Hoje tenho 65 anos. A pele quase toda branca do vitiligo. Antes, minha pele era bronzeada. Gostava de ver o seu brilho depois de um dia ...

A troca de pele

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Hoje tenho 65 anos. A pele quase toda branca do vitiligo. Antes, minha pele era bronzeada. Gostava de ver o seu brilho depois de um dia todo na praia.

A minha geração era assim. Não existia protetor solar e, sim, os bronzeadores. Os importados, então, um sucesso: Rayito de Sol, Coconut e Coppertone. Também havia as misturas caseiras com urucum, óleo de coco e até coca-cola. Estranho, mas tinha gente que passava. Eu não gostava de me lambuzar, mas para entrar na onda passava óleo no corpo, para fazer a marquinha do biquini. Era a sensação! Nunca tive paciência de ficar deitada bronzeando.
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Areia Vermelha ▪ Cabedelo/PB AlexandreHB
Preferia caminhar e tomar banho de mar.

Uma vez, quando veraneava em Camboinha, fomos para Areia Vermelha a pé. Era uma aventura chegar no banco de areia que só aparece na maré baixa, para nos bronzearmos mais à vontade, tirando a parte de cima do biquini. Claro que isso ocorreu em dia de semana e de maré muito seca. Na volta, tivemos muita sorte e apareceu uma jangada amiga que nos deu carona. Fazemos cada coisa na adolescência!

Depois vieram os longos passeios a pé nas praias desertas, com uma sacola cheia de mangas, água e meu amor. Aí o bronzeado não era o foco, mas poder desfrutar de uma praia só para nós dois, em lindas e inesquecíveis tardes de verão.

Mas estou aqui para falar do vitiligo e contar um pouco do que se passou comigo. Fui criada pelos meus avós, com pouca convivência cotidiana com meus pais e irmãos. Quando eu tinha 30 anos, morando com meu companheiro e filhos em um sítio na Região dos Lagos, Rio de Janeiro, recebemos a visita do meu pai e da minha mãe, momento de reencontro que resultou em nosso retorno à família. Voltamos a morar aqui em João Pessoa. Foi uma alegria para todos nós. As crianças convivendo com primos, tias, tios e avós. Uma família grande e alegre e eu experimentando algo que sempre tive vontade: conviver com meus pais e irmãos na intimidade.

Pouco tempo depois, começou um processo no meu corpo. Primeiro uma manchinha no dedo, que descobri quando estava na praia.
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Hanen Boubahri
Achei diferente e resolvi ir investigar o que era. Fiquei sabendo: tenho vitiligo. No começo, o susto e as especulações. Família grande tem isso, cada um dá o seu pitaco: “é hereditária”; “tem gente albina na família”, e por ai vai.

O que estava mesmo acontecendo comigo é que, aos poucos, parecia que eu ia trocando de pele. Cada dia que passava ia se formando um novo desenho, colocando à mostra uma pele branca, parecida com a da minha mãe. Não é metáfora, mas parece.

Eu me modificava devagarinho, por dentro e por fora. Passado o susto inicial, fui apenas vivendo. Acho que, por dentro, estava mais fácil do que por fora. As pessoas perguntavam, me paravam na rua para ensinar remédios milagrosos, e eu nem ligando. Só tinha medo de que, quando chegasse no meu rosto, não pudesse mais me reconhecer. Mas não era bem assim, os desenhos iam delineando, fazendo um caminho. O caminho de volta.

Cada vez que tomava banho, era como se a cor da pele fosse escorrendo junto com a água, assim como o tempo que não vivi junto da minha família de origem. E nesse movimento de banhar e lavar, eu lavava a alma no sentido mais poético e amoroso possível, aproveitando cada momento, cada dia devagarinho, me acostumando e me apropriando desse lugar de filha, do meu lugar de nascença. Adoro quando me dizem: você está cada dia mais parecida com sua mãe. Acho que meu amor por ela é tão grande que precisava transbordar na minha pele,
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Hanen Boubahri
para ninguém duvidar que sou a sua menina que voltou.

Conto essa história com a intenção de poder ajudar quem está passando por esse processo, de se descobrir com uma doença que não dói, mas que vai modificando. É preciso buscar esse lugar novo, ver-se bonita, mesmo diferente, amar-se e entender o que está mudando por dentro.

Atualmente, as pessoas com vitiligo estão sendo incluídas nas propagandas, nas redes sociais e até em comerciais de muita audiência na TV. Quem tem vitiligo não precisa mais se esconder por baixo das roupas ou maquiagem, como vi muitas mulheres fazerem, no tempo em que começou a transformação em mim. Nunca deixei de ir à praia nem de usar roupas decotadas ou curtas para não mostrar o desenho da minha pele. Sou eu. Não tenho nada a esconder, apenas cuidar para não tomar muito sol, usar protetor e viver a vida que é linda, justo pela diversidade que temos em toda a natureza.

As crianças sempre se aproximam de mim e perguntam: o que é isso na sua pele? Às vezes, chegam perto só para tocar. Eu explico, é um desenho que eu fiz, ficou bonito? Já teve criança que disse "ficou lindo, tia", e me abraçou. É assim. Tudo depende de como olhamos e sentimos o que a vida nos dá. Para mim, o amor transbordou e desenhou meu vitiligo.

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  1. Anônimo7/5/22 21:54

    Que lindo texto!!!! Nos emocionamos com vc!!!!

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  2. Que bom ter te conhecido minha querida, na minha família tem alguns caso é vou compartilhar para que eles também possam lê 👏👏👏👏🙏🙏🙏❤️❤️🧵✂️🪡

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