Os raios do Sol batem úmidos no cimento frio. A escadaria agora está desobstruída, limpa. Já não há mais corpos das folhas das castanholas ressecados e gélidos em decomposição formando uma barricada pousada nos degraus, compactadas pelas chuvas do inverno. A posição mórbida após soltarem e planarem das copas das árvores durante o outono. Semanas esquecidas, largadas sem verde, grudadas umas às outras num abraço post mortem.
Wilderness
Centímetros, metros adiante, o efeito seria outro. O contato seria fértil. Pele da planta solta decaída a acasalar com o tecido terra. Arte de amor, encontro, reencontro, seguimento de ciclo. Enfim, preparo um novo dia. A água da chuva é batizada, sêmem, semeadura, semente, nascimento.
Na calçada dura, nivelada por colher de ferro, porém, a folha é ineficaz após saltar sem paraquedas. No lugar de alimento será acúmulo sem propósito, esquecimento. Parada, inerte, reterá da chuva apenas peso, acumulará inutilidade. Pisada por pés desleixados, será compactada a demais folhas, virará irritante empapado. O sonho lá do alto era cair ao sabor do vento, pousar suavemente junto à terra, talvez à relva. E o tempo encarregava de desfigurá-la, transmutá-la em fragmentos férteis. Desmanchada, ela nutriria o solo, misturada ao bento líquido da chuva. Fortaleceria raízes, abraçaria carinhosamente sementes, contribuiria para um novo ser.
DNB
Talvez, com a quietude de anos, através de uma fenda, um canal até a camada de terra que reside por debaixo, uma semetinha consiga arremessar-se teimosamente à superfície, rompa a casca de cimento e brote. A folha ali esquecida e já desintegrada poderá ter contribuído de alguma forma com aquela vida, ao ter escorrida nutrientes pelas brechas da imperfeita calçada. E, aí sim, cumpra o ciclo e reviva em algum outro verde. Sim, há uma possibilidade.