Seu Elias foi realmente um caso preocupante, como mostrou a sua evolução. Nasceu portador de uma síndrome pouco conhecida: Agenesia de Anj...

Seu Elias, o azarado

Seu Elias foi realmente um caso preocupante, como mostrou a sua evolução. Nasceu portador de uma síndrome pouco conhecida: Agenesia de Anjo da Guarda.

Pois é, Seu Elias nasceu desprovido daquela entidade mítica tão importante para as crianças, aquele que, distante da mãe, não deixa que o menino entre em situações de risco: banho de mar brabo, de açude ou de rio, pular muro para roubar goiabas, pegar “morcego” em ônibus ou caminhonetas, aperrear o doido da cidade. Ou se o menino entrar em frias, livrá-lo delas.

Assim, Seu Elias cresceu conseguindo escapar, não sem muita dificuldade, de afogamento, atropelamento, coice de jumento.

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Em sua infância Seu Elias teve todas as doenças próprias da idade: sarampo, caxumba, catapora, varíola, gripe asiática, a bexiga taboca e a bexiga lixa. E teve até uma forma leve de paralisia infantil, que lhe deixou um pequeno arrastado no andar, puxando a perna.

A varíola que o acometeu foi tão forte que deixou o seu rosto marcado, conferindo-lhe o apelido de Bordado.

Ele tinha uma certa limitação intelectual. Mas, com muito estudo e repetições conseguiu vencer o curso primário, o secundário e o científico. Após seis vestibulares conseguiu entrar no curso superior.

Porém, no primeiro ano estava olhando uma manifestação estudantil contra a ditadura militar, na frente da Catedral. Pessoalmente não gostava de se envolver com política. Mas foi quando entrou o destino, a sina, o carma (como diria Ana Cândida). Um colega de classe estava segurando um dos paus de uma grande faixa, onde estava escrito em letras garrafais: “ABAIXO A DITADURA!”

Em dado momento o colega pediu-lhe que segurasse, enquanto ia urinar. Com poucos minutos o colega voltou e reassumiu o lugar. Porém foi tempo suficiente para o azar próprio de Seu Elias se manifestar. No momento em que ele segurava a faixa, o dedo-duro que acompanhava a manifestação bateu uma foto, registrando o nosso anti-herói. Seu Elias foi denunciado na Lei de Segurança Nacional, a infame LSN, processado e condenado à suspensão dos direitos por dois anos de suspensão do curso superior.

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Como era arrimo de família, Seu Elias teve que arranjar trabalho, e nunca mais voltou a estudar.

Mas alguns não acreditavam que o seu azar fosse tão extremado. Pois certa vez ele fez 13 pontos. Eu explico.

Certo dia a sua mãe chegou de manhã cedo no ônibus Corujão, da Gaivota, vindo da sua cidade natal, Santana dos Garrotes. Ela veio para fazer compras, pois o comércio de sua cidade era muito limitado.

Seu Elias deu toda a assistência, passando o dia acompanhando-a em suas compras. Comprou metros de tecido, artigos de costura, e algumas peças de cozinha, entre as quais uma faca peixeira longa e afiada. Tudo o que ela comprava Seu Elias botava no saco de pano, como era costume entre o seu povo.

À noitinha foram para a rodoviária para que tomasse o ônibus noturno de volta à sua cidade. Comprou a passagem e foram para a calçada onde parava o ônibus. Como só tinha uma cadeira vaga sentou a mãe nela, e sentou-se sobre o saco abarrotado de compras e com a peixeira dentro! Não deu outra: perfuração do glúteo. Foram 13 pontos!

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Apesar de suas limitações Seu Elias conseguiu casamento. Casou-se com uma moça mais jovem, muito religiosa, e metida a esperta. Certa manhã Seu Elias estava em seu emprego de contínuo no Centro Administrativo da prefeitura. Foi quando recebeu o telefonema da esposa. Ela estava aflita dizendo que na sua porta tinha técnicos das companhias de luz, de água e telefônica. As contas estavam já três meses atrasadas, e eles tinham ido cortar os serviços.

Quase chorando Seu Elias contou para o seu chefe, o secretário Dr. Roberto. Como Seu Elias era uma pessoa muito querida, Dr. Roberto organizou uma “vaquinha” para ajudá-lo. Conseguiram arrecadar o suficiente para pagar pelo menos um mês de cada conta atrasada, o que ao menos seria suficiente para evitar os cortes.

Quando a sua esposa foi pegar esse dinheiro, Seu Elias disse-lhe que fosse direto ao centro da cidade para pagar. Mas ela desceu do ônibus na parada da Igreja Universal. E entrou para fazer uma oração.

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Ao sair deu de cara com uma vendedora de bilhetes do sorteio de carros Paraíba Dá Sorte, que corria no domingo. Era tentador: primeiro prêmio: 5 carros. Segundo prêmio: 3 carros. E assim por diante. Sentindo-se inspirada ela comprou 3 bilhetes, desinteirando as contas atrasadas.

Na segunda feira amanheceram 3 carros na porta de Seu Elias: um da Energisa, um da Telpa e outro da Cagepa…

Religiosa eclética, a esposa de Seu Elias envolveu-se com uma seita de adoração da igreja católica. Tornou-se tão fervorosa que um dia Seu Elias testou positivo para Covid 19. Apesar de religiosa ela acreditava na ciência, e era obediente aos preceitos das autoridades de saúde. Aí botou Seu Elias pra fora do quarto.

Como ele insistisse, no seu lugar da cama ela botou um Coração de Jesus. Ele ensaiou dormir na rede. Ela pôs uma imagem de Nossa Senhora dos Remédios.

Passado o período de isolamento social, ela não retirou mais as imagens, não permitindo que ele retornasse à alcova.

Um dia ela botou-o pra fora de casa. Foi quando Seu Elias se tocou: fora trocado por Jesus! ...

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