Já se acostumara à sua vivenda entrançada em finos arames. Naquele exíguo cubículo por onde o mundo exterior entrava em bloquinhos vazados, a ave canora, princesa dentre todas, debicava o que lhe colocavam como alimento, e, durante o dia deixava que seu canto divino revoasse as redondezas. Os vizinhos gostavam do melífluo cantar do rouxinol.
Um deles, que tocava na Orquestra Sinfônica, opinava, comparando cheio de orgulho alguns traquejos sonoros a verdadeiros traços de compositores de fama. A mulherzinha dos fundos gostava da companhia dos trinados e relembrava, chorando, o seu marido, não se sabe por que associação de idéias.
Ananda Porto
Sujo de areia, magrinho, as penas escassas, foi socorrido pela família, levado para um aposento desocupado, deitado num colchão de retalhos de panos. Deram-lhe o tratamento adequado e, quando recuperado totalmente, foi colocado numa decente gaiola de tamanho amplo. Dentro de sua morada, podia fazer movimentos de malabarista, tanto que não sentiu falta de sua antiga amplidão de céus, de infinitos revoluteios, quando bicava o sol e a lua como se fossem frutos.
Havia, porém, a rondar um perigo negro que se equilibrava, sorrateiro, sobre o muro maltratado e passeava sobre o telhado da lavanderia. Enxotado, saía vagaroso e matreiro, limpando os bigodes com a saliva, ressaltando as unhas finas e afiadas. Deixava, muitas vezes, que os olhos brilhantes ficassem atentos, numa cruel admiração, a todos os trejeitos do belo rouxinol.
@jogapraroloniteroi
Num entardecer, as crianças foram colocar a porção da noite para o querido pássaro. Qual não foi a desagradável surpresa! Exangue, ainda dando o derradeiro suspiro, o rouxinol tinha um furo sob o peito. Abriram a gaiola. Fora o arremesso de uma pedra de baladeira. O piso da gaiola estava rubro. Pintura da morte. Tudo emudeceu. Levaram o corpinho da ave e o enterraram, à luz do sol esfiapado, sob a goiabeira. O gato sumiu.