, o Conde d'Eu também esteve nas terras paraibanas, uma visita que é esquecida na história da Paraíba. Em junho de 1889, cinco meses antes da queda do Império, o Conde d'Eu resolveu fazer uma viagem às Províncias do Norte e Nordeste. No mesmo navio Alagoas em que o marido da Princesa Isabel partiu do Rio de Janeiro embarcou, também, o advogado Silva Jardim, um dos mais ferrenhos opositores do regime monárquico e destacado propagandista da República. A edição de 15 de junho da Revista Illustrada estampava em sua capa,
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Revista Illustrada, 15.06.1889 / Fonte: Museu Imperial
desenhada por Ângelo Agostini, os dois viajantes adversários a bordo da embarcação e publicava o seguinte texto:

“Partiu para o Norte, a bórdo do vapor Alagoas, em viagem que não se sabe se é de recreio ou de serviço, mas em todo o caso de mysterio, o Sr. Conde d'Eu. Como companheiro n’essa escursão seguia também o denodado propagandista Silva Jardim. Como se sabe, a vida de bórdo é cheia de intimidades e não pequena surpresa deve ter sentido o Sr. Conde d'Eu ao reconhecer entre os seus companheiros de tombadilho, o intrepido republicano [...] O Sr. Silva Jardim lavrou um tento: teve espirito. Por esse caminho lhe auguramos um successo muito maior do que poderia obter com todas as propagandas possiveis e imaginaveis”.

A ideia de Silva Jardim era aproveitar as escalas que o navio faria para fazer a sua pregação republicana nas cidades. O início da viagem não foi tranquilo. Em Salvador, tumultos promovidos por monarquistas impediram que Silva Jardim falasse. No Recife, o tribuno republicano conseguiu fazer uma primeira conferência, mas a segunda não pôde ser realizada porque o delegado de Polícia da cidade se declarou incapaz de manter a ordem se o evento ocorresse. Impedido de falar no Recife, Silva Jardim viajou por várias cidades do interior de Pernambuco fazendo a propaganda da República, entre elas Timbaúba e Goiana.

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O povo dividido entre republicanos e imperialistas, na visita de Silva Jardim e do Conde d'Eu ao Nordeste em 1889 ▪ Charge da Revista Illustrada, 22.06.1889 / Fonte: Museu Imperial
Dias antes da partida do Conde d'Eu do Rio de Janeiro acontecera uma mudança no governo com a ascensão do Partido Liberal que, sob a Presidência do Visconde de Ouro Preto formaria um novo Gabinete que seria derrubado, meses depois, com a instauração da República. A nova situação, como de praxe, acarretaria alterações em diversos cargos nas então chamadas Províncias. Para o governo da Paraíba, que vinha sendo ocupado pelo conservador Barão do Abiaí (Silvino Elvídio Carneiro da Cunha), que era o 1º vice-presidente, fora nomeado, em 16 de junho, o gaúcho Francisco Luiz da Gama Rosa que somente chegaria à Capital da Província na primeira semana de julho e que seria, por cerca de quatro meses, o último governante da Paraíba no período monárquico.

A visita do Conde d'Eu e de Silva Jardim à Paraíba era anunciada em notas nos jornais locais, como se vê em quadras publicadas na Gazeta da Parahyba: “Sua altesa o Conde d'Eu / Muito em breve aqui teremos / E tambem Silva Jardim / Nesta capital veremos / Recepção estrondosa / O primeiro accolherá / Mas o outro, é quasi certo / Recepção não terá”. Silva Jardim acabaria ficando em Pernambuco e talvez não tenha viajado para Paraíba porque seriam raríssimos na Província os partidários do regime republicano. A Gazeta da Parahyba ressaltava em suas páginas que o Conde d'Eu não encontraria “entre nós a febre de republicanismo que possa perturbar a sua hygienica villegeatura”,
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Gazeta da Parahyba, 23.06.1889
o que certamente levou Horácio de Almeida a escrever que “a República chegou à Paraíba sem ter quem a recebesse”. Apesar dessa falta de “republicanismo” na Província da Paraíba, a população da Capital recebeu sem qualquer entusiasmo a presença do Conde, conforme relato do próprio jornal:

“O augusto principe, o esposo da princesa imperial, só não passou desappercebido pela capital da Parahyba, porque sabia-se que S. Altesa estaria aqui no dia 20, que saltaria, que iria ao palacio da presidencia onde o Sr. Barão de Abiahy lhe obsequiaria com um almoço, á sua ou a custa do Estado pouco importa.

Nada denunciava com effeito a real visita; o aspecto da cidade era o mesmo, sempre calmo e silencioso; nas ruas passavam os poucos transeuntes, indifferentes mesmo ás palmas de buritys que enfeitavam algumas dellas; nada de extraordinario, e o era a visita do augusto principe, despertava a attenção do povo, nem mesmo o estouro dos foguetes, o som da musica e os repiques dos sinos, cousas obrigadas em todas as festas, e isto tanto podia ser pela visita do Sr. Conde d'Eu como pela festa de Corpus Christi que nesse dia celebrava-se na Matriz”

A coluna poética “Effes e Erres” da Gazeta da Parahyba descreveu a insossa visita do Conde d'Eu à Capital da Paraíba, o que não deixava de traduzir o descrédito em que a monarquia se encontrava naquele momento:
Conde d'Eu
“Afinal esteve o Conde / N’esta pacata cidade / Para o povo Sua Alteza / Chegou, vio e retirou-se / Com toda a formalidade / Ao povo cumprimentando / Com geitosa urbanidade”. Outra seção do jornal, Folhetim, também abordava o fiasco da visita do Conde através do personagem Zé-povinho:

“Ah Zé-povinho [...] a recepção que acabas de fazer ao Sr. Conde d'Eu foi estrondosa de indifferença [...] Por mais que se esbofasse o Sr. barão do Abiahy em expedir cartas de convite; por mais que os prelos do Jornal da Parahyba [Nota: jornal do Partido Conservador] gemessem em deitar nas ruas boletins em que convidava-se o povo a receber condignamente o real viajante [...] Como um verdadeiro boi de bagaceira que silenciosamente rumina o alimento e olha indifferente para tudo mais, tu te deixaste ficar em casa, quieto, fazendo a tua digestão e olhando indifferente para palacio, quero dizer para o Sr. Conde d'Eu”.

Três meses depois da volta do Conde d'Eu das suas andanças pelo Norte e Nordeste do país, o Império acabaria por morte natural, praticamente sem ter quem o defendesse. O povo assistiu “bestializado” ao golpe militar que instituiu a República, na frase famosa do paraibano Aristides Lobo, que foi Ministro no primeiro governo republicano. Gastão de Orleans e os demais membros da família imperial foram banidos pelo novo governo e o Conde somente voltaria ao Brasil em 1921, trinta e um anos depois, quando um decreto do então Presidente Epitácio Pessoa revogou o ato de banimento. No ano seguinte, em uma nova viagem para o Rio de Janeiro, onde assistiria às comemorações do centenário da Independência, o Conde d'Eu faleceu no navio que o transportava. A Princesa Isabel havia falecido na França, no ano anterior, sem nunca ter retornado do exílio.

Isabel e o Conde d'Eu exilados na França, em 1919

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  1. Ótimo artigo, que traz para os leitores aspectos pouco conhecidos de nossa história. Parabéns Flávio.

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