Normalmente, ao se contar uma história em que existem reis, rainhas, castelos e bobos da corte, abre-se uma cortina de sonhos emocionantes...

A corte de Elsinore

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Normalmente, ao se contar uma história em que existem reis, rainhas, castelos e bobos da corte, abre-se uma cortina de sonhos emocionantes.

O livro “O que aprendi com Hamlet”, de Leandro Karnal (2018), que analisa a obra de William Shakespeare (1564–1616) é surpreendente. Com o apoio da leitura e assistindo ao filme Hamlet, com Lawrence Olivier, que estreou em 1940 e recebeu Oscar de melhor ator, torna-se ainda mais evidente a riqueza de detalhes a respeito de nós mesmos, da natureza humana.

Na corte de Elsinore, na Dinamarca, existe um príncipe chamado Hamlet. Nome também de seu pai, o rei, que fora assassinado de forma vil e cruel. Através do espectro do pai, Hamlet fica sabendo que o seu próprio tio assassinou, tomou a coroa e casou-se com a rainha em um curto período de dois meses.

A partir desse contexto, descortinam-se múltiplas análises da história. O príncipe é muito sagaz e sabe do perigo que o cerca. A primeira decisão tomada por ele é fingir-se de louco, porque a partir daí, montar o seu plano de vingança. Ele sabe que pela morte do pai, por direito, deveria ser o rei. Cláudio usurpou o trono do sobrinho e não hesitaria em matá-lo.

Quando Hamlet põe o seu plano em prática, logo chama a atenção de Polônio, que é conselheiro conivente do rei, de muito tempo, interesseiro, fingido, ambicioso, bisbilhoteiro e devido a seus ardis, perecerá na própria artimanha em armadilha inesperada. Polônio é pouco consciente em comparação a Hamlet: um se faz de louco para atingir objetivo de vingança; o outro falseia a verdade para manter o seu mundo de aparências.

Hamlet cria um plano para observar a consciência de Cláudio. A companhia de teatro encenará para todos no palácio e Hamlet interfere no roteiro da peça teatral, acrescentando mais alguns detalhes que o ajudarão. O mundo é um palco e as palavras escondem a disposição sincera.

Há ambiguidades em Hamlet, quando sofre com os sentimentos de vingança e ódio, mas inequivocamente é posicionado na história como mocinho, mas que, ao mesmo tempo, tem desejos de matar.

Há espaço para analisarmos as amizades de Hamlet. Ele percebe que perdera dois grandes amigos quando se certifica de que Rosencrantz e Guilderstern estão sendo falsos. Aliaram-se a Cláudio e passam a ser joguetes nas mãos de Hamlet. Ciente de tudo o que se passa na corte e ao mesmo tempo fingindo ser louco, Hamlet usa os falsos amigos da forma que lhe convém. A antiga amizade entre amigos passa a ser teatral.


O grau de consciência dele é demonstrado de forma muito forte no monólogo “Ser ou não ser”. Em momento tocante — e na minha opinião uma das melhores cenas do filme —, ele é extremamente rude com a mãe, Gertrudes, a quem questiona o envolvimento com Cláudio. Na concepção do filho, quando existe coerência de princípios, não se deve ceder aos desejos. Gertrudes desconhece o fato de que Cláudio é o assassino de Hamlet, o pai. O príncipe desperta a consciência dela e a faz entender que Cláudio não parece ser tão confiante como ela o considera.

A jovem e bela Ofélia, a quem Hamlet nutre um sincero amor, é inteligente, mas incapaz de lidar com o abandono do namorado, que ao se fingir de louco, a desconsidera, rompe o namoro e ainda a aconselha a ir para um convento. A certeza acompanha a fragilidade mental. Descer ao fundo da sua dor a fez sofrer a tal ponto de morrer de amor, tal o desgosto que Hamlet lhe causou.

Cego por vingança ele é ingrato com a mãe, Ofélia, mostra desprezo pela morte dos dois amigos Rosecrantz e Guildestern, indiferença com a morte de Polônio denotando  arrogância social diante do súdito. As memórias do filho com relação ao seu pai são as melhores possíveis, mas ao se deparar com o crânio de Yorick o bobo da corte,
vem à tona e de forma muito emocionada o seu velho companheiro de infância, que o divertia na maioria do tempo. Isso porque, na verdade, o rei Hamlet era um guerreiro e vivia muito ausente do castelo.

Horácio, homem quase anônimo, era, com efeito, a testemunha mais frequente, mais amiga e mais sincera de todas as partes da trama. Como partícipe que pode relatar tudo com veracidade e restaurar a boa reputação de Hamlet.

Karnal faz uma citação de Harold Bloom (1930—2019):

“O mal de Elsinore é o mal de todo tempo e lugar. Todo estado tem algo de podre, e os que têm sensibilidade semelhante a de Hamlet, cedo ou tarde irão se rebelar.“

Cláudio envenena a ponta da espada em que Laertes ferirá Hamlet, e põe veneno no vinho de Hamlet. Mas devido a insistência do rei para que Hamlet beba do vinho, Gertrudes desconfia da atitude e num gesto extremamente maternal, ela bebe do vinho, envenenando a si própria. Laertes confessa a trama do rei para matar Hamlet antes de morrer, ferido pela espada envenenada. Não vemos o perdão do filho perante à mãe morta e sim uma frase muito dura e sem perdão: "Adeus pobre rainha".

Hamlet obriga o rei beber do vinho envenenado e já ferido de morte, pede a Horácio para narrar a história com fidelidade para que seu nome não seja maculado e indica a coroa para Fortimbras.

Fortimbras ordena que Hamlet seja enterrado com honras de estado e determina que quatro capitães da guarda o ergam.

Ele não é dominado por paixões. Viveu em embates com o mundo. Não oferece um conselho; filosofa e, filosofando, não possui respostas. É muito questionador.

Em um belo trecho do livro de Karnal, ele comenta o valor da Arte em nossas vidas. Em sentido abrangente, a Arte nos oferece um grande apoio existencial orgânico e denso. O mundo é um teatro que nos possibilita analisarmos a nós mesmos.

Julgamos muito o outro, mas somos condescendentes com as nossas próprias falhas. Nunca poderemos dizer de fato o que pensam as outras pessoas, sob o risco de estarmos julgando erroneamente uma situação. Aprendemos a negociar com os nossos silêncios; Fazemos concessões. O nosso “ser ou não ser” é um caminho a seguir. Cláudio é ambicioso. Hamlet, tem  sentimentos de vingança. Dois homens poderosos que não sabem aproveitar o livre-arbítrio e por isso causam as suas próprias desgraças. Artimanhas astuciosas advindas da sede de poder, do ódio e da vingança. Qual é o custo da vingança?

O texto mais famoso da dramaturgia mundial continua com seus mistérios. Toda a obra analisa o sentido da nossa existência.

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