Nonato Guedes é um jornalista completo. Ele não treme diante do papel em branco. Tem um texto primoroso e escreve como quem toma água, se...

Nonato: um jornalista de verdade

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Nonato Guedes é um jornalista completo. Ele não treme diante do papel em branco. Tem um texto primoroso e escreve como quem toma água, sem precisar reler para fazer correção. Falando, é um rio descendo a cachoeira: fluência sem arrodeios.

Às vésperas das eleições gerais mais importantes das últimas décadas, relembro momentos em que atuamos juntos, em clima de alta pressão.

Vinte e quatro de abril de 1984, votação da PEC 05/83, a conhecida Emenda Dante de Oliveira, que decidiria sobre o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República.

Estávamos em Brasília naquela ocasião. Cercados pelas tropas do general Newton Cruz, comunicações cortadas. Foram horas de confinamento. Pior: não tínhamos a menor noção do que poderia acontecer com todos que estavam dentro do Congresso. A boataria infernal aumentava a tensão.

Acervo Pessoal
Eu cobria o evento para um “pool” de emissoras paraibanas, lideradas pela Rádio Arapuan AM. Nonato, se não me falha a memória, era o enviado especial do jornal O Norte.

Fomos (não sei se ele se lembra) para a Comissão de Energia Nuclear, presidida pelo senador Milton Cabral, da bancada do governo, na esperança de que lá teríamos mais facilidade para restabelecer a comunicação com a Paraíba. Ledo (Ivo) engano. O corte era geral. Estávamos isolados do mundo.

Enquanto isso, os correspondentes estrangeiros, com seus equipamentos portáteis de última geração, alguns com sistemas de acesso direto ao satélite, faziam seus relatos tranquilamente, sem nenhum problema, apesar do bloqueio imposto pelo general Cruz.

Resultado: o jornalista brasileiro que dominava o inglês, no centro dos acontecimentos, ficava sabendo das coisas através das agências estrangeiras. Objetivamente, para saber dos acontecimentos no Brasil, dependíamos da boa vontade do colega estrangeiro...

Na idade da pedra em matéria de telecomunicações, não podíamos usar o telefone fixo nem o telex, únicos meios disponíveis na época.

Agora o lado tragicômico: uma jornalista australiana, salvo engano, brincava com o editor dela, transmitindo aquela célebre foto do general Cruz montado no seu cavalo branco, comandando as tropas que cercavam o Congresso.

CC0
Voltando a Nonato: no meio daquela fervura, ele senta no telex e não perde tempo. Grava sua matéria para enviá-la ao editor, assim que a comunicação fosse restabelecida. Num clima tenso, que convidava à dispersão, Nonato, concentrado no telex como um solista de sinfônica, elabora um dos seus textos impecáveis.

Quando as comunicações foram retomadas, os leitores da Paraíba tiveram, em primeira mão, o melhor relato do que estava acontecendo. Posso dizer porque observava, como um fiscal de prova, o trabalho perfeito do companheiro.

Era um tempo em que eu ainda tinha a “sensação de jornalista”, para usar expressão do amigo Carlos Aranha, coisa que Nonato Guedes nunca perdeu.

NOTA DO AUTOR
A PEC nº 5 de 2 de março de 1983, mais conhecida como Emenda Dante de Oliveira, que decidiria sobre o restabelecimento das eleições diretas para presidente da República no Brasil após 20 anos de regime militar, foi derrubada em votação na Câmara dos Deputados na noite de 25 de abril de 1984. Houve 298 votos a favor, 65 contra, 113 ausências e 3 abstenções. Por ser emenda constitucional, seria necessária a aprovação de dois terços da casa (320 votos). Com a derrota, por apenas 22 votos, a emenda nem sequer foi apreciada pelo Senado Federal, e assim terminou a mobilização causada pela campanha das “Diretas Já”. Mas a “galera”, que não brinca em serviço, tratou de logo de mudar a palavra de ordem para “Tancredo Já”, mantendo o bloco na rua. Deu Tancredo, que não assumiu. Para (in)felicidade geral da nação.

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